UM TEMA, DIFERENTES PERSPECTIVAS

Hipersexualização e empoderamento feminino: qual o limite

Objetificação das mulheres nas redes sociais e fora delas causa impactos na sociedade

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Sofia Albuquerque e Otávio Pinheiro

A exposição do corpo feminino tem sido adotada por algumas mulheres como forma de reivindicar poder e controle sobre a própria sexualidade. Ao abraçar sua sensualidade e utilizar a objetificação de maneira consciente e assertiva, essas mulheres buscam desafiar padrões opressivos e promover a igualdade de gênero. Ao adotar o empoderamento através da objetificação, argumentam que estão no controle de sua imagem, quebrando amarras impostas pela sociedade patriarcal. Mas a linha divisória entre o empoderamento e a hipersexualização é tênue. A sociedade, a mídia e a propaganda desempenham um papel significativo na definição desses limites. Quando a exposição do corpo feminino ultrapassa o poder de escolha e de consentimento da mulher, ela pode se tornar uma forma de hipersexualização, que reduz a mulher a um objeto de desejo, reforçando estereótipos e restringindo sua autonomia.

Marilyn Monroe, Natalie Portman, Miley Cyrus, Drew Barrymore, Britney Spears e Brooke Shields são nomes da cultura pop internacional que inúmeras vezes foram sexualizadas pela sua imagem na mídia evidenciando o corpo feminino. No Brasil, Anitta, Luísa Sonza, Paola Oliveira, Camila Queiroz, Mel Maia e Aline Riscado, por exemplo, também foram alvo de clickbait (caça-cliques na internet por meio conteúdos enganosos ou sensacionalistas) durante a carreira, por trabalhos calcados no corpo e em estereótipos sobre a mulher brasileira. Mas, com a luta pelo feminismo ganhando espaço, essas construções de imagem podem abrir um questionamento: a escolha de utilizar o corpo como “objeto” é ferramenta de empoderamento ou hipersexualização?

A atriz americana Marilyn Monroe. Foto: Wikimedia Commons

“Quando a atriz Juliette Binoche foi capa da revista Playboy francesa em 2007, ela exigiu duas coisas: editar as fotos e, ao mesmo tempo, dar uma entrevista sobre esse culto ao corpo feminino e a tornar o corpo da mulher um objeto de desejo”, conta o historiador e professor da FAAP Martin Cézar Feijó. “Ela editou as fotos para ficar impossível de reconhecer, totalmente fora de foco, de uma maneira artística e bonita. E, apesar de ter feito vários filmes em que aparece nua, na Playboy ela aparece totalmente desfocada. E faz a crítica exatamente dessa predominância até o feminismo se tornar uma força política determinante, sobretudo mais recentemente com o movimento americano Me Too contra o assédio nas famosas escolhas de atrizes pelo ‘critério do sofá’ dos grandes produtores.”

Para Martin, a exploração do corpo feminino sempre foi muito acentuada pela cultura machista relacionada ao culto do corpo da mulher e se potencializou com o surgimento dos meios de comunicação eletrônicos, principalmente audiovisuais.

Pesquisa de 2013 do Instituto Patrícia Galvão, primeira organização feminista brasileira focada na defesa dos direitos das mulheres por meio de ações na mídia, comprova isso. Feita em 100 municípios brasileiros com pessoas de 18 anos ou mais, o estudo apontou que 84% dos participantes concordavam que o corpo da mulher era usado para promover a venda de produtos em propagandas de TV e 58% entendiam que as propagandas mostravam a mulher como objeto sexual. Sete em cada 10 entrevistados também defendiam a punição aos responsáveis por propagandas que mostram as mulheres de modo ofensivo. Em relação à representatividade,78% diziam ver mais mulheres jovens nas propagandas na TV, 80% consideravam que as propagandas na TV mostravam mais mulheres brancas e 51% gostariam de ver mais mulheres negras.

Ao retratar a mulher de forma sexualizada, a propaganda acaba perpetuando estereótipos de gênero. Comerciais e anúncios muitas vezes utilizam imagens provocantes e objetificam o corpo feminino para atrair a atenção do público, ignorando suas habilidades, inteligência e contribuições para a sociedade. Mas pressões sociais têm mudado esse cenário.

A cantora Anitta, em pose publicada em suas redes sociais. Foto: Instagram Annita

Segundo a professora e coordenadora de pós-graduação da FAAP Eliana Loureiro, as marcas cada vez mais têm sido obrigadas a incluir a pauta da diversidade em seus negócios.

“Os consumidores estão deixando de comprar marcas que não são inclusivas. Assim como o desfile anual da Victoria’s Secret, que com suas angels ditava como deveria ser o corpo das mulheres, chegou ao fim por pressão da sociedade, que deixou de comprar as lingeries exatamente porque queria se ver representada nessa passarela com mulheres de diversos tamanhos, mulheres transgênero… A marca não soube se adaptar à nova realidade.”

Sobre a auto-exposição das divas do pop brasileiro, Eliana não considera efetivamente um problema, mas avalia que pode estreitar a quantidade de marcas que queiram trabalhar com elas.

“Anitta e Luísa Sonza são duas artistas que fazem parte de um “empoderamento feminino”, embora eu não goste do termo. Talvez seja melhor falarmos em feminismo mesmo. Em que a mulher não tem medo do julgamento de mostrar que tem desejo, assim como o homem, e é dona de seu corpo, sem medo de mostrá-lo. Essa mulher questiona a ‘verdade’ já sedimentada de que o homem sente mais desejo. Onde está escrito isso? É biológico ou é uma construção da sociedade? Será que não é uma forma de não só aprisionar e oprimir, mas determinar o que as mulheres podem ou não fazer a partir de uma posição de poder masculina?”

Para a professora, essas figuras subvertem a lógica machista em que a mulher deve ser subserviente ao homem, negar seu desejo e “se guardar” para “não ser mal falada”. “Essa mulher é dona do próprio corpo, da sua vida e do seu dinheiro. Ela não precisa ser escolhida, escolhe. Então acaba sendo muito ameaçadora em uma lógica conservadora e precisa inclusive ser combatida.” Do ponto de vista comercial, essa imagem não conversará com marcas com ideais conservadores, por exemplo.

E qual o impacto para quem “recebe” a propaganda? A exposição constante a imagens sexualizadas na publicidade pode ter impactos negativos na percepção da mulher sobre a própria imagem corporal, a autoestima e seu valor como indivíduo. Foi o que apontou uma pesquisa feita pelo The College of Saint Rose e pela University of South Florida. O estudo mostrou que a objetificação das mulheres na mídia pode contribuir para problemas como baixa autoestima, distúrbios alimentares e ansiedade. Além disso, a sexualização da mulher na publicidade também afeta os homens, que podem internalizar e perpetuar estereótipos de gênero, influenciando negativamente relações interpessoais.

Adolescentes em fase de formação de identidade são particularmente vulneráveis, uma vez que podem internalizar esses padrões irreais como normas a serem seguidas. Além disso, a objetificação contribui para a perpetuação da desigualdade de gênero, criando um ambiente onde o valor de uma mulher é baseado em sua aparência física.

A escritora e professora de Psicologia do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ) Jaqueline Gomes de Jesus explica que as meninas não são a causa dessa sexualização explorada pela mídia, mas sim resultado dela. E a chave está na busca de aprovação. “Para ser reconhecida como sujeito, essa mulher jovem, principalmente de correntes periféricas, só consegue ser vista e reconhecida por meio da sexualização e enquanto objeto sexual.”

Esse cenário pode ter consequências sociais danosas na vida das mulheres. “Um impacto mais direto, por exemplo, tem relação com a gravidez precoce”, afirma Jaqueline. “Também está totalmente associada à cultura do estupro.”

Sofia Albuquerque e Otávio Pinheiro são alunos de Jornalismo da FAAP

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