TCCs 2022

(QUASE) TUDO O QUE VOCÊ QUERIA SABER SOBRE GÊNERO E POLÍTICA

Especialistas falam sobre a maior participação das mulheres no Executivo e no Legislativo e de por que nem sempre isso é garantia de avanço

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Isabela Andrade

Nos últimos anos atingimos metas históricas: há número recorde de mulheres na política, mais da metade do País já se considera feminista e é possível afirmar que nunca tivemos acesso a tantos direitos — nós, mulheres, estamos fazendo algum progresso.

Fonte: Pauta Única

Após as eleições majoritárias de 2022, as mulheres ocupam 18% do Legislativo — apesar de ainda pequeno, o número aumentou 3%. Foram eleitas 91 mulheres em comparação às 71 da última eleição. E, nos últimos 10 anos, assistimos a um crescimento gradativo da Bancada Feminina no Brasil:

Fonte: Pauta Única

Tendo em vista que as mulheres são — segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) — 52% do eleitorado brasileiro, os 18% representam uma grave sub-representação. Pesquisadora e doutora em Ciências Políticas pela USP, Beatriz Rodrigues também chama a atenção para o perfil do grupo: “A bancada feminina é majoritariamente branca de classe média. A gente tem pouquíssimas mulheres negras, pouquíssimas mulheres LGBT, pouquíssimas mulheres de grupos marginalizados”.

Para a socióloga Camila Galetti, é preciso avançar não somente em representatividade, mas na questão de quais mulheres estão sendo eleitas”. Pois ter mais mulheres nem sempre significa maior avanço nos direitos femininos: desde 2018, é possível observar um aumento de conservadoras entre as eleitas, majoritariamente vinculadas à base do governo Jair Bolsonaro.

“A gente quer que não tenha só mais mulheres dentro da política, a gente quer que tenha mulheres feministas. As pessoas ficam: ‘Ah, mais mulheres, mais mulheres’ mas vamos discutir o conteúdo dessas políticas, o que essas mulheres estão defendendo e a plataforma dessas mulheres.”

As pesquisadoras Camila Galetti, Clara Marinho e Beatriz Rodrigues. Arte de Isabela Andrade com fotos de acervo pessoal

Desde o chamado Lobby do Batomarticulação política de mulheres em torno da conquista de direitos na Constituição Federal de 1988 — , o feminismo vem se institucionalizando como ator político no Brasil, mas foi em 2003 que as feministas entraram para dentro da burocracia do Estado. A cientista política Beatriz Rodrigues credita esse movimento à criação da Secretaria de Políticas para as Mulheres, cuja função era assessorar diretamente o presidente da República e cumprir acordos e convenções internacionais relativos à igualdade de gênero e ao combate à discriminação.

Mas é possível dizer que o movimento feminista impactou as politicas públicas? Depende. Em entrevista para o podcast da Pauta Única, plataforma focada na relação gênero — política, Beatriz disse ver um maior impacto no combate à violência contra as mulheres. A cientista política fez um estudo de caso sobre o processo de tramitação da Lei Maria da Penha e concluiu que a articulação do movimento foi essencial para aprovação do projeto. “Foi elaborado pelos movimentos feministas e apresentado pela Secretaria de Políticas para as Mulheres para Bancada Feminina”, lembrou.

Já a legalização do aborto segue enfrentando dificuldades para avançar, apesar do ativismo feminista. Segundo Beatriz, barrado pela parcela “mais conservadora e religiosa”, o assunto não é consenso dentro da Bancada Feminina.

Arte: Isabela Andrade

O fator determinante está nas coalizões ao redor de cada tema. Devido ao tamanho reduzido da Bancada Feminina, é essencial o apoio da bancada masculina. Quando foi aprovada a Lei Maria da Penha, em 2006, as mulheres representavam apenas 9% da Câmara. A Lei de Cotas, de 1997, contava com apenas 33 mulheres eleitas, cerca de 6%. Por isso, Beatriz aponta que “a construção de coalizões multipartidárias” foi decisiva para a aprovação desses projetos.

Para a servidora pública e integrante da equipe de transição do governo Luiz Inácio Lula da Silva Clara Marinho, é importante observar no entanto a temática da pauta em questão. Ela destaca que, mesmo com a porosidade do Estado em absorver demandas feministas, ainda se percebia grande “dificuldade de avanço de pautas históricas que não encontraram vazão no arcabouço das políticas públicas brasileiras”. Destacando que questões relativas a violência contra a mulher possuem maior adesão do que, “por exemplo, direitos sexuais e reprodutivos”.

Nos últimos anos o movimento feminista teve pouca influência na proposição de novas pautas, ocupando papel de resistência pela manutenção dos direitos anteriormente conquistados. Para Beatriz, desde o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, em 2016, o Estado “começou a ficar menos poroso às demandas feministas” e simultaneamente “mais poroso a demandas antifeministas” — levando o movimento feminista à assumir a função de “impedir retrocesso e fazer bloqueios para que pautas antifeministas não avançassem”.

TODA AÇÃO GERA REAÇÃO: ANTIFEMINISMO INSTITUCIONAL

O antifeminismo emerge junto à extrema direita no Brasil, mas não é novidade: seus valores são alinhados a um típico conservadorismo tradicionalista cristão brasileiro. Porém, o número de mulheres antifeministas na política vem subindo. Segundo Camila Galetti, a maioria das candidatas eleitas para o Congresso em 2022 são de um espectro ideológico de extrema-direita.

Camila ressalta que, apesar do aumento de “pessoas que pensam que não existem desigualdades de gênero e querem encerrar o diálogo com os movimentos feministas”, não há um movimento suficientemente organizado no campo antifeminista. Em sua tese de doutorado, ela conclui que não se trata de um movimento social, mas sim de um movimento reativo. “A partir do momento que o movimento feminista avança, concomitantemente também avançam os retrocessos para tentar deter essas mulheres”. Não há porém uma agenda de atuação, apenas de reação.

Arte: Isabela Andrade

Para Beatriz Rodrigues, o antifeminismo se institucionalizou dentro do Congresso e do Poder Executivo. Ela cita a atuação da ministra Damares Alves como exemplo, ressaltando os casos de abuso de poder e em especial o caso de uma criança de 12 anos que foi impedida de realizar um aborto legal no Espírito Santo: “Esse caso demonstra muito o quão prejudicial pode ser a gente ter mulheres antifeministas dentro do Estado, ocupando cargos que definem os rumos das políticas públicas”.

“Foram retrocessos muito grandes, não só na pauta do aborto, mas também na pauta da violência contra as mulheres — a gente teve um desinvestimento nas políticas de combate à violência contra as mulheres.”

E O QUE ESPERAR DOS PRÓXIMOS ANOS?

Perguntamos para Camila Galetti e Beatriz Rodrigues o que se pode esperar dos próximos anos em relação ao avanço de políticas públicas feministas. Para elas, o caminho passa pela reconstrução do que foi perdido e pela construção de novos campos de possibilidade.

Segundo Beatriz, para além da pauta de gênero, existe uma série de questões em que se vinha avançando e nas quais se retrocedeu muito. “Em diversas pautas, a gente vai ter muito o que reconstruir”, resumiu. Mas ela se disse “um pouco mais tranquila e esperançosa” com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva na Presidência. “Ainda assim vamos demorar para chegar ao ponto em que a gente estava antes”, afirmou. “E para isso é importante que a gente cobre o futuro governo para que não só impedir retrocessos, mas também avançar nas políticas que a gente tanto deseja.”

Beatriz aponta que entre as principais demandas do movimento feminista para o novo governo Lula está a reconstrução da Secretaria de Políticas para as Mulheres e a inserção de mulheres em todas as áreas, não somente nas que tratam de temáticas ligadas a gênero.

“A perspectiva feminista tem a dizer sobre todos os temas e não só sobre mulheres. Na economia, na política externa, na administração de Poderes… Para tudo isso a gente pode apresentar um olhar feminista.”

Em concordância, Clara Marinho diz que a “agenda para mulheres não pode ficar restrita a uma secretaria de mulheres” e defende um olhar transversal para a aplicação das demandas de equidade de gênero. Ela reforça que as políticas para mulheres não precisam ficar restritas ao Ministério da Mulher, mas que sejam analisadas em todos os setores públicos, visto que as mulheres são maioria na sociedade brasileira.

Tendo em vista a limitação orçamentária prevista pelo Teto de Gastos, Clara diz não acreditar ser possível aumentar a verba para essas políticas, mas destaca que “isso não significa que políticas públicas não possam ter um olhar específico sobre a mulher quando os gastos estão sendo executados”. Para ela, a existência de um grupo de trabalho destinado a mulheres durante a transição governamental é indicador positivo da maior adesão às políticas para mulheres nos próximos anos. E não necessariamente precisa haver mais dinheiro investido para uma política dar certo. Ela cita por exemplo a questão da taxa de mortalidade materna no Brasil, uma das maiores do mundo, que demanda um olhar específico.

“Como isso pode ser acolhido? O spoiler é que tem a ver com a questão do direito reprodutivo. Mulheres negras se arriscam à interrupção da gravidez de forma muito precária, enquanto, por exemplo, mulheres brancas podem fazer isso indo para um consultório numa clínica sem maiores problemas.”

As entrevistas completas com Beatriz Rodrigues, Camila Galetti e Clara Marinho estão disponíveis no YouTube e em versão podcast nos principais tocadores. Veja/ Ouça agora!

Esta reportagem é parte do trabalho de conclusão do curso de Jornalismo na FAAP apresentado por Isabela Andrade, que resultou na criação da Pauta Única, uma plataforma de conteúdo jornalístico feminista ligada a gênero e política. A orientação foi dos Profs. Drs. José Corrêa Leite e Mariana Setúbal.

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