Quer potencializar seu conteúdo na internet? Aprenda a ‘propagar’

Pesquisador americano Sam Ford discute como o conceito de mídia propagável pode ajudar a repensar as mídias digitais

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5 min readApr 6, 2021

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Nathalya Lomonaco Macchia

Viral, meme, influencer. Frequentes em discussões sobre internet, esses são alguns termos abordados no livro Cultura da Conexão: Criando valor e significado por meio de mídia propagável (Spreadable Media: Creating Value and Meaning in a Networked Culture, NYU Press, edição brasileira Aleph). Lançada há oito anos, a obra escrita por Sam Ford, Henry Jenkins e Joshua Green traz discussões que seguem ressoando na área da comunicação. Na tarde do dia 25 de março, Sam Ford falou sobre algumas delas durante os Encontros de Comunicação da FAAP.

Sam Ford, durante os Encontros de Comunicação. Foto: Nathalya Lomonaco Macchia

Há anos se dividindo entre a o mercado e a academia — com atuação sobretudo no Consórcio de Convergência Cultural, ou C3, do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) — , Ford propõe discutir metáforas e modelos de mídia digital para compreender o modo como as informações se propagam.

Ele lembra que as mídias digitais deram voz a milhões de pessoas de fora dos grandes conglomerados de comunicação, que passaram a gerar conteúdo de todos os tipos. Mas um bom conteúdo não gera necessariamente engajamento. Ford deu o exemplo de um músico: para conquistar espaço nas plataformas atualmente, ele deve tanto dominar os conhecimento relativos à música quanto estratégias de comunicação. Além de produzir conteúdo, é preciso saber propagá-lo, ou seja, convencer as pessoas a escolherem compartilhá-lo.

"A mídia navega não pelos meios tradicionais de distribuição dessa indústria, mas por métodos de circulação que se baseiam em comportamentos da audiência e escolhas feitas por ela para ver esse conteúdo sendo compartilhado", explicou. "(Esse movimento) coloca uma série de novas perguntas. Quais são as habilidades necessárias para ter sucesso hoje? Que metáforas estamos usando para descrever essas mudanças? Como elas modelam a lógica que usamos?”

Ford lembra a história do personagem Frankenstein, da escritora inglesa Mary Shelly, para caracterizar a atividade de algumas empresas que, assombradas pelas próprias criações que saem do controle, acabam com dificuldade para analisar conteúdos. Isso porque cada setor vê e pensa o engajamento de uma forma: o marketing desenvolve o perfil dos segmentos almejados, o digital analisa tráfego e reações no site, enquanto os responsáveis por vendas buscam impulsionar compras. Para ele, preocupadas em ouvir cada vez mais consumidores e coletar quantidades cada vez maiores de dados, as empresas estariam se esquecendo de escutar as reais necessidades dos clientes e apagando nuances e desejos que mobilizam e podem informar. Deslocadas, projetam estratégias já conhecidas. “É realmente tentar recriar a lógica do modelo de broadcast em outras plataformas”, explica Ford. Nessas experiências, o valor do conteúdo residiria justamente na sua capacidade de se espalhar como anzol para mais pessoas. Mas é fundamental, no entanto, promover maior diálogo entre as métricas e lembrar que, no fundo, elas simbolizam pessoas em engajamentos multiplataformas.

Ao conteúdo muito compartilhado, deu-se o nome de viral. Mas o termo foi deslocado de seu uso original, que designava peças publicitárias compartilhadas sem a vontade ou intenção do interlocutor, descaracterizando-o. Sam lembra que a pandemia deixou claro que esse nome relacionado a vírus não é apropriado. Até porque nos últimos tempos tem crescido um movimento para inclusive responsabilizar quem transmite — e não só quem produz — conteúdo. Para dar conta do fenômeno, os autores elaboraram então a noção de propagação, ativamente motivada e negociada pelos agentes.

O valor da mídia propagável depende de alguns fatores:

  • Disponibilidade: quando e onde a audiência quer;
  • Portabilidade: possibilidade de transferência para outras pessoas ou mídias;
  • Variedade de formas de utilização, como vemos nos memes;
  • Relevância para múltiplas audiências;
  • Ser parte de um fluxo contínuo de conteúdo.

“As pessoas compartilham conteúdo para se definir. Existe o ditado: ‘Você é o que você come’. Isso é verdade também para sua dieta midiática. As pessoas o entendem baseando-se no que você lê, assiste e escuta, nas marcas que você usa, entre outras coisas. Se você compartilha, você está dizendo algo sobre você. Em última instância, é sobre autoexpressão.”

A propagabilidade prevê outras formas de pensar a “vida” de certo conteúdo, como por exemplo explorando nichos e aprofundando certos debates. Outro foco dos autores é a forma como as paixões mobilizam grupos e servem como agregadores.

E quais são os principais desafios das plataformas no futuro? Ford diz que não basta chamar o que antes se considerava viral de propagável — a proposta é possibilitar outras formas de relação e novas perguntas.

Sobre a cultura do cancelamento, poderia um governo, por exemplo, “cancelar” alguém? Podem as plataformas ser responsabilizadas pelo conteúdo postado por qualquer um de seus membros? A melhor forma de restringir fake news é apagando posts ou é possível pensar em outras alternativas, que foquem nas motivações para o compartilhamento?

“O que vemos no cenário da comunicação digital tem levantado tudo o que é magnifico, esperançoso, terrível e assustador sobre a natureza humana”, resume Ford. “Se não imaginamos os potenciais positivos para o futuro, é difícil trabalhar para ele. Essas novas tecnologias estão aqui, querendo ou não, seus aspectos positivos e negativos estão aqui, mas o que fazemos com elas está nas nossas mãos. As escolhas que tomamos importam. Quero que todos trabalhemos para conseguir o que é possível de transformação, mas precisamos pensar igualmente em como trabalhar para mitigar os aspectos negativos dessa mesma cultura.”

GLOSSÁRIO:

Influencer: Termo que nasceu nas redes sociais. Designa pessoas ou páginas com conteúdos muito consumidos. Apostas de marcas e empresas para divulgação de conteúdo.

Viral: Forma popular de designar conteúdo que se espalha com velocidade.

Propagável: Do inglês, spreadable. Propõe outra forma de pensar o que comumente se chama de viral. Foca nas motivações que levam ao compartilhamento de conteúdos.

Aderente: Modelo que entende os conteúdos como ganchos e no qual a meta é manter a pessoa na página, no aplicativo ou na plataforma pelo maior tempo possível.

Meme: Conteúdo que “pega”, “gruda” na cabeça, se espalha por meio de compartilhamentos e, em sua maioria, morre rápido.

Cultura participativa: Conceito que entende que a comunicação não parte de um interlocutor para um ouvinte inerte. Leva em consideração a recepção ativa e escolhas de engajamento e produção.

Nathalya Lomonaco Macchia é estudante de Cinema na FAAP

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