“Estamos todos procurando uma cura”

Conclusão é da cineasta Caru Alves de Souza, que participou com a também cineasta Tata Amaral do 7º Diálogos na Web FAAP

LabJor
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5 min readJun 28, 2020

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pedro a duarte

Como o que temos vivido hoje será retratado pelo cinema? Essa foi uma das questões discutidas na 7ª edição do projeto Diálogos na Web FAAP, realizada no dia 23 de junho com a participação das cineastas Tata Amaral e Caru Alves de Souza.

Em 2013, Caru dirigiu o filme De Menor, sobre uma jovem advogada que defende crianças e adolescentes. A obra agora está em processo de se tornar uma série e os roteiros estão sendo escritos. Com a pandemia de covid-19, a cineasta diz que se viu perguntando sobre como adaptar a série para a nova realidade. “É impossível que as questões que estão sendo colocadas para a gente agora não sejam reverberadas nas coisas que a gente escreve”, disse.

A série então foi adaptada de uma narrativa realista para um cenário não realista. A primeira referência usada foi O Anjo Exterminador (Luis Buñuel — Espanha, 1962), filme surrealista em que personagens são incapazes de deixar uma mansão após um luxuoso jantar. Na série de Caru, o cenário é o fórum da vara de juventude. A mesa de roteiristas do projeto começou a flertar com a Justiça Restaurativa, que, segundo a cineasta, faz parte da “Cultura de Paz” e propõe uma maneira diferente de resolver conflitos baseada na horizontalidade: a figura do agressor e da vítima ainda estariam presentes, mas há um entendimento de que existe uma corresponsabilidade entre os vários elementos da sociedade.

“Principalmente quando se fala de jovens e adolescentes, é muito pertinente aplicar a Justiça Restaurativa, porque são pessoas muito vulneráveis, que estão naquela situação porque sofreram violências antes. Ele (adolescente) não é somente um agressor, também foi agredido.”

Cineasta Caru Alves de Souza. Foto: Pedro A. Duarte

Quando a mesa de roteiristas da série De Menor parou para se perguntar como chegaram naquele tema, a resposta que veio era clara: “A gente está buscando uma cura!”, disse Caru, “Que é exatamente o que todo mundo está buscando agora. Porque a Justiça Restaurativa é um processo de cura também, não só de resolução de conflitos . Ela está promovendo a cura social”. Para ela, nesta pandemia estamos aprendendo que teremos de mudar paradigmas. “Quero achar que a gente vai mudar depois da pandemia porque todas as situações de injustiça social, violência de gênero e violência racial estão na nossa cara.”

Também presente no Diálogos na Web FAAP, a cineasta Tata Amaral (de Trago Comigo e Sequestro-Relâmpago) falou sobre o crescimento da participação feminina no audiovisual brasileiro. Ela lembrou do grupo Mulheres do Audiovisual Brasil, criado em 2015 por Malu Andrade a partir de um chamado da produtora Débora Ivanov e que hoje tem também um grupo no Facebook com mais de 29 mil participantes. “Foi um momento em que os movimentos feministas na sociedade brasileira estavam ganhando corpo e essa pauta precisava ser encampada pelo audiovisual”, disse.

As pautas do movimento abarcam a diversidade de gênero e raça e a regionalidade — relacionada às diversas expressões culturais que precisam ser representadas na tela grande. Tata citou também o chamado Levante Negro, que mostrou o protagonismo de vozes negras no audiovisual brasileiro, outro movimento liderado por mulheres. “Não dá para falar em inclusão de gênero sem falar em inclusão de raça”, afirmou. “Basicamente é isso que a gente precisa ter em mente.”

Caru contou que, um pouco antes da criação desse grupo, se uniu com diretoras e roteiristas para formar o Coletivo Vermelha com o intuito de estudar questões de representação de gênero e de raça no audiovisual porque na época ainda não havia estudos sobre isso no Brasil, só estrangeiros. O coletivo promoveu um seminário no Museu da Imagem e do Som (MIS) chamado Quem tem medo das mulheres do audiovisual?.

A partir desse seminário surgiram estudos e coletivos para tratar do assunto. Caru lembrou que os estudos mostraram que a participação feminina era muito pequena. Especialmente de mulheres negras. “Que se conhecia, tinha só a Adélia Sampaio dirigindo longa naquela época e um ou outro diretor homem negro. Depois disso muita coisa mudou. Mas a gente ainda tem muito a caminhar.”

Cineasta Tata Amaral. Foto: Pedro A Duarte

Tata contou que a primeira vez em que conheceu cineastas negras foi justamente no seminário do Coletivo Vermelha, que acabou inspirando a série As Protagonistas. Prevista para estrear em 2021, a obra conta a história do cinema brasileiro a partir do ponto de vista das mulheres. Ela lembrou do filme O Mistério do Dominó Preto (1931), dirigido por Cléo Verberena e redescoberto por mulheres numa pesquisa. O filme é uma adaptação de um folhetim, mas com uma diferença: enquanto no folhetim a protagonista é assassinada pela esposa de seu amante, no filme ela é morta por um homem ciumento. “Me deparei com uma miríade de pesquisadoras que estão atrás de recuperar a história dessas mulheres e isso é muito importante.”

Uma das dificuldades na produção da série foi a falta de acesso aos filmes. “Com a Cinemateca Brasileira do jeito que já estava no ano passado, não dava nem para projetar um filme na moviola e filmar porque não tinha moviola, não tinha nada”, afirmou Tata, referindo-se à entidade responsável por preservar e difundir a cultura audiovisual brasileira. O jeito então foi buscar o acervo pessoal das próprias cineastas e seus herdeiros.

Tata lembrou que a Cinemateca Brasileira, em São Paulo, era considerada de excelência até um tempo atrás, mas hoje, sem receber os recursos suficientes do governo federal, tem passado por uma grande crise que ameaça seu rico acervo. “O que está lá na Cinemateca é a nossa memória, nossa história. Ninguém tem o direito de dilapidar esse patrimônio. Eu inclusive convoco todos vocês a se engajarem nessa causa. Com crise, sem crise, com Bolsonaro ou sem Bolsonaro, a gente precisa dar conta de recuperar os filmes.”

Participantes da sétima edição do Diálogos na Web FAAP. Foto: Pedro A. Duarte

Formado em Cinema, pedro a duArte é aluno de Jornalismo da FAAP

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