Mais que um autódromo, Interlagos é um palco de memórias

Edição de 2024 do Festival Interlagos de Moto mostra que circuito ousa extrapolar os muros do automobilismo para encantar público diverso

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6 min readJun 16, 2024

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Maria Clara Castro

Entrada do Festival Interlagos de Moto. Foto: Maria Clara Castro

“Olha quem está aqui”, diz um surpreso João Coelho, de 37 anos. Pegando ligeiramente a mão de sua esposa, Daniella Coelho, de 35, ele se direciona para uma moto grande que mistura tons de preto, cinza e detalhes a vermelho abóbora. E não se trata de uma moto qualquer: é a Ducati 1199 Panigale S Senna.

Capacete de Ayrton Senna ao lado da Ducati 1199 Panigale S Senna. Foto: Maria Clara Castro

Apresentada no Salão Duas Rodas de 2013, a 1199 Panigale S Senna é uma edição especial fruto de uma parceria entre a construtora italiana e o Instituto Ayrton Senna para prestar uma homenagem ao piloto tricampeão mundial de F1 morto em 1994.

“Eu não esperava vê-la aqui”, confessa João. “Ali temos a Suzuki GSX-R 750 e ali a ZX-9 Ninja, mas o Senna é diferente. Quando vi o capacete e olhei a moto, reconheci na hora. Nunca tinha a visto de perto assim, ela é linda.”

Nós estamos no Museu Duas Rodas montado no Festival Interlagos de Moto. Pouco mais de cinco minutos são suficientes para perceber que João e Daniella se mesclam bem ao público ali presente. Eles compartilham a paixão por motos e pelo Autódromo de Interlagos.

Museu Duas Rodas montado no Festival Interlagos de Moto | Créditos: Maria Clara Castro

O circuito na zona sul de São Paulo que recebe anualmente a Fórmula 1 abriu seus portões nos dias 6 a 9 de junho para ser palco do Festival Interlagos de Moto. Mais que um evento, foi uma celebração do amor pelas duas rodas, segundo o CEO idealizador do festival, Marcos Saldanha. Estavam presentes ali as principais montadoras de moto, como Honda, Ducati, Yamaha, Suzuki, Harley-Davidson, e a movimentação financeira foi de cerca de R$ 450 milhões.

Em cada um dos quatros dias de festival, cerca de 33 mil pessoas passaram pelo Autódromo de Interlagos, que teve boa parte de sua extensão aproveitada. Nos boxes, onde fica o paddock da Fórmula 1, as marcas expunham seus produtos. Na parte de baixo, ficaram as ativações e exposições das construtoras, o Museu Duas Rodas, além de uma área que serviu para shows na sexta-feira (7) e sábado (8) à noite.

“No nosso festival, o apaixonado por moto e com carteira de habilitação pode conferir e experimentar as motos e não só ficar olhando. Trata-se de uma experiência 360º que não é encontrada em nenhum outro salão do mundo. Só a gente tem a capacidade e a expertise de proporcionar essa experiência inédita ao motociclista”, comemora Saldanha.

Motos usadas nos tests-drive. Foto: Maria Clara Castro

Para aqueles que não se contentam apenas vendo a velocidade, mas a sentindo na pele, havia a possibilidade de fazer test-drive das motos, bem como fazer motocross em um circuito de terra vermelha. Segundo a organização do evento, quase 12.590 tests-drive foram feitos ao longo dos quatro dias de festival.

“Fiquei impressionada com a maneira com que eles conseguiram aproveitar o espaço do autódromo. É um lugar tão especial… Só de estar aqui, onde a história acontece, bate um frio na barriga”, diz Camila Freitas. A empresária acabara de fazer um test-drive com uma Yamaha pelo circuito.

“Esta é a segunda vez que venho ao festival. Eu gosto muito! Cresci vendo corridas com meu pai, seja de carro ou de moto. Recentemente comprei minha própria moto e tenho mergulhado nesse mundo das duas rodas. Vir aqui no festival significa encontrar essa paixão de criança e esse ‘vício’ de adulta”, conta Camila.

Quando pergunto a João e Daniella Coelho o que significa estar no Autódromo de Interlagos, a resposta é parecida.

“Interlagos é onde me conecto às memórias que tenho do meu piloto favorito, onde vejo minhas bandas favoritas e, claro, as corridas de duas e quatro rodas. Parece que quando estamos aqui nos conectamos com a história, com os deuses do esporte”, responde João. Sua esposa assente com a cabeça e logo completa: “É o templo do automobilismo brasileiro, né?”.

Vista do paddock para a parte debaixo do festival. Foto: Maria Clara Castro

Templo do automobilismo brasileiro. Será que o engenheiro inglês Louis Romero Sanson e o urbanista francês Alfred Agache imaginavam que aquela área entre as Represas Guarapiranga e Billings — que inspecionavam para a construção de um resort nos anos 1920 — se tornaria o maior autódromo do Brasil e um dos mais relevantes do mundo?

Difícil sabermos a resposta. Mas a verdade é: Interlagos começou modesto. Inaugurado em 12 de maio de 1940, o autódromo promoveu primeiramente uma prova de motocicletas com 12 voltas e, em seguida, o Grande Prêmio São Paulo de automóveis em 25 voltas.

Demorou cerca de três décadas para a Fórmula 1 carimbar sua primeira marca no Autódromo de Interlagos. Em 1972, a maior categoria do automobilismo internacional realizou uma corrida extraoficial para homologar o traçado para as edições seguintes. Era um teste. Feita a inspeção do circuito e com a aprovação da Federação Internacional do Automobilismo (FIA), o Autódromo de Interlagos passou a fazer parte oficialmente em 1973 do calendário de corridas da F1.

O primeiro GP do Brasil de F1 oficial foi vencido por Emerson Fittipaldi. Vê-lo triunfar na edição oficial nº 1, além de elevar a autoestima nacional, projetou o País, consolidando sua posição no automobilismo global.

Hoje Interlagos é o quarto circuito mais velho que compõe o calendário atual da F1 e a pista localizada no continente americano que está há mais tempo no cronograma da categoria. Seriam 34 anos ininterruptos de GPs do Brasil não fosse a edição de 2020 cancelada por causa da pandemia de covid-19.

Mas não só de Fórmula 1 vive o autódromo. Na verdade, o GP do Brasil é apenas um dos vários eventos na agenda do circuito.

O LabJor acessou o calendário do Autódromo de Interlagos e apurou que em 2024 serão realizados 40 eventos de automobilismo, 7 eventos de motociclismo, 6 eventos privados –geralmente escolas de direção em alta velocidade–, 5 eventos de entretenimento, como festivais de música, e uma prova de corrida (com pernas).

Show do cantor americano Khalid na edição de 2018 do Lollapalooza. Foto: Maria Clara Castro

Em 2023, houve a estreia do festival The Town, o que fez o autódromo receber mais de meio milhão de pessoas, com um impacto econômico de R$ 1,7 bilhão. Em março deste ano, aconteceu o Lollapalooza com um público de 240 mil pessoas, em que só de entrada social foi arrecadado R$ 1,6 milhão. E, para novembro, está marcado o Primavera Sound, com uma expectativa de público de quase 270 mil pessoas.

Com a mesma expectativa de público, o GP do Brasil também está marcado para acontecer em novembro — e deve mais uma vez gerar um movimento bilionário para São Paulo. Segundo levantamento da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o último fim de semana de corrida de F1 em Interlagos teve impacto de R$ 1,64 bilhão na capital paulista.

Esse é o Autódromo de Interlagos em 2024. Por um lado, um espaço dos deuses do automobilismo com suas histórias, pintando a atmosfera mágica do autódromo. De outro, uma área com grande potencial econômico capaz de reunir milhares de pessoas em eventos que não se limitam a sons de motores e cheiro de borracha queimada. Apesar dos contrastes, há uma interseção nessas facetas: mais que um autódromo, Interlagos é palco de memórias, sejam elas vividas ou destinadas a serem criadas.

SERVIÇO
Endereço: Avenida Senador Teotônio Vilela, 261, Interlagos, São Paulo
Telefone: (11) 5666–8822
Site: https://autodromodeinterlagos.com.br/
Instagram: https://www.instagram.com/autodromointerlagos/

Maria Clara Castro é aluna de Jornalismo da FAAP

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