CONVERSAS LABJOR FAAP

“Tendência da rede social é ser cruel. Todo mundo é culpado mesmo que se prove o contrário”

Apresentador do 'Big Brother Brasil', Tiago Leifert fala sobre o impacto da pandemia no programa, sobre jornalismo e sobre cultura do cancelamento

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Gianna Staniscia

Aos 40 anos, o jornalista Tiago Leifert já cobriu Olimpíadas e Jogos Pan-Americanos, foi editor-chefe do Globo Esporte e apresentador dos programas The Voice Brasil, de música, e o Zero 1, sobre cultura pop e games. Mas não tem dúvidas de que o Big Brother Brasil é a experiência mais complexa de sua carreira. “Todo ano é uma operação muito complicada”, resumiu.

Na segunda-feira, 22, Tiago conversou com alunos e professores da FAAP. Num bate-papo mediado pelo professor Thiago Costa, falou sobre sua transição do jornalismo para o entretenimento, sobre redes sociais, cultura do cancelamento e, especialmente, do BBB20, que já estava no ar quando a pandemia de covid-19 chegou ao Brasil. “Foi assustador, porque a gente não sabia se ia conseguir (terminar o programa), a gente ia no dia a dia”, contou.

Tiago Leifert, na conversa com o LabJor FAAP. Foto: Edilamar Galvão

BIG BROTHER BRASIL

Com duas categorias de participantes — Camarote e Pipoca — , o Big Brother Brasil deste ano foi desde o início considerado uma edição especial. No Camarote estavam pessoas conhecidas de alguma forma pelo público, sejam influencers, como Bianca Andrade e Rafa Kalimann, atores, como Babu Santana, ou cantoras, como Gabi Martins e Manu Gavassi. Já no Pipoca estavam pessoas anônimas, que se inscreveram e passaram pelo processo seletivo do programa para tentar concorrer ao prêmio de R$ 1,5 milhão.

Tiago conta que no momento em que a produção fechou o elenco, em dezembro de 2019, ele já sabia que viriam histórias boas. "Nossa maior preocupação era achar a outra metade do elenco. A gente precisava de gente competitiva, porque iria enfrentar, quando caísse o muro, pessoas que já tinham seguidores, que já tinham influência.”

No total, foram 98 dias de confinamento com muitas emoções, dancinhas, polêmicas, brigas e tomadas de decisões, principalmente quando surgiu a questão do novo coronavírus. Tiago contou, por exemplo, que havia dúvidas sobre contar ou não aos participantes o que estava acontecendo fora da casa. “O ser humano confinado funciona de uma forma completamente diferente. Eles são muito paranóicos lá dentro e eu tenho de tomar muito cuidado com o que eu falo para eles”, disse.

Ele lembrou que o ideal é que os participantes não saibam o que está acontecendo no mundo exterior, mas, ao perceber que a rotina do programa mudaria em função da quarentena, a equipe julgou importante falar sobre a covid-19. Fora da casa, medidas de segurança já haviam sido tomadas, como o uso de máscaras, produtos de higienização e transporte seguro para funcionários. No final, o programa não só continuou como ganhou mais quatro dias de duração. E teve como vencedora uma “anônima”: a médica Thelma Regina, grande personagem da edição.

Ao ser questionado sobre o resultado do BBB20, se havia sido uma surpresa um participante do grupo Pipoca ganhar o programa, o apresentador falou sobre a importância do engajamento da população, chamada de "sofá" nos bastidores do programa: “Quando o sofá abraça uma causa, é difícil (perder)”.

Para ele, a quarentena acabou impulsionando o crescimento do “sofá”. Com boa parte da população isolada em casa, o programa e as campanhas de votos viraram entretenimento. “O que a quarentena teve de maior efeito no Big Brother foi (trazer) gente nova, que não assistia ou tinha parado de ver, voltou a assistir o programa e viu que estava bom e que é um game.”

Antigos e novos telespectadores fizeram o programa bater novo recorde de votos em um paredão. A disputa entre Mari Gonzalez, Manu Gavassi e Felipe Prior teve 1,5 bilhão de votos e terminou com Prior eliminado da competição.

Sobre os comentários recorrentes em redes sociais de que tanto o programa quanto o apresentador acabam gostando mais de um personagem e o protegem dentro da casa, Tiago disse que se manter imparcial é a parte mais fácil para ele. “Eu venho do esporte. Torcia contra o meu time várias vezes porque queria audiência […] Eu torço para as melhores histórias […] A parte mais difícil é ser árbitro, é apresentar o programa ao mesmo tempo em que tenho de ser árbitro, reparar se merecem cartão amarelo ou vermelho. Sou árbitro e VAR. Essa é a parte mais legal e mais difícil também.”

Tiago também comentou sobre a complexidade das questões técnicas. “É a operação mais complicada do mundo. Não tem nada parecido.” Segundo ele, jornalistas, roteiristas, diretores e operadores de câmeras fazem o Big Brother Brasil acontecer. Cada um cuidando de sua parte e prestando atenção aos mínimos detalhes. “Dramaturgia sem roteiro, ao vivo, na hora, é muito difícil de fazer.”

O apresentador ainda foi questionado se acredita que o BBB evolui juntamente com a sociedade. E contou que não se pensa nisso durante as seletivas. “O que queremos são pessoas interessantes, que façam o jogo andar e que o programa fique legal de assistir. Mas claro que as pessoas também trazem de fora para dentro assuntos que estão em pauta e do lado de fora as pessoas acabam projetando no Big Brother o que elas estão vivendo. 2019 foi um ano muito politizado e isso acabou fazendo com que as pessoas jogassem isso no programa. Mas não é a vocação do Big Brother. Ele é um programa eliminatório e de entretenimento, que vez por outra traz assuntos relevantes. Eu acho que funciona melhor quando vai de dentro para fora do que de fora para dentro.”

Sobre o próximo BBB21, Tiago disse que nada ainda pode ser revelado, mas que continuará prezando pela competição: "Ser competitivo é: 'Quero destruir meu adversário, quero eliminar, quero ganhar!' É isso que faz o programa ir para frente.”

Tiago Leifert, na conversa com o LabJor FAAP. Foto: Edilamar Galvão

O PESO DAS REDES SOCIAIS

No BBB desde 2017, Tiago Leifert conta que, a partir de 2010, as redes sociais passaram a ser um fator importante no andamento do programa. Muitas críticas e apontamentos de coisas erradas na casa vinham e ainda vêm por esse canal. No começo, ele diz, elas assustavam, mas hoje em dia o monitoramento de postagens nas redes sociais é feito com muito cuidado para “não cair na pilha”, pois “muitas vezes a rede social erra”.

“A tendência da rede social é ser muito cruel, se adiantar no julgamento. Na rede social, todo mundo é culpado mesmo que se prove o contrário. E isso não é vida real, isso não é o que uma empresa séria pode levar tão a sério. Temos de tomar cuidado. Monitoramos, mas não tem mais o susto de antes.”

Para lidar com essa dinâmica, Tiago adota uma escala de crise: “Começa um foguinho nas redes sociais e você tem de monitorar para ver aonde vai. Se passar para os canais online, você presta mais atenção. Se depois passar para a televisão, aí tem de começar a se preocupar fortemente.”

Do mesmo modo, Tiago considera importante ser cauteloso com a chamada "cultura do cancelamento". Eleita como o termo do ano de 2019 pelo Dicionário Macquarie, ela propõe interromper o apoio a uma empresa, a artistas e/ou produtos após alguma postura considerada inaceitável.

No BBB20, um dos motivos para o próprio Tiago ter sido “cancelado” foi por não ter tratado mal o participante Hadson em sua eliminação. “Não é meu papel. Ele já foi eliminado. Eu sou só o apresentador do programa. O apresentador dita o tom da plateia. Se eu o recebo com pedras na mão, é perigoso.”

Segundo Tiago, conversar com os eliminados se tornou mais fácil depois do início da pandemia, quando a presença da plateia foi suspensa. “Estamos com pressa de cancelar as pessoas na internet, mas e quando a gente erra, qual o preço do erro?”, perguntou, fazendo uma metáfora com a pena de morte nos Estados Unidos: “Alguns Estados pararam de fazer por medo de errar. Podem acertar 30 vezes, mas se errarem uma ferrou. Meu problema com a cultura do cancelamento é: você pode acertar sempre, mas, se errou uma, tem que acabar”.

Tiago Leifert, na conversa com o LabJor FAAP. Foto: Edilamar Galvão

DO JORNALISMO PARA O ENTRETENIMENTO

O mesmo princípio ele adota em relação ao jornalismo. O apresentador que começou sua graduação na PUC São Paulo e concluiu seus estudos na Universidade de Miami, nos Estados Unidos, diz que não pensa mais em deixar o entretenimento.

Para ele, o jornalismo atravessa uma fase ruim e há profissionais que não fazem corretamente o trabalho rigoroso de checagem necessário na produção da notícia. Ele mesmo disse ser vítima de erros de apuração e deu como exemplo uma notícia de que sua saída do Twitter tinha sido para fugir de críticas ao BBB. Tiago diz que, depois de confrontado por ele, o veículo admitiu o erro. “Minha linha vermelha é a da mentira; quando mente, eu interpelo. Eu tinha saído do Twitter havia meses, já não escrevia havia um ano e meio.”

Para Tiago, o jornalismo esportivo que fazia quando estava à frente do Globo Esporte fez a transição do jornalismo para o entretenimento ser mais fácil: “Eu acho que estava muito mais próximo do entretenimento do que do jornalismo desde a hora em que eu entrei. Sempre fui meio rebelde no jornalismo, porque achava que o esporte não podia ser tratado só como jornalismo. É importante que ele seja jornalístico porque você tem algumas prerrogativas e obrigações importantes. Mas, no fundo, é entretenimento, pois (sem o esporte) a vida segue. Já sem o jornalismo a vida não segue. Então, esporte é muito mais entretenimento, ele só usa de ferramenta o jornalismo.”

É fundamental, independentemente da área em que esteja, no entanto, que apresentador tenha repertório. “O bom apresentador tem de ser jornalista, saber editar, tem que ter conteúdo, tem que conhecer o programa completamente. E, na hora que der problema ao vivo, ter calma”, afirmou.

Questionado sobre como encara a transição de linguagem do Youtube para a TV, como faz em seu programa Zero1, Tiago disse que “a linguagem do Youtube funciona em alguns lugares, mas é essencial sempre ser espontânea e "casar" (com o programa).

No fim da conversa, o professor Thiago Costa, que foi colega de Tiago Leifert no curso de Jornalismo da PUC, lembrou que, quando estava indo para os Estados Unidos, o hoje apresentador mandou um e-mail para a sala dizendo que queria ser o maior locutor esportivo do Brasil. "Os sonhos mudam e tudo bem”, completou o professor. Tiago Leifert aproveitou então para dar um conselho aos alunos: “Cuidado com os sonhos, não pode se apegar a eles. Aproveitem as coisas que aparecem. Não existe jeito certo de começar. Cada um tem seu caminho e o importante é achar um que te deixe mais feliz do que triste. Não tenham medo dos sacrifícios da profissão”.

Alguns participantes da conversa com Tiago Leifert. Foto: Edilamar Galvão

TIAGO LEIFERT NA QUARENTENA

O que ele tem jogado:

  • Cities Skylines — jogo de construção de cidade singleplayer produzido pela Colossal Order;
  • Offworld Trading Company — videogame de estratégia em tempo real desenvolvido pela Mohawk Games e publicado pela Stardock;
  • Kerbal Space Company — jogo de simulação espacial, criado pelo designer Felipe Falanghe e produzido pela empresa mexicana de multimídia Squad;
  • Prison Architect — jogo de construção e gestão de simulação de uma prisão particular desenvolvido e publicado pela Introversion Software;
  • Red Dead Redempition 2 — jogo eletrônico de ação-aventura desenvolvido e publicado pela Rockstar Games;
  • Minecraft (com a sobrinha) — jogo eletrônico sandbox de sobrevivência criado pelo desenvolvedor sueco Markus “Notch” Persson e posteriormente desenvolvido e publicado pela Mojang Studios.

O que ele tem assistido:

  • Smithsonian Channel — canal de televisão por assinatura que exibe documentários, séries e filmes relacionados ao universo científico;
  • Billions — série americana sobre um procurador federal que inicia uma investigação contra um bilionário;
  • The Mandalorian — parte de Star Wars, conta a saga de um guerreiro solitário por territórios esquecidos e marginais do espaço, logo após a queda do Império e antes da criação da temida Primeira Ordem.

Gianna Staniscia é aluna de Jornalismo da FAAP

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