Marido e mulher foram parar ao mesmo tempo em UTIs diferentes

Os dois filhos de uma família da Vila Maria também adoeceram com a covid-19, mas não tiveram de ser internados

LabJor
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5 min readJun 19, 2020

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Lara Takazaki

A primeira foto da família Seabra após a recuperação: da esq. para a dir.: Gustavo, Henrique, Márcia e Guilherme. Foto: Acervo pessoal

Na sexta-feira 15 de maio de 2020, o então ministro da Saúde Nelson Teich pedia demissão do cargo e o Brasil se aproximava de 15 mil mortes causadas pela covid-19, sendo São Paulo o epicentro da doença no País. Ainda assim, Márcia Seabra, de 53 anos, quis acreditar que os sintomas de gripe que sentia eram manifestações da vacina contra o H1N1 que havia tomado naquela semana na Vila Maria, bairro da capital paulista onde mora com a família.

No dia seguinte, ainda sentindo um leve mal-estar, ela acompanhou seu filho mais velho, Guilherme, de 26 anos, ao pronto-socorro do Hospital IGESP, na Bela Vista, região central de São Paulo. Ele também havia tomado a vacina, mas estava com febre alta e um grande mal-estar. Apesar de Márcia ter sintomas amenos, o médico insistiu para que ela fizesse exames de sangue e tomografia após saber de seu trabalho e sua rotina. Ela é assistente financeira do Serviço Funerário Municipal e sua atividade é considerada essencial.

“Ele me perguntou se haviam ocorrido casos de infecções pela covid no meu trabalho e eu contei que tinha tido alguns, que foram afastados. Mas eu não havia tido contato com eles”, lembra.

Apesar dos cuidados tomados, os exames de sangue e a tomografia indicaram que tanto ela Guilherme estavam infectados pelo novo coronavírus. Para confirmar o diagnóstico, no entanto, os dois tiveram de aguardar o resultado do exame de secreção.

Nesse meio tempo, Márcia tomou providências para que seu marido, o aposentado Henrique Seabra Júnior, de 69 anos, também procurasse imediatamente ao hospital. Isso porque, além de idoso, ele é ex-fumante, diabético e hipertenso — fatores que o enquadram no grupo de risco. Ainda que tivesse sintomas bem menos intensos, o resultado do teste de Henrique também deu positivo.

Após o diagnóstico, Márcia se afastou das atividades profissionais e aderiu ao isolamento, junto com Henrique, Guilherme e o outro filho — Gustavo. E, apesar de não ter sintomas graves, passou os dias seguintes preocupada. Na sexta-feira dia 22, no entanto, começou a ter diarreia, ânsia de vômito, pressão baixa e falta de ar. Voltou ao hospital IGESP e se surpreendeu com o resultado de sua nova tomografia: em cinco dias, a infecção no pulmão havia aumentado seis vezes. Márcia foi imediatamente internada e, diante da piora de seu estado, encaminhada para a UTI no dia 25, onde ficou por cinco dias. Ao todo, foram 11 dias no hospital.

No mesmo período, Henrique também viu seu quadro se agravar e no dia 24, a exemplo da mulher, também foi internado, mas num outro hospital: o Beneficência Portuguesa, também na Bela Vista. Devido à idade e ao histórico de saúde, ele ficou três dias na UTI para estabilizar a oxigenação dos pulmões e permaneceu em observação hospitalar por outros 13. No fim, acabou passando menos tempo em terapia intensiva que a mulher, 16 anos mais jovem.

“Não tenho nenhum problema de saúde e fiquei num estado pior que o do meu marido, que é do grupo de risco”, confirmou Márcia.

Isolado em casa e com o pai e a mãe internados ao mesmo tempo em UTIs de hospitais diferentes, Gustavo Seabra, de 18 anos, disse que sentiu medo e saudade. “A princípio tive muita preocupação por causa deles, mas também por mim e pelo meu irmão. Por mais que a gente estivesse um pouquinho melhor, ainda tínhamos alguns sintomas”, conta, lembrando que a única coisa que o tranquilizava era saber que os pais estavam internados em bons hospitais e tinham bons convênios de saúde.

Márcia e os filhos — Gustavo, à esq., e Guilherme, à dir., no dia da alta. Foto: Acervo pessoal

Já Henrique relatou que se sentiu muito triste ao saber que a mulher estava internada e os filhos não podiam vê-la. “A única vantagem é que a UTI do hospital em que a Márcia estava permitiu que ela usasse o celular. No meu não podia. Eu só fui ter contato com ela e com os meus filhos depois que fui para o quarto.”

Para o casal, o cuidado e a atenção dos médicos e a possibilidade de usar o celular na UTI do Hospital IGESP para manter contato com familiares foram importantes no processo de recuperação. “Eu não conseguia falar por causa da falta de ar, mas só de poder conversar por mensagem já era uma forma de eu me sentir amparada e receber o carinho das pessoas”, disse Márcia.

Apear da situação de saúde bastante delicada, ela garantiu, no entanto, que não sentiu medo de morrer. “Foi difícil, ninguém quer passar por isso. Mas com a minha fé eu sabia que estava tendo uma experiência com Deus. A todo momento eu senti que estava provando a minha fé.” Márcia é pastora da Missão Mundial Tabernáculo de Profetas há 12 anos.

Já Henrique afirmou que se sentiu aflito, principalmente na UTI. “O pessoal diz por aí que é uma gripezinha, mas não é nada disso. A gente vê coisa muito difícil, pessoas em situação muito delicada.” Ele garantiu que a pior parte foi o isolamento. “Eu ainda tive sorte, porque quando fui para o quarto meus filhos podiam me ver. Mas você não pode nem sair para andar no corredor.” Quando recebeu a notícia de que teria alta, ele chorou. “Eu simplesmente desabei, de alegria, de choro…. E já liguei pra Márcia. Foi muito forte. Não é fácil, mas eu venci.”

Perguntada sobre o que tirou desse episódio, Márcia afirmou que a família, a união e o amor saíram fortalecidos. “A paz do Senhor me deu todo esse entendimento”, completou.

Atualmente, os quatro integrantes da família estão recuperados da covid-19, mas Henrique teve de incluir alguns tratamentos em sua rotina, devido a um trombo que ficou no pulmão. Seu quadro de diabetes também se alterou em razão do uso de cortisona. “O que me aconteceu foi muito triste, não desejo para ninguém”, disse. “Eu peço a Deus todos os dias que, da mesma forma que me sustentou e fortaleceu para que eu pudesse sair do hospital, que essas outras pessoas que estão doentes tenham também a mesma oportunidade e a mesma bênção.”

Lara Takazaki é aluna de Cinema da FAAP

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