TCCs 2022

Quando o cinema vai além do entretenimento

O que filmes como ‘Bambi’, ‘BlackFish’ e ‘O Dia Depois de Amanhã’ têm em comum além de ser mundialmente conhecidos? Eles são capazes de influenciar comportamentos

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Assistir a um filme, seja no telão das salas de cinema ou na palma da mão com os smartphones, é uma experiência que vai além do entretenimento. A sétima arte, intitulada assim pelo crítico de cinema italiano Ricciotto Canudo (1877–1923), possui a capacidade de transportar espectadores a diferentes mundos, vidas e realidades, além de sensibilizar e impactar as pessoas de diversas maneiras.

“O cinema tem uma potência, uma capacidade de nos envolver, de mexer conosco, que talvez seja maior do que a de qualquer outra arte”, afirma o jornalista, crítico de cinema e professor da FAAP Sérgio Rizzo. “Logo, acho que a história do cinema está repleta de filmes que provocam impacto em muitas pessoas depois que eles terminam. Porque alguma coisa que aconteceu naquela experiência, na experiência de cada espectador com o filme, fica lá dentro.’’

Filmes têm a capacidade de transportar espectadores a outras realidades. Foto: Denise Jans/ Unsplash

Diversos filmes causaram forte impacto fora das salas de cinema. Foi o caso por exemplo de Bambi (1942). Dirigida por Bill Roberts, David Hand, James Algar, Paul Satterfield e Samuel Armstrong, a obra abordou questões antropocêntricas do homem em relação aos animais silvestres e causou o conhecido bambi effect — reação da população, em especial a americana, contra a caça de animais considerados “fofos’’, como o protagonista do filme da Disney.

“Com sua doçura e seu capricho infantil, Bambi, da Disney, teve profunda influência nas atitudes modernas em relação à caça, à vida selvagem e à selva”, afirma o antropólogo americano Matt Cartmill na obra A View to a Death in the Morning (2021) — em tradução livre, Uma vista para a morte de manhã.

“O filme extrai sua força mítica da habilidade com a qual combina uma grande variedade de elementos de altas e baixas tradições culturais, incluindo todo um rico simbolismo associado aos veados como vítimas inocentes. Caçadores consideram Bambi a mais poderosa propaganda anti-caça já produzida, e eles provavelmente estão certos.”

Além de impactar a caça de animais silvestres, Bambi também trouxe à tona pautas a respeito de questões ambientais. O antropólogo diz por exemplo que alguns historiadores apontam que a sequência do incêndio florestal no filme teria levado o serviço florestal americano a lançar uma campanha contra queimadas de florestas dois anos depois.

A Biblioteca Nacional Agrícola, de Beltsville, Maryland, por exemplo, guarda um pôster do Serviço Florestal americano com imagens de personagens da Disney e os dizeres em inglês: “Por favor, senhor, não seja descuidado. Evite incêndios florestais. O perigo está maior do que nunca!”. Após Bambi ser lançado, a Disney concedeu por um ano os direitos de uso de sua imagem e de seus amigos coelho e gambá no Programa de Prevenção de Incêndios Selvagens.

Pôster de prevenção de incêndios florestais com Bambi e seus amigos. Imagem: Wikimedia Commons

O cinema consegue colocar o espectador em situações que dificilmente enfrentaria fora das telas. E, ao causar desconforto e incômodo, pode “virar uma chave”, como afirma Rizzo. “Se o filme te perturba, é porque ele acionou uma chave. Talvez você não saiba direito qual chave foi ou quais chaves foram. O tempo vai te dizer, mas, se ele te perturbou, é porque deu certo. Então houve um desconforto ali, houve um desequilíbrio. Talvez signifique que você foi apresentado a uma coisa nova, ou a um novo jeito de olhar para uma coisa que não era nova, um jeito diferente daquele que você normalmente usa para olhar para aquela mesma coisa. Teve algo ali. Se não tem desconforto, se não tem incômodo, aí talvez você não tenha sido apresentado a nada novo e não vai mudar nada, porque aquilo ali bate com a tua percepção de mundo e está tudo bem’.’

Décadas após o sucesso de Bambi, O Dia Depois de Amanhã (2004) também sensibilizou a população americana sobre os impactos ambientais causados pela ação do homem. Dirigido por Roland Emmerich, o filme é uma ficção científica que conta a história de um climatologista que viaja a pé da Filadélfia a Nova York para tentar achar o filho depois de o aquecimento global causar desastres naturais pelo mundo. Entrevistados após assistirem ao filme no cinema, diversos espectadores disseram ter mudado a maneira de ver o problema das mudanças climáticas depois dele.

No mesmo ano, o documentário Super Size Me: A Dieta do Palhaço (2004) chamou a atenção para o quanto a fast food pode impactar a alimentação da população e influenciar na obesidade. O título da obra remete ao nome de uma das opções de lanches da rede e a seu personagem-símbolo, o palhaço Ronald McDonald. No filme, o diretor Morgan Spurlock mostra 30 dias de sua vida em que só se alimentou nos restaurantes do McDonald’s. O resultado foram 11 quilos a mais, mudanças de humor e aumento do colesterol, entre outras consequências.

O filme acabou levando à proibição de venda de refrigerantes em diversas escolas nos Estados Unidos, fez empresas de snacks passarem a oferecer opções mais saudáveis e obrigou o McDonald’s a realizar ações educativas e patrocinar eventos em prol da saúde.

Há quase uma década, BlackFish- A Fúria Animal (2013) mostrou a crueldade no tratamento de baleias orcas que participavam de espetáculos no parque temático SeaWorld, nos Estados Unidos. Dirigido por Gabriela Cowperthwaite, o documentário foi motivado pela morte da treinadora de orcas Dawn Brancheau, em fevereiro de 2010. Durante um espetáculo, a baleia Tilikum causou seu afogamento e mutilação ao vivo. O filme resgata a história de Tilikum, apelidada de Tili pelos treinadores, de 1983 — quando foi capturada no Atlântico Norte — até a morte de Dawn e causou polêmica na sociedade. A ponto de a atração ser cancelada no parque da Disney.

Essas quatro obras cinematográficas são exemplos do quanto o cinema é capaz de controlar e aumentar as percepções de mundo do espectador. E parte da explicação está no cérebro.

“Nosso cérebro trata a realidade quase de forma cinematográfica, onde cada pessoa cria sua realidade baseada no que sente e na emoção atribuída ao que está sentindo no momento”, explica Sandro Giordano, professor de Neurocinema, estudo que relaciona a sétima arte à Neurociência.

Segundo Sandro, decisões de direção, fotografia e edição de um filme por exemplo influenciam nosso subconsciente. “Quando mudamos a emoção frente ao que estamos sentindo, fazemos como um diretor ou editor que muda o ritmo para deixar (o filme) menos cansativo ou o diminui para podermos apreciá-lo mais, ou muda a iluminação do ambiente para passar emoções diferentes, ou altera a forma de olharmos algo como uma câmera observando por um novo ângulo”, explica. “A arte de forma geral fala muito mais com o que há alem da nossa consciência. Com o cinema não é diferente.”

*Esta reportagem foi feita a partir do trabalho de conclusão do curso de Fabiana Caruso: o livro-reportagem ‘O Poderoso Filme’, orientado pela Prof. Clemara Bidarra

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