Martinelli, 100 anos: A reinvenção de um ícone paulistano

Edifício que já foi o mais alto de SP se estabelece como ponto cultural e atrai festas, eventos e milhares de visitantes para o centro

LabJor
LabJor
Published in
6 min readJun 15, 2024

--

Camilla Alves

Desde março de 2024, mais de 45 mil pessoas passaram pelo histórico e lendário “pai dos arranha-céus”, o Edifício Martinelli, situado no centro histórico de São Paulo. Este movimento é resultado do projeto que celebra os 100 anos do edifício, o M100: Martinelli 100 Anos. O projeto que teve início há três meses já foi palco de eventos como o Design Week, a Feira Rosenbaum e a Cidade do Futuro. Com uma vista que abrange grande parte da capital paulista, o terraço do edifício que já foi o maior da América Latina, no 26° andar, também vem se tornando destino de milhares de paulistanos e turistas.

Vista do terraço do Edifício Martinelli. Foto: Camilla Alves

Escolhido para sediar o desfile do designer João Pimenta, que encerrou a São Paulo Fashion Week de 2024, e ilustrar a capa da edição de junho da revista L’officiel Brasil, o terraço do Edifício Martinelli ainda está sendo muito procurado como cenário de grandes produções. E também vem ganhando destaque na cena noturna paulistana. Com uma variedade de festas acontecendo semanalmente, o Edifício costuma atrair influenciadores e celebridades. Em março, os artistas norte-americanos SZA e Omar Apollo e o britânico Sam Smith escolheram o local para celebrar após o festival Lollapalooza.

As festas, realizadas de sexta a domingo, apresentam uma ampla gama de DJs e gêneros musicais, de house e pop a axé e samba, atraindo um público diversificado. Tipicamente, duas festas ocorrem no mesmo dia: uma das 15h às 22h e outra das 23h às 07h, com apenas uma hora de intervalo para a produção reorganizar o espaço para o próximo evento. A experiência de uma festa no Martinelli, portanto, varia conforme o dia escolhido.

A nova identidade do Martinelli deve-se à concessão do uso do terraço do edifício, vencida pelo Grupo Tokyo em 2023 e com duração de 15 anos. O projeto integrou a iniciativa #TodosPeloCentro, que coordena ações para a revitalização do centro da capital paulista. Além do terraço, a concessão permite o uso do 25º, do 27º e do 28º andar, além de um espaço no piso térreo.

Questionado sobre a ideia de transformar um prédio histórico como o Martinelli em um ponto moderno e culturalmente vivo, Júnior Passini, sócio do Grupo Tokyo, explicou: “O Martinelli, por ser um personagem central na história e no desenvolvimento da cidade de São Paulo, com a sua grandiosidade e o seu pioneirismo (a primeira grande construção de concreto armado desse porte no mundo), é considerado um ponto turístico da cidade e do Brasil. Um equipamento com essa importância não poderia ficar mais tempo inativo para a população, e nossa provocação para o poder público partiu justamente de como transformaríamos os espaços ociosos do edifício em serviços culturais, gastronômicos e de entretenimento.”

Terraço do Edifício Martinelli. Foto: Camilla Alves

Ele afirma que o processo de manter o equilíbrio entre a preservação histórica e a modernização é desafiador e contínuo. E destaca que a equipe de restauradores envolvida no projeto é uma das mais importantes do País, tendo trabalhado em locais históricos como o Museu do Ipiranga. “O grande desafio, mas que também é um objetivo da concessão, é preservar a história, trazendo-a para o século atual, convivendo com os desafios e se aproveitando da tecnologia desta geração.”

O historiador e relações públicas do Martinelli, Edson Cabral, está envolvido com o edifício desde 2001 e ministra as visitas guiadas gratuitas organizadas em parceria com a Secretaria Municipal de Cultura. “Foi um amigo que me indicou para cá em 2001. Comecei como porteiro. Depois fiz o curso de segurança, me tornei supervisor da segurança e hoje sou relações públicas e historiador oficial do prédio”, contou. “Foi uma trajetória de 22 anos e meio aqui. É sempre um aprendizado. Eu falo que eu não sei tudo do Martinelli. A gente vai aprendendo a cada dia porque a história vai mudando.”

O historiador e relações públicas Edson Cabral. Foto: Camilla Alves

A história do edíficio de 106 metros de altura, que já foi o mais alto de São Paulo, começa com seu idealizador, Giuseppe Martinelli. Imigrante italiano, ele veio para o Brasil em 1889, aos 19 anos. Inicialmente, estabeleceu-se no Rio de Janeiro, onde trabalhou em diversas ocupações. “Foi mascateiro, comerciante, açougueiro, fez de tudo um pouco”, explica Cabral. Após anos de trabalho, Martinelli alcançou sucesso ao montar uma empresa de despacho no Porto de Santos. “Em 30 e poucos anos no Brasil, ele já havia adquirido uma frota com 22 navios e várias casas bancárias. Mas o sonho dele era construir um prédio que não só marcasse São Paulo, mas também o Brasil e a América Latina.”

Em 1923, Martinelli vendeu todos os seus navios e propriedades para financiar a construção do edifício e insistiu que a fundação fosse feita para suportar 30 andares. Ainda durante a construção, Martinelli e sua família se mudaram para o 9° andar do edifício e, em 1929, ele foi inaugurado com 90% das obras concluídas. No mesmo ano, Martinelli foi duramente atingido pelo crash da bolsa de valores de Nova York, perdendo grande parte de sua fortuna. Após tentativas sem sucesso de empréstimos, ele acabou sendo forçado a entregar o edifício ao Banco de Itália em 1933. O lugar passou a ser chamado então Edifício das Américas e ficou quase abandonado.

As paredes do Edifício Martinelli contam uma história própria, tingidas em uma tonalidade rosa. Segundo Cabral, o cimento utilizado na construção era importado da Suécia e já chegava com um tom rosado. Para intensificar essa cor, um ingrediente inusitado era adicionado: sangue de boi. Além disso, mica, uma substância mineral conhecida por seu brilho, era misturada ao cimento, conferindo às paredes um efeito cintilante distinto. “Esse prédio brilhava, reluzia. Foi até apelidado pelo escritor Oswald de Andrade como ‘bolo de noiva’ pela sua impotência, sua arquitetura e sua beleza.”

Terraço do Edifício Martinelli. Foto: Camilla Alves

Durante os anos 1960 e 1970, o edifício passou por um período de decadência, tornando-se reduto de atividades ilegais e acumulando uma grande quantidade de lixo no fosso central. “Eles encontraram nove andares de lixo — 30 metros de altura — , além de ossos, fetos e animais mortos”, relata Cabral. Em 1975, o então prefeito Olavo Setúbal iniciou um processo de limpeza e restauração e, em 1979, o edifício foi reaberto para se tornar sede de secretarias municipais.

Vista para o edifício vizinho, onde funciona o Farol Santander. Foto: Camilla Alves

Uma reforma está planejada para começar em agosto deste ano, após a conclusão do projeto M100. Júnior Passini conta que o que mais os inspira no momento é o projeto de modernização para os guarda-corpos, que serão de vidro com tecnologia de led translúcido. “Permitirá que o Martinelli também conte a história do passado, com a vista do presente, pensando e projetando um futuro para a cidade.”

Passini está otimista sobre o futuro do edifício pós-reforma. “O Martinelli tem uma vocação para o pioneirismo, e o nosso objetivo é justamente conduzi-lo para o futuro, com muita arte, inovação e entretenimento com ações diversas e plurais, aproveitando toda a tecnologia que empregaremos nesse projeto.”

SERVIÇO

Edifício Martinelli
Rua São Bento, 405, centro histórico
Site: http://www.prediomartinelli.com.br/
Instagram: https://www.instagram.com/edificiomartinelli/

Camilla Alves é aluna de Jornalismo da FAAP

--

--

LabJor
LabJor
Editor for

Um laboratório de informação: Descobrimos e contamos histórias que dão sentido ao presente.