Feminismo x antifeminismo: Por que há mulheres que pensam tão diferente

Socióloga Camila Galetti analisa a disputa política desses movimentos e seus impactos na conjuntura brasileira atual

LabJor
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6 min readMay 13, 2021

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Isabela Andrade e Laysa Lottermann

Toda ação gera uma reação e o movimento de mulheres não é exceção: há uma disputa de narrativas políticas sobre os direitos femininos. Para entender um pouco mais sobre o assunto, o LabJor FAAP entrevistou no dia 28 de abril a socióloga Camila Galetti.

Doutoranda em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB), Camila pesquisa a ascensão da extrema-direita no País e é uma das principais referências brasileiras atualmente nos estudos de gênero e antifeminismo.

À aluna Isabela Andrade, ela explicou que o feminismo é um movimento plural, cujas vertentes partilham da mesma ideia: mulheres são “seres políticos com capacidade cognitiva e emocional de ocupar qualquer espaço, mesmo tendo sido reduzidas por séculos à esfera privada, ao cuidado e ao trabalho reprodutivo”. Já o antifeminismo, estudado por Camila na perspectiva das mulheres, “é a ideia de que não há desigualdade de gênero e as mulheres estão cobrando coisas desnecessárias, porque a sociedade está estruturada de forma igual”.

“A partir do momento em que emerge uma luta feminista, concomitantemente emerge uma luta antifeminista, para tentar bloquear a agenda que visa à igualdade de gênero.”

Nas últimas décadas, o movimento feminista esteve à frente de diversas conquistas femininas, do direito ao voto conquistado no governo Getúlio Vargas até leis recentes como a Maria da Penha, que protege vítimas de violência doméstica. Camila chama atenção para o fato de que a construção do pensamento antifeminista como parte da estratégia política atual leva ao apagamento e à invisibilidade da importância desses avanços, além de encerrar o diálogo com o movimento.

Em sua opinião, o antifeminismo é um movimento exclusivo da extrema direita, que pretende “resgatar padrões pré-estabelecidos do patriarcado, ou seja, mulheres exclusivamente na esfera privada e homens exclusivamente na esfera pública”. Quando uma antifeminista ocupa espaço na política, Camila nota um padrão de discurso que parte da noção de que a mulher teria uma pré-disposição biológica ao cuidado e à sensibilidade: “Sou mulher, sou mãe, sou trabalhadora, cumpro meu papel social estabelecido, mas quero fazer política por entender que a mulher tem uma sensibilidade”.

Arte: Isabela Andrade

E o que leva uma mulher a adotar esse discurso antifeminista? Educação? Reação a conceitos feministas mal compreendidos? Para a socióloga, há duas possíveis motivações: a primeira, comum entre parlamentares de extrema-direita que se autointitulam antifeministas, é que essas mulheres se sentem “beneficiadas pelo patriarcado” e querem manter esse privilégio, por mais que sejam oprimidas pelo machismo. Elas sabem o que estão fazendo e têm uma agenda política estruturada e pensada a partir do conceito de que o feminismo é algo negativo. A segunda envolve mulheres criadas a partir de ideários influenciados pela religião e pelo conceito deturpado de que movimentos sociais — e mais especificamente movimentos feministas — são ruins porque podem destruir a família e a feminilidade.

A crítica ao patriarcado é central na perspectiva de Camila Galetti. “O patriarcado nos afeta de diversas formas, porque consegue mobilizar os nossos afetos e mobilizar as nossas subjetividades”, afirma. Também é o principal responsável, segundo ela, pela rivalidade feminina, definida como “uma ferramenta para que se continue consolidando a ideia de que mulheres precisam disputar com outras mulheres e conquistar homens, chefes, amigos”. Reforça ainda o pensamento de que “para ser escolhida” é preciso estar atrelada a um padrão de beleza, saber a hora de falar e de não falar, saber como se portar.

A socióloga vê a rivalidade feminina evidenciada em cenas cotidianas, como quando um homem trai a esposa e mulheres culpam a amante como o pivô da traição, e não o marido. Ou em formas mais sutis, como a transformação do autocuidado em cobrança: “Olha, você tem que se cuidar porque tem que ser bem vista, tem que ser aceita”.

Camila diz que a questão estética é um tema que também entra na disputa das narrativas. Tenta-se passar em alguns canais da mídia, por exemplo, o conceito de que “ser feminista é algo muito feio porque não flerta com a questão do autocuidado, é algo que vai deixar cair por terra a feminilidade”. Em contrapartida, um ponto chave da narrativa antifeminista é o discurso de “eu gosto de usar salto, de passar batom, eu gosto de me cuidar e as feministas estão querendo que a gente seja desleixada, que a gente não tenha amor próprio”.

Arte: Isabela Andrade

Politicamente, Camila observa que o neoconservadorismo de extrema direita se organizou a ponto de conseguir eleger mulheres que partem do pressuposto de que não há desigualdade de gênero e defende um debate sobre a representatividade. “Não é que essas mulheres [antifeministas] não possam estar lá, essas mulheres representam uma grande parcela do eleitorado feminino sim. Só que, quando eu penso em representatividade, eu penso na tríade de raça, classe, gênero. Penso em mulheres que vão estar lá e vão pensar nas trabalhadores, nas empregadas domésticas, então a gente tem que pensar em leis que ajudem essas mulheres”, explica. “Não basta a gente ter mais mulheres na política, a gente tem que ter mais mulheres que estejam comprometidas com a desigualdade de gênero.”

A proposta da socióloga para ter uma representação política mais efetiva e fazer a disputa da narrativa antifeminista começa por entender o impacto no aspecto coletivo: “Estamos sendo cerceadas de vários espaços, estão homogeneizando as mulheres, estão inviabilizando mulheres quilombolas, mulheres da floresta, mulheres indígenas, mulheres negras”. Ao sair do nível individual, Camila compreende que a luta é coletiva e a resposta tem de passar pela desmistificação do ideário colocado como feminismo e pela representação de todas as mulheres em posições de poder. “Quando uma mulher negra vê outra mulher negra numa condição de deputada federal, como a Taliria Petrone do Rio, ou uma mulher trans como a Erika Hilton na condição de vereadora em São Paulo, essa mulher negra ou essa mulher trans vai olhar e pensar: ‘Poxa, se ela está ali, eu também consigo. Se ela está ali, ela vai representar minhas demandas’”.

PARA SABER MAIS

Livros, filmes e documentários sobre a temática feminista que vale conhecer:

  • A Potência Feminista, de Verônica Gago, publicado e disponível pela editora Elefante, trata dos movimentos feministas latino-americanos.
  • O Feminismo é Para Todo Mundo, da autora negra Bell Hooks, publicado pela editora Rosa dos Ventos e disponível na Amazon, é conhecido por ser um livro acessível e claro sobre o tema.
  • Feministas: O Que Elas Estavam Pensando, documentário de Johanna Demetrakas (EUA, 2018). Disponível na Netflix.
  • As Sufragistas, da diretora Sarah Gavron (GB, 2014). Baseado em fatos reais, filme pode ser alugado na plataforma Google Play por R$9,90.
  • Eu Não Sou Um Homem Fácil, da diretora Éléonore Pourriat (FRA, 2018). Disponível na Netflix.

Isabela Andrade e Laysa Lotterman são alunas de Jornalismo da FAAP

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