Fechamento da Blue Sky cai como bomba na animação brasileira

Com quase 34 anos de história e 13 longas-metragens, estúdio americanos fechado pela Disney era visto por profissionais como uma porta para os ‘blockbusters’

LabJor
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5 min readMar 22, 2021

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Igor Blundi e Leonardo da Riva

No dia 9 de fevereiro de 2021, o ramo da animação foi surpreendido pelo fechamento da Blue Sky Studios, estúdio americano de animação responsável pelos famosos Era do Gelo (2002–2016), Rio (2011) e O Touro Ferdinando (2017). Subsidiária da 20th Century Animation (Fox), a Blue Sky foi adquirida pela Walt Disney Company em 20 de março de 2019, juntamente com a 20st Century Fox, por US$ 71,3 bilhões. Segundo a Disney, o encerramento de suas atividades se deu por problemas financeiros impostos pela pandemia de covid-19.

A notícia caiu como uma bomba no Brasil. Um dos maiores nomes da Blue Sky era o do animador carioca Carlos Saldanha, diretor dos filmes citados acima, e muitos outros animadores brasileiros também viam nela uma oportunidade de emprego num estúdio blockbuster.

No dia de anúncio do fechamento — e da demissão de cerca de 450 artistas — , a #BlueSky foi para os trending topics do Twitter Brasil. Em pouco tempo, surgiram diversas petições para tentar “salvar” o estúdio, como a #saveblueskystudios. Outras pediam que a Disney desse continuidade a Nimona, filme sob direção de Patrick Osborne e com 75% da produção executada. Adaptação da graphic novel homônima de Noelle Stevenson, a obra retomaria o estilo de animação 2D com temáticas e heroínas LGBTI+. O jornal americano Collider descobriu que executivos da BlueSky tentaram vender o filme para outro estúdio— que ainda teria 10 meses de produção pela frente —, mas sem sucesso.

Ilustração de Antônio Malavolta Andrade, do 3º semestre do curso de Animação

Nimona seria uma revolução dentro da Blue Sky. Além de trazer novos moldes ao público, teria uma temática atual, mas que costuma ser evitada por grandes estúdios de animação: a LGBTI+. Com pano de fundo fantástico medieval, o filme apresentaria uma relação amorosa entre dois personagens do gênero masculino e teria como protagonista uma heroína não-binária (que não se identifica exclusivamente com os gêneros masculino e feminino). Após a compra dos estúdios da Fox, Nimona estrearia como um filme aprovado e distribuído pela Disney, trazendo consigo uma representatividade incomum, mas cada vez mais importante para o público.

Por mais que Disney não tenha se pronunciado muito sobre o longa-metragem desde a aquisição da Fox em 2019, seria imprudente dizer que a empresa abandonou a produção do filme apenas por conta da temática LGBTI+. A pandemia da covid-19 foi citada como o principal motivo e não é segredo que a Disney sofreu muito financeiramente em 2020, não só com a indústria do entretenimento, mas também com seus parques temáticos e cruzeiros.

Vale lembrar ainda que há representatividade LGBTI+ nos filmes mais antigos do estúdio, ainda que de forma estereotipada. Nas animações da Era da Renascença da Disney, alguns personagens possuem inspiração na cultura LGBTI+. A vilã Úrsula, de A Pequena Sereia, por exemplo, foi inspirada na drag queen Divine (1945–1988). Depois disso, o estúdio acabou por reduzir a representatividade a personagens secundários, com poucos segundos de tela, como Le Fou, de A Bela e a Fera, de Bill Condon (EUA, 2017), e a policial Specter, no filme Dois Irmãos, de Dan Scanlon (EUA, 2020), produzido pela Pixar. Apenas mais recentemente, voltamos a ver personagens LGBTI+ mais relevantes, como Merida, de Valente, dirigido por Brenda Chapman e Mark Andrews (EUA, 2012), e Elsa, de Frozen, dirigido por Jennifer Lee e Chris Buck (EUA, 2013) — duas protagonistas femininas, ainda por cima. No entanto, nenhuma delas aparece em cena sendo LGBTI+ abertamente.

Além de prejudicar a diversidade na animação global, o fechamento da Blue Sky abalou o mercado de animação brasileiro pela relação entre o estúdio e o nosso país. Rio, uma de suas principais e mais lucrativas franquias, tem o Brasil como cenário. Mas a representatividade brasileira não se limitava à história de Blu e Jade, as duas queridas araras azuis. Ela também estava presente nos bastidores da empresa. Principalmente pela presença de Saldanha, que dirigiu os dois filmes da franquia, bem como O Touro Ferdinando, Era do Gelo 2 e Era do Gelo 3, e estava atuando como produtor executivo de Nimona. Dessa forma, com o encerramento da Blue Sky, fecham-se as portas de uma empresa que era, em certo nível, um “porto-seguro” para profissionais brasileiros da área de animação.

O fechamento da Blue Sky também abre portas para reflexões. Com um estúdio de animação a menos, é possível perceber a crescente monopolização da produção de longas-metragens animados por parte de alguns estúdios. A Disney é o exemplo mais famoso. Nos últimos dez anos de Oscar, a empresa levou sete estatuetas de melhor longa animado. Esse comportamento danoso se estende a outras áreas da animação. Nas animações atuais, tanto a forma como as narrativas são contadas quanto a estética assumem uma padronização evidente, influenciada principalmente pelo formato criado nos filmes dos estúdios Disney — empresa mais forte do ramo. Dessa forma, a monopolização faz com que o público se acostume com apenas um formato e impede que materiais mais ousados e criativos apareçam no mercado. O próprio Nimona é um exemplo: além de retomar o formato 2D (não mais comum nos grandes estúdios), o filme pretendia criar uma narrativa inovadora, com protagonistas LGBTI+. É importante debater o fim da Blue Sky e de Nimona para entender o que acontece na indústria da animação atualmente. Mais um estúdio importante caiu e, com ele, 450 animadores perderam seus empregos. Mas, além disso, é perceptível, cada vez mais, a perda da diversidade na animação.

Igor Blundi e Leonardo da Riva são estudantes de animação da FAAP e repórteres da equipe do Anima#LabJor

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