Por dentro do Orestes Guimarães, o colégio com mais alunos de nacionalidades diferentes de SP

Escola estadual reúne, além dos brasileiros, 421 estudantes estrangeiros vindos de 19 países

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5 min readJun 17, 2024

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Lucas Escórcio

Fachada da Escola Estadual Orestes Guimarães, no Canindé. Foto: Lucas Escórcio

A Escola Estadual Orestes Guimarães é um verdadeiro mosaico cultural na zona norte de São Paulo. Com alunos de quatro continentes diferentes, o colégio localizado na Rua Canindé, no bairro de mesmo nome, pratica a arte de educar em meio aos mais diversos idiomas, culturas e religiões.

Ao entrar pelo portão do Orestes Guimarães, o visitante se depara com uma escola comum: gritos de crianças, risadas de adolescentes, nomes ecoando pelos corredores e professores tomando café. Entretanto, conforme o tempo, passa a diversidade cultural se torna palpável. Estudantes nascidos em 20 países diferentes, contando o Brasil, transformaram o Orestes no colégio com maior número de nacionalidades entre os alunos em São Paulo.

Aproximadamente um em cada quatro alunos no Orestes Guimarães é estrangeiro e todas as salas de aula possuem ao menos um migrante internacional. Entre as 19 nacionalidades dos 421 estudantes estrangeiros destacam-se a boliviana (180 alunos), a paraguaia (72) e a peruana (46).

Segundo dados do Sistema de Registro Nacional Migratório (SISMIGRA) da Polícia Federal, entre janeiro e abril deste ano, a capital paulista recebeu aproximadamente 3.800 migrantes internacionais de forma legal. Essa quantidade se reflete numa dinâmica de constante mudança e adaptação, já que atualmente São Paulo abriga por volta de 363 mil migrantes internacionais. Seja por questões econômicas, políticas ou de segurança, a cidade é um destino comum para aqueles que buscam escapar de situações adversas em seus países de origem.

Simone Marcolino, diretora do Orestes Guimarães (à esq.), e Raquel Rodrigues, coordenadora de gestão pedagógica do colégio. Foto: Acervo pessoal Simone Marcolino

“Eles (migrantes internacionais) são recebidos da mesma forma que qualquer aluno brasileiro. Se há vaga no colégio, independentemente de idioma ou condição, é nossa obrigação acolhê-lo”, conta a coordenadora de gestão pedagógica do Orestes Guimarães, Raquel Rodrigues.

A convivência dos brasileiros com os alunos estrangeiros é extremamente rica, porém delicada. Alguns migrantes internacionais chegam à zona norte de São Paulo para morar em abrigos, em situação de refúgio e sem documentos.

Segundo Raquel, os professores são incentivados a usar técnicas de inclusão social nas atividades em sala de aula, trazendo exemplos de trocas culturais, mas a metodologia de ensino e o processo de aprendizagem são os mesmos para brasileiros e estrangeiros, pois atualmente nem o Orestes nem qualquer outro colégio da rede pública da cidade de São Paulo é equipado com materiais específicos para o ensino de pessoas que não falam o português. Há também uma preocupação quanto ao que esses migrantes internacionais já estudaram em seu país de origem, para que os professores não se tornem nem repetitivos nem pareçam estar ensinando conteúdos complexos demais para os estrangeiros.

“O idioma ainda é o maior empecilho. Muitos passam o dia com o tradutor do celular aberto”, comenta. “No governo anterior, foram cedidos ao colégio materiais de ensino em espanhol, inglês e francês que facilitavam muito o aprendizado e o engajamento dos estrangeiros. Atualmente estamos na estaca zero de novo, apenas aceitando e incentivando os alunos a ir atrás do conteúdo.”

Além das dificuldades linguísticas, alunos migrantes internacionais relataram ao LabJor que enfrentam a necessidade de trabalhar para ajudar a família. É comum encontrar estudantes que ficam no serviço até tarde da noite, muitas vezes em condições precárias, para complementar a renda. A poucos quilômetros do colégio ficam o bairro do Brás e a Feira da Madrugada, cheios de estrangeiros em busca de melhores condições de vida.

A Feira da Madrugada do Brás é um centro de comércio popular onde se vendem roupas, tecidos e produtos para casa, como toalhas, lençóis e cobertores, entre outros. De segunda-feira a sábado, das 2 horas às 6 horas, comerciantes se reúnem para oferecer aos clientes os melhores preços nos arredores do Brás. Muitas famílias de migrantes internacionais trabalham nessa feira, alunos do Orestes Guimarães trabalham nessa feira.

Uma característica facilmente identificável no Orestes é a união dos migrantes por nacionalidade. Geralmente eles andam em grupos de acordo com o país de origem, atraídos por questões culturais e de idioma.

“Moramos aqui há dois anos e meio e até hoje não fizemos amizade com nenhum brasileiro. Eles não gostam muito de quem não é daqui”, comentou uma aluna equatoriana do sexto ano, ao ser questionada se tinha amigos brasileiros. “Também não aprendemos o português, é muito difícil”, completou sua prima, estudante no mesmo ano.

Segundo os professores, apesar da exaustão e da exclusão social, os migrantes internacionais se dedicam muito aos estudos, fazendo uso de ferramentas como o Google Tradutor para tentar superar as barreiras de comunicação. Mas há dificuldades mesmo para migrantes que falam o português.

“Tenho vergonha de perguntar algo em sala de aula por causa do meu sotaque. Era para ser mais fácil, já que falo o português, mas as gírias me confundem muito e não gosto de ser zoada por isso, nem pela cor da minha pele”, contou uma estudante angolana do 7° ano que vive há quatro meses num abrigo em São Paulo. “E isso já aconteceu algumas vezes.”

Apesar dos obstáculos, a Escola Estadual Orestes Guimarães é um exemplo de resiliência e solidariedade. Definitivamente não é fácil acolher e ensinar a quem possui um passado sociocultural muito diferente do que brasileiros viveram e já têm vidas de adulto (trabalho, realidade precária, país de origem em crise).

“É sempre um prazer falar sobre esses alunos que vêm de fora. Temos de acolhê-los e fazer o máximo para que se sintam bem em vir à escola. Há uma necessidade alta de cativá-los, mas, quando conseguimos, temos uma construção linda de aprendizado e respeito”, resume a diretora do Orestes Guimarães, Simone Marcolino.

Lucas Escórcio é aluno de Jornalismo da FAAP

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