Intolerância pauta 4ª reeleição de Vladimir Putin

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6 min readJun 11, 2018

Com eleição recorde de 56 milhões de votos a seu favor, o presidente conquista, sob preceitos considerados nada ortodoxos, uma população que parece ignorar a xenofobia, o racismo e o autoritarismo de seu líder

Por Diego Bonetti

Foto: Reprodução Twitter / Vladimir Putin

Com uma economia ainda em recuperação e uma política marcada pela corrupção generalizada, episódios de racismo e xenofobia têm se tornado comuns. O governo russo até poderia exercer a função de mediador do problema, no entanto, a gestão de Vladimir Putin é permissiva às condutas racistas. Foi o caso do grupo que apresentou um show de luzes no qual o então presidente dos EUA, Barack Obama, era exibido comendo uma banana.

Irina Rodnina, tricampeã olímpica de patinação artística, posta foto racista contra o ex-presidente Barack Obama / Foto: Reprodução Twitter

Outro fato não passou despercebido: mesmo depois de twittar uma foto na qual insinuava que o ex-presidente americano era um macaco, a tricampeã olímpica de patinação artística, Irina Rodnina, permaneceu com a incumbência de carregar a bandeira russa na abertura dos Jogos de Inverno de Sochi-2014.

Para piorar, Putin ajuda a fomentar uma ideologia nacionalista russa, no bojo da qual surgem o racismo e a xenofobia. Ele faz isso ao implementar uma política que prega tradicionalismo, autoritarismo e militarismo. Neste contexto, não surpreende que até a TV estatal russa tenha exibido, no fim de 2014, um programa no qual recomendava não compartilhar bebidas alcoólicas com a “raça mongol”, termo degradante para asiáticos — como chineses, japoneses, coreanos e mongóis — , pois eles teriam um “defeito genético”.

Em fevereiro de 2018, véspera das eleições presidenciais, um vídeo foi veiculado alertando os “problemas” que os russos enfrentariam se não fossem votar. Com o intuito de ameaçar valores tradicionais de uma população contrária à diversidade racial e à liberdade sexual, o produto audiovisual projeta a imagem de um país transformado em um Estado amigável à comunidade LGBT, onde pessoas com 50 anos de idade seriam elegíveis para um alistamento militar, além de “ter de conviver com negros e homessexuais”. O vídeo homofóbico, racista e xenofóbico foi publicado nas redes sociais e assistido por milhões de pessoas. Os atores que foram contratados dizem não saber quem mandou produzir o material.

Propaganda política russa tem teor homofóbico, xenófobo e racista / Reprodução YouTube

Muita gente acredita que a “propaganda política” tenha sido produzida pela equipe de campanha do presidente Vladimir Putin. O porta-voz do comitê de campanha do atual presidente, no entanto, disse que o material não foi produzido pelo mandatário, nem por ninguém de sua equipe. Verdade ou mentira, algo é certo: a popularidade do presidente nunca esteve tão em alta.

Maioria dos russos tem confiança em Putin e acreditam que seu país ganhou estatura no cenário mundial. No lado esquerdo do gráfico, 87% dizem acreditar que Putin está fazendo a coisa certa em relação aos negócios internacionais. No lado direito, 59% acreditam que a Rússia desempenha um papel muito importante no mundo hoje comparado aos últimos 10 anos.

Em junho de 2017, uma pesquisa do instituto de pesquisas americano Pew Research Center indicou que 87% da população confiava em Putin como líder (conforme gráfico ao lado).

Desde 2014, maioria dos russos estão satisfeitos com a direção de seu país. Em 2017, 58% dos entrevistados se disseram satisfeitos com o caminho que as coisas têm tomado em seu país.

A popularidade do presidente seria inimaginável em qualquer uma das grandes nações ocidentais, principalmente para alguém que está há 18 anos no poder. Ainda que existam diversas acusações de fraude contra os centros de pesquisa controlados pelo governo, a maioria dos especialistas acredita que sua aprovação no país seja, de fato, arrebatadora.

Vladimir Putin foi reeleito em março de 2018 e terá novo mandato até 2024. Com uma votação recorde de 56 milhões de votos a seu favor (nunca um presidente russo foi tão votado em toda fase democrática do país), Putin vai para seu 4º governo no comando da Rússia.

Raízes do totalitarismo

Para entender o perfil da sociedade russa é preciso voltar no tempo. O estereótipo dos habitantes do maior país do mundo em termos territoriais pode ser decifrado por seu passado.

No século XIX, os russos foram dominados pela monarquia, por um imperador, identificado como czar, apoiado pela classe nobre.

Por muitos anos a Rússia viveu os efeitos do totalitarismo. Regimes políticos extremamente autoritários, capazes de controlar não só o poder do Estado, como também todo o corpo social de uma nação, incluindo suas esferas privadas. O stalinismo exercido entre 1924 e 1953, é tido por muitos historiadores como um dos maiores regimes totalitários já vividos pela humanidade e suas sequelas são identificadas até os dias atuais.

Estátua de Lenin ainda é preservada na entrada do Estádio Luzhniki, palco da abertura da Copa / Foto: Divulgação Russian Football News

Pautado no nacionalismo e na centralização política, o stalinismo foi um período de militarização do país e de censura dos meios de comunicação, como jornais e rádios, as grandes inovações daquele momento. Com isso, Stalin transformou a União Soviética numa potência militar, onde imensa parte da população russa viveu uma época permeada pela falta de liberdade de expressão, que resultaria em inúmeras mortes, deportações e exílio.

Stalin, durante esse período, foi essencial para uma ação que acabou com parte significativa do Partido Comunista, que dominava o país naquele tempo. A conduta era simples, executar os considerados “inimigos do povo”, pois dessa maneira levaria a Rússia para um melhor caminho, de acordo com o ditador. Diversos expurgos, servindo de exemplo a aqueles que condenavam sua política, acabaram com a noção de poder, criticando ou criando grupos alternativos para derrubá-lo.

Uma nação criada e pressionada pela militarização altamente controlada pelo seu governo, culminou na construção violenta de sua sociedade. Xenofobia, homofobia e comportamentos agressivos são apenas algumas variantes da personalidade russa que se estendem desde os tempos do autoritarismo. No entanto, alguns pesquisadores acreditam que os traços de tais condutas tenham se originado muito antes da instauração da União Soviética e do próprio comunismo, como relata a Professora de Letras Russas da USP, Elena Vássina:

“Toda história da Rússia é uma história de guerras. A Rússia sempre foi um império e sempre teve o desejo de dominação, então muitas guerras que a Rússia participou passaram pelo território russo. Só no século XX foram duas guerras mundiais. A guerra está no sangue, nas veias dos russos”.

Uma velha história

Jeff Mankoff, pesquisador da Yale University, em um artigo publicado em 20 de agosto de 2007, no jornal americano The New York Times, descreve a maneira como Putin tem utilizado dois partidos abertamente racistas que atuam na Rússia — o Democrata Liberal, de Vladimir Jirinovski, e o Rodina, de Dimitri Rogozin -, estimulando e financiando essas agremiações, e facilitando sua expansão para criar a ficção de que o partido no governo é um partido moderado, servindo de contrapeso a esses extremistas.

O resultado dessa política é que o racismo contra os chamados “chernie”, ou “pretos” — que são os imigrantes de ex-repúblicas soviéticas, na maioria muçulmanos -, desfruta hoje de uma espécie de legitimidade na vida pública.

A população russa também não se demonstra aterrorizada com tais posturas. Ainda em 2006, no mês de abril, o governo baixou um decreto proibindo todos os imigrantes vindos do Cáucaso de trabalhar no comércio de tecidos na Rússia. Nenhum protesto foi feito.

O historiador britânico Paul Kennedy, também para o New York Times, na mesma edição, analisa alguns dos textos obrigatórios impostos às escolas pelo governo, distorcendo a história recente para acomodá-la às necessidades do regime. Nesses textos, por exemplo, ensina-se aos jovens que “entrar no clube dos países democráticos implica submeter a soberania nacional aos Estados Unidos”.

Essa visão do atual presidente parece não condizer com as origens da Rússia, considerada uma nação multiétnica, que por muito anos, fez parte do Império Soviético que consistia na unificação de 15 Repúblicas, abrangendo mais de 100 etnias diferentes em seu território.

A orientação e supervisão dessa reportagem foi feita em parceria com a disciplina Técnicas de Redação I, do professor Rodrigo Petrônio, a quem agradecemos pela importante colaboração.

Diego Bonetti é publicitário, estudante de Jornalismo da FAAP e Editor de Esportes da segunda edição do LabJor FAAP

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