‘Hoje estamos na eletrônica, nas lives. Mas nada substitui teatro, o encontro, o suportar o outro no melhor ou no pior’

Em evento de universidade americana, Fernanda Montenegro filosofa sobre o ‘mundo eletrônico’ durante a pandemia

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4 min readMar 24, 2021

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Beatriz Novik Falcão

Para a grande dama do teatro e da dramaturgia brasileira, não há nada como o teatro. E o evento de uma universidade de Baltimore, nos Estados Unidos, do qual participou em 22 de março, serviu para reforçar isso. Promovido pela Loyola University Maryland, A Cultural and Generational Exchange: Revealing Fernanda Montenegro foi comandado pelos professores Daniel Pinha, brasileiro de 43 anos, do Departamento de Belas Artes, e Tania Cantrell Rosas-Moreno, americana de 48 anos, do Departamento de Comunicação.

Na conversa, anunciada por suas redes sociais, a atriz de 91 anos fez questão de delimitar a barreira entre os teatros presencial e virtual, destacando que, por mais que existam apresentações virtuais, as telas não superam o contato real do qual é feito o teatro. “Hoje estamos na eletrônica, nas lives. Mas nada substitui teatro. Nada substitui o encontro, o suportar o outro, no melhor ou no pior.”

Nascida no Rio de Janeiro em 16 de outubro de 1929, Arlette Pinheiro da Silva se tornou Fernanda Montenegro ao atravessar os portões da sede da Rádio MEC, então grande influência cultural por suas músicas clássicas e difusão educacional. De radioatriz e locutora, virou atriz. Não deixou a rádio de lado, mas acrescentou teatro, cinema e televisão a sua vida, acumulando, assim, 75 anos de carreira e vários prêmios, entre eles o Urso de Prata de Melhor Atriz no Festival de Berlim de 1998, por sua Dora do filme ‘Central do Brasil’.

Para Fernanda, o teatro é na vertical. “A plateia pode estar de pé ou sentada, os atores podem sentar e levantar, mas em princípio é na vertical. Todos os monólogos, solilóquios, eu tenho certeza de que no tempo de (William) Shakespeare, tinha de vir em pé para a plateia, para segurar aquela plateia tão multiforme, então tem de chegar ali e segurar, na vertical, senão não vê bem, sabe? O ser humano não é visto bem. Claro que com o mundo psicológico no qual a gente vive, pós-(Sigmund) Freud e tudo o mais, os teatros foram diminuindo. Hoje em dia há pequenas salas, mas quando você tem uma grande sala, com um um grande espaço teatral, ah, você tem que vir, sabe? O dia que o homem, não sei bem por que razão, porque não tenho cultura para isso, andava de quatro, houve um dia que ele se levantou, e quando ele se levantou, ele tinha a frente, as costas, este lado e este lado. Tenho certeza de que já aí nasceu o teatro.”

A atriz destacou que com a pandemia as pessoas mergulharam no que chamou de “mundo eletrônico”, mas não há retrocesso nisso, pois agora existe a real compreensão do que está ocorrendo no planeta. Todos começam a expor seus sentimentos e pensamentos na internet, e a fala dá lugar a dígitos. Para exemplificar, lembrou que até um casamento pode ocorrer hoje de maneira online, a distância.

Citando a criação da imprensa por Johannes Gutenberg (1396–1468), Fernanda lembrou que de tempos em tempos alguma era chega ao fim. Disse também que a cultura, a alfabetização e o pensamento se ampliaram e é preciso encarar de frente o que estamos vivendo atualmente. E lembrar que cada dia é uma chance de fazer uma cena diferente, interpretar diferente. Aí também aproveitou para reforçar que o diálogo é essencial e nada pode se igualar ao teatro.

“Não tem nada como o teatro. Não tem, não tem. Eu estou relendo a ‘Ilíada’ devagar, mas por estranho que pareça, com a minha idade, eu comecei agora a reler e vi que tem um diálogo, tem falas importantíssimas em que às vezes o escritor, com uma frase, introduz o Agamenon ou o Heitor… Quando você separa a fala, Meu D´us , aí está o teatro. Até os tradutores que querem ganhar do original, (eles sempre traduzem com palavras complexas que te levam, algumas vezes, a um dicionário), quando entra a fala do personagem, eles se acalmam. O tradutor se acalma e fica o mais direto possível, sujeito, verbo, predicado. Estou trazendo isso tudo não pra dizer que leio Homero. Não é isso. Eu estou dizendo que quando entra o diálogo, tudo fica corporificado, toda a dissertação extraordinária de um criador dessa dimensão, quando compacta em um diálogo, humaniza de tal maneira que você não pode deixar de continuar a ler.”

A ‘Ilíada’ é a primeira obra épica — isto é, que apresenta atos heroicos de um ou mais heróis — pertencente ao mundo ocidental. Foi escrita por volta do século VI a.C pelo poeta grego Homero (850 a.C- 898 a.C) e conta a história da famosa Guerra de Troia (1300 a.C- 1200 a.C), travada por gregos e troianos em forma de versos cantados. Ilíada provém de Ílion, que é o nome grego de Tróia.

Beatriz Novik Falcão é aluna de Jornalismo da FAAP

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