MAB FAAP inaugura exposição sobre antes e depois da Semana de 22

Com curadoria de Felipe Chaimovich e Laura Rodríguez, ‘Modernos’ resgata obras de artistas que influenciaram o movimento e foram influenciados por ele

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10 min readMar 14, 2022

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Barbara Marques e pedro a duArte*

Exposição ‘Modernos’ ficará nove meses em cartaz no MAB FAAP. Foto: Barbara Marques/ LabJor FAAP

Em comemoração ao centenário da Semana de Arte Moderna, o Museu de Arte Brasileira da FAAP (MAB FAAP) inaugurou em 9 de março a exposição Modernos. Dividida em dois núcleos — Antes de 22 e Depois de 22 — , a mostra apresenta mudanças no contexto artístico que levaram à Semana e propostas artísticas que surgiram depois dela por todo o País.

Apesar de ser o marco temporal do qual Modernos se vale como ponto de partida, a Semana de 22 (o outro nome dado à Semana de Arte Moderna) não aparece como destaque. É justamente este o diferencial da exposição, segundo a coordenadora de Curadoria e Acervo do MAB, Laura Rodríguez. “Modernos mostra o antes e o depois da Semana, não a Semana”, explica ela, que também fez a curadoria do núcleo Depois de 22. “A Semana está apenas nomeada. O importante era focar no que levou à Semana e o que aconteceu depois dela.”

Professor do Departamento de Artes da FAAP e curador do núcleo Antes de 1922, Felipe Chaimovich destaca que esse enfoque é único no panorama das exposições comemorativas até o momento. “Ele aborda a origem dos valores da Semana de 1922 a partir de Paulo Prado (1869–1943), idealizador e financiador da Semana de 1922”, lembra.

Felipe explica que o núcleo Antes de 1922 também recupera os valores de Eduardo Prado (1860–1901), tio de Paulo, que produziu a galeria brasileira na Exposição Universal de Paris de 1889. “Nele foi possível indicar valores norteadores da Semana de 1922, como a busca da natureza brasileira com as naturezas mortas do pintor negro Estevão Silva (1844–1891), a vinda de professores e ensinamentos europeus para formação de uma escola brasileira com o Grupo Grimm (1884–1886) e a arte contra-acadêmica nos movimentos de 1890.”

A diretora do MAB, Fernanda Celidonio (esq.), o curador Felipe Chaimovich e a coordenadora de Curadoria e Acervo Laura Rodríguez. Foto: Barbara Marques/ LabJor FAAP

Já o núcleo Depois de 1922 resgata agrupações de artistas e instituições pós-Semana e foi segmentado em cinco seções, de forma a contemplar diferentes coletivos artísticos. Entre eles, o Núcleo Bernadelli (1931), o Clube dos Artistas Modernos (1932), o Grupo Santa Helena (meados de 1930), o Grupo Seibi (1935), o Grupo Guanabara (1950) e o Ateliê Abstração (1950).

“Nesse núcleo demos ênfase a qual foi o fruto da Semana de Arte Moderna — chegando mais ou menos até a década de 1970”, conta Laura, destacando a riqueza de já trabalhar com o acervo da FAAP no dia a dia. “Há museus em que a pessoa que cuida do acervo não é a que faz curadoria. Na FAAP, tenho essa vantagem — estou por dentro do acervo, posso reverter a pesquisa que faço constantemente para uma exposição e tento pensar sempre em mostrar obras ainda não exibidas.”

“Como o Modernismo é um tema sobre o qual já fizemos muitas exposições, não quis focar no que sempre mostrávamos — Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Cândido Portinari, Brecheret. Temos uma coleção modernista muito boa e importante. Além deles, incluí outros artistas que geralmente não são mostrados, inclusive de outros Estados. A FAAP tem uma coleção muito rica, com artistas que foram bem importantes em suas regiões. Já que é um Museu de Arte Brasileira, é importante incluir artistas de todo o Brasil.” (Laura Rodríguez)

Estarão expostas na Modernos obras que pertencem também a outras instituições, como o Museu da Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP), a Pinacoteca do Estado de São Paulo, o Museu Afro Brasil e o Itaú Cultural, bem como a entidades de outros Estados, incluindo o Museu Antônio Parreiras e o Museu Nacional de Belas Artes, ambos do Rio de Janeiro. “Todas as instituições toparam emprestar suas obras”, comemora Felipe. “São acervos muito importantes e uma grande oportunidade para o público de conhecer esse patrimônio.” Na parceria, a FAAP pagou a restauração de dois quadros do Museu Nacional de Belas Artes como contrapartida do empréstimo. “Essas são oportunidades das instituições colaborarem e de nós mostrarmos o patrimônio público aos visitantes.”

Na seção Mulheres em São Paulo, a tela ‘Paisagem marítima com duas moças’, de 1937, de Noemia Mourão. Foto: Barbara Marques/ LabJor FAAP

A fim de contemplar o maior número possível de artistas na exposição, o MAB optou pela exibição temporária de obras pertencentes ao período Antes de 22. Até 29 de maio, será possível conferir obras do período anterior à Semana, enquanto de 30 de maio a 27 de novembro o segmento Depois de 22 será expandido, passando a acolher os grupos de Concretistas de São Paulo e Rio de Janeiro, do Realismo Mágico, liderado por Wesley Duke Lee (1931–2010), além de uma seleção de peças de ex-alunos e professores da FAAP.

Nos nove meses em cartaz, a exposição Modernos deve mostrar ao público obras de 119 artistas, entre eles Anita Malfatti (1889–1964), Alfredo Volpi (1896–1988), Athos Bulcão (1918–2008), Tarsila do Amaral (1886–1973), Antônio Parreiras (1860–1937), Eliseu Visconti (1866–1944).

“A Semana é parte de um projeto de arte brasileira que antecede 1922 e depois prossegue, inclusive frutificando há 75 anos com a fundação da FAAP, a única escola de arte de fato resultante da Semana de Arte Moderna”, resume Felipe. “Existia (na época) uma visão muito conservadora na arte e foi a Semana que começou a abrir mentalidade das pessoas”, completa Laura.

Antonio Bias Guillon, diretor presidente da FAAP. Foto: Barbara Marques/ LabJor FAAP

Para o diretor presidente da FAAP, Antonio Bias Guillon, a Modernos é importante porque nos últimos dois anos, por causa da pandemia, não foi possível desenvolver todos os projetos que haviam sido planejados. “Com a inauguração desta exposição, o intuito é exatamente retornar a FAAP ao espaço cultural de São Paulo para podermos desenvolver o que pretendemos e servir aos nossos estudantes, à cultura e à educação.”

DESTAQUES DA EXPOSIÇÃO, PELO OLHAR DOS CURADORES

O LabJor FAAP pediu aos curadores da Modernos, Laura Rodríguez e Felipe Chaimovich, para revelarem que obras mais chamaram a sua atenção durante a montagem da mostra. Felipe diz serem as naturezas mortas de Estevão Silva. “Para mim, tem sido uma revelação como proeminência de um artista negro, que em 1889 expôs 26 naturezas mortas em Paris. E com uma posição social e projeção que hoje nos parece surpreendentes.”

Felipe Chaimovich (à esq.) apresenta as obras de Estevão Silva ao diretor executivo da FAAP, Antonio Bias Gillon, ao lado de Laura Rodríguez. Foto: Barbara Marques/ LabJor FAAP

Já Laura afirma que sempre gostou das tapeçarias do acervo do MAB. “Desde 2001, quando comecei a trabalhar no museu, nunca havíamos exposto as tapeçarias, salvo quando fizemos uma exposição do Jacques Douchez. “Era um interesse particular e nessa oportunidade consegui juntar o útil ao agradável.”

Tapeçaria de Jacques Douchez exposta no MAB FAAP na ‘Modernos’. Foto: Barbara Marques/ LabJor FAAP

Laura e Felipe também apontam obras que, para eles, dialogam com o Brasil atual. Laura diz que vê muito da São Paulo de hoje nas gravuras de Manoel Martins, do Grupo Santa Helena, em que o artista retratava a cidade na década de 1930, com problemas parecidos aos de hoje.

Área da exposição dedicada ao Grupo Santa Helena. Foto: Barbara Marques/ LabJor FAAP

Outro destaque de Felipe é a obra Retrato de Macedo, de Eliseu Visconti, que traz a inscrição Ateliê Livre. “Essa obra traz ideia das possibilidades de uma arte que sai daquilo que entendemos como o mais aceito e convencional e mostra a potência de jovens artistas em transgredir as estruturas e criar novas oportunidades para a arte brasileira.”

Pintura ‘Retrato de Macedo’, de Eliseu Visconti, na exposição ‘Modernos’. Foto: Barbara Marques/ LabJor FAAP

Se fosse para os visitantes de Modernos saírem com apenas uma impressão da exposição, Laura gostaria que fosse a noção de como o Brasil é prolífico na arte: “A variedade de artistas, de temas, de estilos… Realmente, é possível ver uma potência do Brasil que acredito que muitos países não tem — tanto na música, quanto nas artes plásticas”. Felipe acrescentou que espera que os visitantes se lembrem de “que a responsabilidade pela arte brasileira é um processo e nenhum evento a esgota”.

Laura foi aluna de Felipe na FAAP, o que possibilitou, segundo eles, um diálogo entre os universos acadêmico e museológico e um diálogo complementar durante toda a produção da exposição. “Felipe sempre foi muito aberto ao museu, o que é uma coisa rara, e um professor que veio dar aula no museu. Ele sempre nos procurou, sempre trouxe feedbacks.”

PÚBLICO ELOGIA ORGANIZAÇÃO E ORIGINALIDADE DAS OBRAS

Bia Falcão e Isadora Garcia

E o que o público achou da Modernos? O LabJor FAAP ouviu vários visitantes na noite de abertura. Uma delas foi a comunicóloga Vivian Villanova, de 31 anos, que elogiou a importância da organização cronológica da mostra para um maior entendimento do cenário contemporâneo das artes brasileiras e a presença de artistas de fora do eixo Rio-São Paulo, como os nordestinos. “É algo muito precioso”, disse.

Primeiros visitantes da ‘Modernos’ na noite de abertura, em 9 de março de 2022. À direita, a comunicóloga Vivian Vilanova. Foto: Barbara Marques/ LabJor FAAP

A advogada Flávia Bezerra, de 55 anos, lembrou que estudar a Semana de Arte Moderna foi importante para ela quando estava no colégio. Sobre a exposição, gostou da disposição e do didatismo dos textos e do agrupamento das obras. Para ela, foi muito interessante conhecer vários artistas até então desconhecidos.“Tem obras bárbaras. O acervo é impressionante.”

O joalheiro e escultor em mármore Guto Neves, de 44 anos, disse já ter ido a outras exposições sobre o centenário da Semana de 22, mas fez questão de voltar de viagem só para participar da abertura da Modernos. Ele elogiou a maneira como a cronologia foi organizada na exposição. “Estou achando bem interessante esse antes do Modernismo e depois”, afirmou. “Flávio de Carvalho, Manabu Mabe e Lasar Segall são artistas que têm proximidade com você.” Ele conta que o artista que mais chama sua atenção é Lasar Segall. “Por toda a história, pela riqueza dele, pelo traçar, o suporte artístico que criou, a densidade de detalhes. Fez esculturas também, é um artista bem completo.”

A professora de Artes Visuais e Design da FAAP Vânia Pires Graziato, de 63 anos, contou que para ela é muito difícil destacar só um artista. “Temos gente muito importante exposta aqui. Como sou das disciplinas de modelagem, de escultura, me chamam muito a atenção escultores como Victor Brecheret.” A docente disse que encontrou artistas que ela não conhecia, como Estevão Silva. “Temos a oportunidade de ver o que veio antes da Semana, no final do século 19. É importante entendermos toda essa influência da arte europeia, dos artistas europeus e a busca dessa brasilidade que a Semana trouxe.”

Primeiros visitantes da ‘Modernos’ na noite de abertura, em 9 de março de 2022. Foto: Barbara Marques/ LabJor FAAP

Presidente do Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo, Cláudio Mattos, de 50 anos, achou a mostra incrível. “É mais uma exposição que amplia esse olhar sobre a Semana de 22 e o que ela trouxe de mudança, de perspectivas para a produção artística brasileira”.

Para a professora universitária Sandra Regina Chaves Nunes, de 59 anos, fã de Flávio de Carvalho, o gostoso na exposição foi rever obras que já tinha visto em outro lugar num novo contexto. “Renova um pouco o que a gente sabia, como elas se relacionam.” Ela destacou a presença do grupo de artistas japoneses. “Estudo sobre imigração e deslocamentos, mas não sabia sobre esse grupo de artistas japoneses.” Ela disse que também achou legal o “pré-Semana de 22” na exposição. “Ainda que tenhamos uma relação com uma arte, uma forma artística tradicional, a gente vai vendo como que é esse processo de ruptura foi se construindo ali. Achei ótimo esse Antes de 22, porque precisamos entrar na Semana, nos movimentos artísticos, por antes deles. Como eu sempre falo: ‘Ninguém dorme antigo e acorda moderno’.”

Obras de integrantes da Seibi-Kai, associação de artistas plásticos japoneses. Foto: Barbara Marques/ LabJor FAAP

SERVIÇO

‘MODERNOS’ MAB FAAP

Período de visitação: Até 27 de novembro de 2022

Núcleo temporário (Antes de 1922): Até 29 de maio de 2022

Horário: Segundas, quartas, quintas e sextas, das 10h às 18h ( última entrada às 17h30)

Sábados, domingos e feriados, das 10h às 18h (última entrada às 17h30)

Fechado às terças-feiras, inclusive feriados

Endereço: R. Alagoas, 903 — Higienópolis

Informações: (11) 3662–7198

Entrada: Gratuita, mediante apresentação do comprovante de pelo menos duas doses de vacina contra covid-19

Barbara Marques é aluna do curso de Moda da FAAP. pedro a duArte, Bia Falcão e Isadora Garcia são estudantes de Jornalismo da FAAP, assim como Gabriel Barnabé e Letícia Ayres, que fizeram a cobertura do evento para o Instagram do LabJor FAAP.

BASTIDORES — A EQUIPE DO LABJOR FAAP EM AÇÃO

Acima, da esq. para a dir.: Gabriel Barnabé e Letícia Ayres entrevistam Antonio Bias Gillon para o Instagram do LabJor FAAP; Pedro A. Duarte conversa com Felipe Chaimovich; Pedro A. Duarte e Edilamar Galvão, coordenadora do curso de Jornalismo, revisam a pauta de uma entrevista. Abaixo, Bia Falcão e Isadora Garcia entrevistam duas visitantes; Isadora e Bia entrevistam uma visitante; Gabriel entrevista Laura Rodríguez. Fotos: Barbara Marques/ LabJor FAAP

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