Revisitando — e revisando — a história do cinema

Na 25ª edição de Diálogos na Web FAAP, Flávia Guerra comenta sobre o filme ‘Alice Guy-Blaché: A História não Contada da Primeira Cineasta do Mundo’

LabJor
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5 min readNov 15, 2020

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Maria Paula Trilha Storti e pedro a duArte

Quando se pensa na origem do cinema, normalmente se lembra de Auguste e Edouard Lumiére (1862–1954 e 1864–1948), Thomas Edison (1847–1931), Georges Méliès (1861–1938) e D. W. Griffith (1875–1945). Todos deram contribuições importantes, mas será que apenas homens foram responsáveis pelo nascimento dessa arte? O filme Alice Guy-Blaché: A História não Contada da Primeira Cineasta do Mundo (EUA, 2020) mostra que não.

Pôster do filme. Foto: Divulgação

Dirigido por Pamela B. Green, o longa procura resgatar e relembrar as contribuições da cineasta francesa Alice Guy-Blaché (1873–1968), a primeira mulher a dirigir um filme, ainda em 1896. Em cartaz no Brasil desde 29 de outubro, o filme foi tema da 25ª edição do Diálogos na Web FAAP, em 10 de novembro, que contou com a participação da documentarista e jornalista Flávia Guerra.

“O filme para mim é isso: uma arqueologia”, resumiu Flávia. “Você se pergunta: ‘Como é que ficou soterrado? O que aconteceu que nem na escola de cinema me falaram da Alice? Acho muito interessante que a gente volte e veja que ela não está documentando, está criando storytelling (narrativa).”

É possível que, além de primeira cineasta, Alice Guy-Blaché tenha sido a primeira pessoa a contar uma história ficcional por meio do cinema com o curta A Fada dos Repolhos (França, 1896) e também a fazer uso de um close (plano fechado que foca no rosto da personagem). Mas a lembrança de suas contribuições desapareceu com o passar do tempo e é isso que o documentário de Pamela pretende resgatar: o pioneirismo da diretora francesa.

Cineasta francesa Alice Guy-Blaché (1873–1968). Foto: Mike Hayes / Collection Solax

“São todas técnicas. E isso sempre acontece na história: as pessoas vão descobrindo”, comentou Flávia. “Eu gosto muito da questão do close como linguagem, elemento narrativo. Obviamente alguém surgiria com isso, mas era algo tão natural para Alice que eu acho incrível o que ela trouxe nesse sentido.”

Flávia também destacou o humor e o sarcasmo presentes nas obras da diretora francesa: já no início do século 20, ela discutia questões de gênero com o curta-metragem As Consequências do Feminismo (França, 1906), que retrata de maneira bem-humorada um mundo onde os homens assumem papéis tido como femininos (como o trabalho doméstico) enquanto mulheres assumem papéis tidos como masculinos.

“Quando a gente fala de feminismo, (a discussão) fica muito marcada por uma questão apenas de movimento político. Mas é sobre esse jeito de olhar o mundo — na verdade, parte desse olhar. Eu acho que Alice tinha isso de brincar com as diferenças fazendo humor”.

O documentário A História não Contada… pontua como esse curta de Alice influenciou o diretor e montador russo Sergei Eisenstein (1898–1948) no retrato das mulheres no filme O Encouraçado Potemkin (Rússia, 1926). “O que Alice fez está no mesmo nível ou até superior em questão de qualidade artística e de produção”, pontuou Flávia. “Então não há por que ela não ter sido reconhecida pela história. É importante questionar: por que essa pessoa não entra para a história? Por isso acho esse documentário interessante: por observar o trabalho de alguém que tem valor cinematográfico histórico — como têm (D. W.) Griffith e os (irmãos) Lumiére. É nesse sentido que estamos discutindo aqui: uma autora que tem um valor histórico que a gente está redescobrindo.”

Documentarista e jornalista Flávia Guerra na 25ª edição de Diálogos na Web FAAP. Foto: Pedro A. Duarte

Ao ressaltar a importância de se registrar a história e preservar arquivos, o filme faz lembrar a situação da Cinemateca Brasileira, localizada na Vila Clementino, em São Paulo. De responsabilidade do governo federal, a instituição que guarda boa parte da memória do cinema nacional está sucateada, sem boa parte dos funcionários e de portas fechadas há mais de 300 dias. Em 4 de novembro, no encerramento da 44ª edição da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, trabalhadores do órgão receberam o Prêmio Humanidade pelos serviços prestados, mesmo sem terem recebido salários por falta de verba.

“A pessoas que estão no governo atual com a chave da Cinemateca tratam a instituição como uma geladeira da qual você mantém a luz acesa e diz que está tudo bem porque não queimou a luz”, comentou Flávia. “Para além da questão política, eles entenderam nada mesmo. Não entenderam o que é uma Cinemateca. Ela não é apenas para guardar (os filmes), é porque eles circulam em festivais. Para passar no Cinéma de la Plage, em Cannes; no Cinema Ritrovato, de Bolonha; ou numa sala onde quer que for para a gente fazer retrospectivas. É para isso que serve uma Cinemateca: para a gente continuar vendo os filmes e também (fazer) pesquisa. Então é muito difícil dialogar com pessoas que não entenderam o básico.”

Flávia terminou a 25ª edição do Diálogos provocando os participantes: “Pensem vocês em quem são as mulheres que escrevem ou falam sobre cinema que vocês gostem e indiquem para as pessoas. Porque a nossa visão também passa pelo olhar de quem pensa o cinema. Então a questão da diversidade também passa por isso: pelo olhar de quem interpreta”.

Participantes da 25ª edição de Diálogos na Web FAAP. Foto: Pedro A. Duarte

SERVIÇO:

ALICE GUY-BLACHÉ: A História não Contada da Primeira Cineasta do Mundo

Espaço Itaú de Cinema — Augusta: de quinta a quarta-feira, às 14h e às 18h

Espaço Itaú de Cinema — Frei Caneca: de quinta a quarta-feira, às 17h40

Espaço Itaú de Cinema — Pompeia: de quinta a quarta-feira, às 16h10 e às 20h30

Ingressos: R$ 41,80 (inteira). Disponíveis no site

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