‘Nós queríamos que a música traduzisse os sentimentos de seu subconsciente’

LabJor FAAP conversa com Benh Zeitlin, compositor da trilha do filme ‘A Chiara’, exibido na 45ª Mostra

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6 min readNov 5, 2021

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Barbara Marques

A Chiara, de Jonas Carpignano (Itália e França, 2021), é um dos filmes exibidos pela 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo — e que será adicionado ao catálogo da plataforma de streaming Mubi no Brasil. A obra acompanha a história da protagonista, que nomeia o filme, uma jovem italiana de 15 anos que descobre o envolvimento de seu pai, um fugitivo procurado por crimes relacionados ao tráfico de drogas, com a máfia. Exibido pela primeira vez no Brasil em 29 de outubro no Cinesesc, o filme foi apresentado em conjunto com o depoimento em vídeo do diretor que contou que o roteiro foi inspirado em fatos reais e eventos que pôde presenciar em seus dez anos vivendo na Calábria.

Seu elenco é constituído por membros de uma mesma família, os Rotolo, e a personagem principal é interpretada por Swamy Rotolo, uma jovem não atriz. Tem trilha sonora assinada por Benh Zeitlin, compositor, roteirista e diretor americano vencedor da Câmera De Ouro do Festival de Cannes e conhecido pela autoria de filmes como Indomável Sonhadora (EUA, 2012), indicado a quatro Oscars em 2013, e Wendy (EUA, 2020). Em 30 de outubro, o LabJor FAAP conversou com o cineasta sobre A Chiara, seu processo criativo e as consequências da pandemia no audiovisual.

Benh Zeitlin conversa com o LabJor FAAP. Foto: Barbara Marques

Colega de faculdade de Jonas Carpignano, Zeitlin contou que durante a graduação não realizaram projetos juntos, mas em Indomável Sonhadora o ítalo-americano trabalhou como segundo assistente de direção e foi essencial para lidar com as muitas crianças presentes no set de filmagem. Foi nesse momento que criaram um vínculo e uma parceria que seria replicada em outros projetos. Em Wendy, por exemplo, Jonas foi segundo diretor de unidade, enquanto em Mediterrânea, de Jonas Carpignano (Itália, França, EUA, Alemanha e Catar, 2015), Benh atuou como compositor, assim como no filme de 2021.

Jonas Carpignano, diretor de ‘A Chiara’ , exibido na 45ª Mostra. Foto: Divulgação

Os dois cineastas têm costume de trabalhar com pessoas das comunidades retratadas em suas obras, que não são treinados formalmente como atores — algo que Zeitlin vê como um motivo de proximidade entre seus projetos. Ele acredita que essa opção vem da necessidade de se conectarem de maneira imersiva aos roteiros que desenvolvem. Enquanto Benh, residente da cidade de Nova Orleans, nos Estados Unidos, realiza filmes que retratam as realidades locais, Carpignano, nascido na América do Norte, mas descendente de italianos, e vivendo na Calábria, sul da Itália, há 10 anos, é responsável pelo desenvolvimento de uma trilogia de filmes — sendo A Chiara o terceiro e mais recente deles — que dialoga com o povo da região onde vive.

O compositor disse ao LabJor FAAP que o processo de criação para a música do filme de 2021 foi bastante complicado, uma vez que, desde o início, o objetivo era que a sonoridade dialogasse com os outros dois filmes da trilogia: Mediterrânea, de 2015, e Ciganos da Ciambra, de 2017 (Itália, Brasil, Alemanha, França, Suécia e EUA). Esses filmes também trazem retratos de jovens da região da Calábria. Mas, diferentemente de A Chiara, em que a personagem principal é de uma família tradicional italiana, têm como protagonistas um refugiado africano e um menino cigano, respectivamente. O desafio era, de acordo com ele, criar uma nova atmosfera, mas “ancestral”.

Zeitlin explica que Jonas Carpignano, em seus filmes, procura criar uma trilha que não soe como música aos ouvintes, mas como sons ambientes bastante simples. Por isso a criação sonora de A Chiara foi extremamente desafiadora, uma vez que desenvolve composições grandiosas para uma grande diversidade de instrumentos. No processo — que levou por volta de dois meses para ambos, compositor e diretor — , grande parte do trabalho foi tentar compreender aquilo que Carpignano pretendia com o filme e seus personagens. No entanto, como cineasta, ele acredita ter a vantagem de compreender o que é necessário para a música complementar a história da melhor maneira possível. Segundo ele, sua experiência de roteirização e direção, além de sua parceria com Dan Romer, músico e compositor em filmes como Luca, de Enrico Casarosa (EUA, 2021) e Beasts of No Nation, de Cary Joji Fukunaga (EUA, 2015), foi essencial para o projeto de A Chiara ter sido bem sucedido.

“Muito do que a personagem Chiara está experienciando é o aprendizado de que está conectada a esse passado ancestral, muito complexo e problemático. Nós queríamos que a música traduzisse os sentimentos de seu subconsciente, da percepção de algo que ela nem imaginava que poderia afetá-la. Queríamos uma música que parecia ter sido feita em uma catedral e cada som poderia ser de uma antiga capela. Sons orgânicos e não comuns na música moderna que adentram o ansioso subconsciente dela […] No início, ela é uma adolescente comum, então a música tinha que emergir de uma forma inesperada, a fim de acompanhar a profundidade de quem ela é e sua conexão com sua cultura e família.”

Swamy Rotolo interpreta Chiara, uma jovem de 15 anos residente da região da Calábria, na Itália. Foto: Divulgação

Os sons que pertencem ao panorama interior da personagem, antigos e religiosos, são contrastados no longa com uma trilha sonora composta por músicas de trap e pop italiano do século 21, o que provoca uma ruptura audível entre os universos externos e internos da protagonista. A escolha das músicas contemporâneas, Zeiltin conta, pode ser creditada inteiramente a Swamy Rotolo, atriz principal do longa, uma vez que eram as mesmas ouvidas por ela em sua adolescência.

O filme, gravado antes da pandemia, em 2019, teve sua pós-produção, bem como a trilha sonora, desenvolvida durante os meses de lockdown. Benh pôde ir à Itália, onde permaneceu em isolamento com uma equipe de dez pessoas, incluindo o diretor Jonas Carpignano. A experiência, diz Zeiltin, foi importante para todos os envolvidos no projeto ficarem imersos no mundo de A Chiara.

Pôster do filme Wendy, de Benh Zeitlin. Foto: Divulgação

No ano passado, o diretor e compositor Zeitlin teve uma experiência “desastrosa” com a distribuição de Wendy. Seu filme foi exibido nos cinemas uma semana antes do fechamento dos estabelecimentos e do início do lockdown nos Estados Unidos. Como muitos cineastas, Zeitlin não considera a experiência do streaming como a mesma de ir às salas de cinema.

Apesar da má experiência com Wendy, o cineasta diz que nos últimos dois anos dedicou-se a pesquisar e escrever novos projetos e, por isso, o tempo de isolamento foi proveitoso para ele. Sabe, porém, que para muitos de seus colegas da indústria do audiovisual, houve um grande prejuízo financeiro, especialmente em filmes autorais.

Zeitlin conclui dizendo ter a esperança de haver uma melhora no apoio e financiamento dos projetos cinematográficos no futuro, de que os espectadores voltem às salas de cinema e demandem a experiência de assistir às obras (da trilogia) em conjunto, e, ainda, de que o formato de histórias prolongadas, como é o caso das séries, não impeça e não ameace as produções de longas-metragens.

VEJA A ÍNTEGRA DA ENTREVISTA

Barbara Marques é aluna do sexto semestre de Moda na FAAP e escreve para o Blog FAAP Moda no E+ do Estadão

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