SOBREVIVENTES DA COVID

“Essa pandemia veio como uma lição para rico e para pobre”

Comerciante Silvestre Pinheiro conta como foi ficar internado numa sala da emergência em SP com mais oito pessoas

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Gabriel Santos

28 de fevereiro de 2020 ficou marcado pela confirmação do primeiro caso do novo coronavírus no Estado de São Paulo. A pandemia já contabilizava 82 mil casos no mundo, mas no Brasil ainda não se sabia que rumo tomaria. No mesmo dia, o comerciante Silvestre Pinheiro, de 50 anos, nascido em Juazeiro (CE) e morador de Santo Amaro, São Paulo, suspeitou que poderia estar com a doença.

Os primeiros sintomas foram os de um resfriado comum: tosse, dor de garganta, coriza, irritação nos olhos. Sentindo-se incomodado, o dono do Bar e Lanchonete Cordeiro, de Moema, decidiu na mesma tarde procurar um médico. Foi então até a AMA (Assistência Médica Ambulatorial) da Vila Clementino, onde um raio X indicou pneumonia e sinusite. O médico pediu que Silvestre ficasse cinco dias em casa e receitou um antigripal.

O comerciante Silvestre Pinheiro, antes de pegar o novo coronavírus. Foto: Acervo pessoal

Depois de três dias, no entanto, o estado do comerciante só piorava. Cansaço, dor no peito e falta de ar dominavam seu corpo e nem 50 gotas de dipirona conseguiam mais controlar a febre alta. Silvestre resolveu procurar novamente atendimento na AMA, onde exames de sangue apontaram alteração no fígado e o oxímetro mostrou 88% de nível de oxigênio no sangue — o ideal é acima de 95%. Nesse mesmo dia, 2 de março de 2020, Silvestre foi mandado para o Hospital do Campo Limpo. Lá, uma tomografia e o teste do cotonete CRISPR confirmaram que ele estava com a covid-19. Os médicos fizeram uma bateria de perguntas — se ele era fumante, alérgico a medicação e se tinha algum problema de saúde, entre outras — e decidiram interná-lo.

Como os quartos estavam lotados, Silvestre conta que ficou num leito da sala de emergência com outras oito pessoas e apenas ele e uma senhora não precisaram ser entubados. Segundo o comerciante, apesar da atenção com que foi tratado por médicos e enfermeiros, a rotina no local “era horrível de se ver”. “Os outros (pacientes) foram todos entubados, uma coisa horrível. Médicos entubavam o pessoal assim do meu lado. Mas vou te falar: me atenderam muito bem, me trataram muito bem, muito bem mesmo, não posso reclamar de jeito nenhum do atendimento deles.”

No dia 6 de março de 2020, Silvestre já conseguia tomar banho sem ajuda dos médicos ou necessidade de cadeira de rodas. Nesse mesma data, diante da melhora do quadro, os médicos cogitaram mandá-lo para o Hospital de Campanha do Pacaembu, destinado a casos leves e médios. Já se sentindo mais bem disposto, Silvestre pediu, no entanto, para ser mandado para casa. À tarde, sua filha, a advogada Carol Teles, de 24 anos, assinou um termo de responsabilidade e Silvestre teve alta.

Prescrições médicas feitas durante a internação de Silvestre. Fotos: Reprodução

“O que não ficou bom para mim lá era que a gente não dormia, não tinha sossego. Toda hora chegava gente morrendo, gente machucada, tudo. Estava na sala de emergência mesmo, sala do choque. Então toda hora tava a lâmpada acesa, você não conseguia dormir por mais que tomasse aqueles remédios fortes. Às vezes me dava um pouco de dor de cabeça, dormia muito pouco.”

Já em casa, Silvestre passou mais dez dias isolado da família, no quarto. Caprichou principalmente no sono e na alimentação e tomou todos os cuidados para não infectar os parentes. Mas tanto a mulher, Gilvania, de 45 anos, quanto a filha, Carol, de 24, e o filho, João Paulo, de 17, contraíram o novo coronavírus. Nenhum dos três precisou ser internado, mas Gilvania e João Paulo relataram mal-estar, tonturas, febre alta, dor nas costas, ânsia, além de 15 dias com tosse. “Com medicamentos e xaropes deu tudo certo, mas é uma doença que eu não desejo para ninguém. Por isso se cuidem. É uma doença fatal”, resumiu Gilvania ao LabJor FAAP.

Já Carol explicou que, além dos sintomas sentidos pela mãe e pelo irmão, teve também perda total de olfato e paladar e uma mistura de sensações: “Tem a parte emocional também. Você se sente cansado, se sente muito preso por conta do isolamento. Foram 15 dias sem ter contato com ninguém dentro de casa, sem poder abraçar, sem poder beijar, vendo de longe. Por onde passava, eu tinha de desinfetar com álcool, então foi bem complicado. Foi uma fase bem difícil e ainda teve a questão da internação do meu pai. Tudo isso pesou muito. Na minha casa somos em quatro pessoas e todas contraíram o vírus.”

A grande questão para Silvestre continua sendo a de como ele foi infectado. Ele conta que em 27 de fevereiro foi até um hipermercado perto de seu condomínio e no local havia um grande número de pessoas, sem máscara ou qualquer outro tipo de proteção. Uma hipótese é de que tenha se contaminado ali. Outra possibilidade é que Gilvania tenha pegado covid durante uma viagem a Santa Catarina, uma semana antes, para comparecer ao enterro de sua irmã. No mesmo dia em que Silvestre foi ao mercado, ela voltou para casa com tosse e espirrando.

Da esq. para a dir., Carol, João Paulo, Gilvania e Silvestre Pinheiro. Foto: Acervo pessoal

No total, a doença afastou Silvestre de seu bar por 45 dias. Depois do tempo isolado, ele ficou mais 26 dias em casa por causa da proibição do comércio na cidade. Ao voltar, ainda teve de driblar o preconceito contra quem pega a doença.

“Ninguém quer ficar perto da gente, existe um preconceito. Principalmente aqui onde eu tenho comércio, em bairro nobre, o pessoal é preconceituoso. Se a vizinhança soubesse que eu tinha adquirido a doença, ninguém viria aqui. Tive de manter sigilo.”

Mesmo curado, Silvestre diz que continua usando máscaras e tomando todas as precauções contra a covid. Não quer nem pensar em voltar a passar pelo que passou. Também se consultou com um pneumologista e continua até hoje tratando uma dor na coluna que apareceu no meio da pandemia. Resumindo, diz, viveu “uma experiência e tanto”. “Essa pandemia veio como uma lição para todo mundo. Para rico, para pobre, para todo mundo. Veio como uma lição para ferrar mesmo”, conclui.

Gabriel Santos é aluno de Jornalismo da FAAP

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