Marketing esportivo e fidelização da torcida: A nova realidade nos clubes de futebol

Em meio à pandemia, equipes desenvolvem métodos para aproximar espectadores do dia a dia da gestão esportiva

LabJor
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7 min readDec 5, 2021

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Gabriel Santos

Photo by Thomas Serer on Unsplash

O marketing esportivo sempre esteve presente no planejamento dos clubes de futebol. É considerado uma ferramenta de comunicação do esporte, que pode ser utilizada de maneira corporativa e institucional. Estudo feito pela Universidade de São Paulo (USP) em 2002 já mostrava há quase duas décadas que essa indústria empregava mais de 300 mil pessoas no Brasil e movimentava cerca de R$ 25 bilhões por ano. Seu primeiro evento oficial no País foi o campeonato brasileiro de 1987, chamado de Copa União. Naquela época, o foco era conseguir patrocínios para camisas e conquistar maior visibilidade para as agremiações dentro e fora do País. De lá pra cá, as ações se multiplicaram, impulsionadas pela internet e pelas redes sociais.

Pesquisa feita pela RESULT Sports, plataforma digital alemã especializada em comunicação e marketing esportivo, mostrou, por exemplo, que mais de 200 milhões de pessoas já acompanhavam as atividades do Real Madrid ou do Barcelona em 2019, seja pelo YouTube, Twitter ou Facebook.

No Brasil, o engajamento de torcedores ainda é muito a baixo em relação ao dos europeus. De acordo com a IBOPE Repucom, líder global em pesquisa de marketing esportivo, em novembro de 2021 o Flamengo, clube de maior torcida no Brasil, teve ao todo 42 milhões de afiliados em suas redes sociais, número cinco vezes menor que o do Real Madrid, que lidera o ranking mundial.

Gráfico de engajamento entre os clubes europeus. Imagem: Reprodução site Result Sports

Mas existem outras diferentes possibilidades para que o time consiga um número expressivo de associados. Entre elas experiências exclusivas, como visitar estádios, conhecer jogadores, viajar para acompanhar uma partida em outro país ou estado, participar de promoções de produtos do clube. O objetivo é oferecer fontes de entretenimento no esporte, que envolvam paixão e emoção — e cobrar por isso.

Em entrevista exclusiva ao LabJor FAAP, Mauricio Portella, gestor do Flamengo em 2019 e 2020, explicou que, durante seu mandato, uma das coisas que mais lhe tomaram a atenção foi sócio-torcedor, programa que busca aproximar o torcedor do clube do coração, seja para receber notícias, participar de promoções, assistir aos jogos.

A ideia do projeto é também ensinar ao público como funciona a gestão esportiva, além de gerar engajamento de torcedores nas redes sociais.

“O sócio-torcedor acaba sendo a melhor forma que o clube encontrou até hoje de se comunicar. Mas você tem um desafio grande. Porque ele acaba sendo muito dependente de ingresso. Se tiver jogo, acaba virando uma forma de compra, independentemente do tamanho de estádio que tem e de o time estar jogando bem. O desafio é ir além disso, e um caminho muito utilizado são as redes sociais. Os clubes hoje fazem um bom trabalho nas redes sociais, estão conversando com seu torcedor, variando a linguagem. No TikTok é uma linguagem, no Instagram outra, no Facebook outra e assim por diante.”

Engajamento com times no Brasil em novembro de 2021. Imagem: Reprodução site Ibope Repucom

Para Mauricio, as redes sociais impulsionam a comunicação do indivíduo com o time e, se o conteúdo for diferenciado e interativo, mais gente acabará se inscrevendo nas televisões digitais, no plano sócio-torcedor ou em qualquer ação que a agremiação realizar para beneficiá-los. O clube carioca elaborou um desenho animado chamado Flamiguinhos, por exemplo, para interagir até com o público infantil.

Sobre as televisões oficiais dos clubes, Mauricio acredita que, se bem estruturadas, podem se tornar uma fonte de receita nova, de marcas e patrocínios que querem falar com a torcida.

“O Flamengo em 2019 acelerou esse processo quando o Mercado Livre chegou para patrocinar o clube. E ele não está patrocinando somente com sua marca na camisa. Ele olha para as redes sociais do time como um lugar muito importante e dentro delas inclui tudo: a rádio clube, a TV oficial, o pacote rede social. É uma bela ação de equipe.”

No São Paulo, a história é parecida. A criação da SPFC TV alavancou expectativas de engajamento da diretoria tricolor. Além de expandir novidades, como um novo plano de sócio-torcedor, também registrou em detalhes a conquista do campeonato paulista, que não acontecia desde 2005, ajudando a equipe a melhorar sua relação com o torcedor.

Magno Nunes, narrador da SPFC TV. Foto: Arquivo pessoal

“Um canal como a SPFC TV é importante justamente para o torcedor que está mais distante — fora do País ou naquelas localidades mais interioranas, sem opção de ter uma transmissão por diversos motivos”, explica Magno Nunes, narrador da SPFC TV. “É interessante também notar que muitas das pessoas que acabam acompanhando as transmissões, principalmente no período noturno, são pessoas que estão no trabalho ou em outras atividades em que não podem ver a imagem. Elas poderiam estar ouvindo em outros lugares, mas estão ouvindo com a gente para dar uma moral ao canal oficial do clube.”

O principal foco para o narrador é tentar fazer com que a transmissão seja diferente da das que as pessoas conhecem, como Rádios Jovem Pan e Bandeirantes, por exemplo. Interagir com o torcedor é essencial. Anunciar promoções, chamadas ao vivo e narrações emotivas durante a partida acabam provocando uma discussão se um dia poderiam competir com televisões de rede aberta, como a Globo.

Para Magno, isso seria muito difícil, ainda que já estejam produzindo um conteúdo independente, uma em que algumas agremiações conseguem, de acordo com as leis locais, fazer a narração e logo em seguida ter um momento do jogo. Tudo de acordo com as negociações que vão sendo fechadas.

“São pequenas ações aliadas com os canais de comunicação e com o sócio-torcedor que vão fazer com que o torcedor se sinta cada vez mais próximo. Não é algo que aconteça do dia para a noite. A gente viu os primeiros dias de lançamento com números muito bons, mas é preciso continuar fazendo. Achar que porque fez pouca coisa a galera vai ficar? Não. O pessoal abandona e, se não estiver legal, reclama mesmo.”

No Corinthians, as atividades desenvolvidas pelo marketing esportivo foram além das redes sociais da equipe. A parceria com sua arena fez com que fossem desenvolvidas diversas possibilidades. Gerente de marketing da NeoQuímica Arena, Vinicius Manfredi conta que a agremiação construiu uma farmácia, restaurantes e áreas comerciais para que os torcedores não focassem somente no futebol, mas em aproveitar um dia inteiro no estádio. As ações envolvem de visitar o museu do time e fazer tour no estádio a organizar uma festa no camarote ou até planejar um casamento no campo.

Vinícius Manfredi, gerente de marketing da Arena Corinthians. Foto: Arquivo pessoal

Segundo o gestor, um braço de sua administração está ligado à locação de espaços para diferentes tipos de eventos, dos corporativos e sociais às filmagens publicitárias. O complexo do estádio compreende 10 andares, 8 salas de convenção, além de um auditório para mais de 300 pessoas. Nele, já foi gravada de cena para a série 3%, da Netflix, a comerciais da Fiat e da SKY com a modelo Gisele Bündchen. Já o Business Arena já recebeu mais de 20 convenções de empresas como Itaú, SAP, Citibank, Pepsi, entre outras.

Vinícius entende que o jogo de futebol em si está voltado especificamente para o torcedor corintiano. Mas o resto das atividades que ocorrem no estádio, mesmo estando ligadas ao Corinthians, não impede que um palmeirense ou são paulino acabe também frequentando e podendo usufruir de algum serviço do ambiente. Para ele, o torcedor implica uma relação muito mais complexa do que um cliente. O cliente estará no espaço para desfrutar e comprar. Já o torcedor apaixonado acaba se comovendo com tudo aquilo que foi construído e pensado para o coração alvinegro.

Uma das situações que comprova isso, aconteceu no ano passado, já durante a pandemia, onde o clube divulgou o lançamento da nova camisa e os torcedores puderam entrar no estádio com seus veículos e acompanhar diversas atividades que emocionaram até o próprio Vinícius.

“A coisa mais legal que fiz no clube até hoje e me emocionou muito foi um evento de drive thru que fizemos durante a pandemia para lançar a nova camisa”, conta. “A pessoa comprava a camisa, pegava seu carro e podia entrar com ele dentro do campo para retirá-la. Fizemos um tipo de circuito, como se fosse um museu. Tinha camisas históricas, os ônibus do masculino e do feminino, faixas com uma pegada mais torcedora com elementos e frases que a torcida fala, música de torcida, troféus, bandeirão na arquibancada, calçada da fama dos jogadores dos anos 90. Esse tipo de ação financeiramente não impacta, mas o torcedor se emociona, as pessoas choravam dentro do carro, e ela só aconteceu por causa da pandemia.”

Outro componente importante dentro do marketing esportivo são os patrocinadores, que acabam injetando uma receita extra nas equipes e, dependendo do porte, evidenciando a marca para outros países, por exemplo da Europa e da Ásia, onde existe uma grande circulação de dinheiro.

Em entrevista no canal do LabJor FAAP no YouTube, Evandro Figueira, vice-presidente de mídia da IMG no Brasil, uma das maiores empresas de marketing esportivo do mundo, lembra que o patrocínio pode ajudar também na manutenção da equipe. Há marcas que desejam estar na camisa do time, por exemplo, para não deixar que ele, em crise, acabe sumindo do mercado. “Se existem trabalhos e projetos desenvolvidos em conjunto, a simpatia do torcedor acaba aumentando em relação à empresa.”

Com o marketing esportivo constantemente em mudança, o planejamento feito por cada gestão esportiva dependerá da criatividade dos clubes em buscar associados nos diferentes canais e projetos — muitos ligados à internet e às redes sociais. Para discutir mais sobre esses aspectos, confira abaixo o documentário Marketing Esportivo: Fidelização em jogo, produto do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) do aluno Gabriel Santos em Jornalismo, orientado pelo Prof. Carlos Gomes, no qual esta reportagem também se baseia.

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Um laboratório de informação: Descobrimos e contamos histórias que dão sentido ao presente.