Uma Rússia no coração de São Paulo — ou melhor, na Zona Leste de São Paulo

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7 min readMay 18, 2018

Feira na Vila Zelina, na Zona Leste de São Paulo, traz a diversidade da cultura leste-européia

Por Sabrina Antoun e Gabriela Ghiraldelli

Fotos de Mariana Garcia

Irina Ignatenko/ Foto: Mariana Garcia

Na extensa rua Aracati Mirim, no espaço de uma quadra ao lado do Parque Ecológico da Vila Prudente, 50 expositores se reúnem — número reduzido a em torno de 15 em dias de chuva — uma vez ao mês na movimentada Feira Cultural Leste Europeia de São Paulo. Ali tem-se a oportunidade de conhecer um pouco mais sobre a culinária e o artesanato típicos dos países do Leste Europeu, como a Croácia, República Tcheca, Romênia e Rússia.

O clima animado encanta os frequentadores — de crianças a idosos — e os expositores. Margarit Vratsyan, armênia de 32 anos, além de trabalhar com traduções, faz artesanato armênio para a feira. “Eu acho o ambiente nessa feira muito caloroso. É bem agradável ficar aqui — quando não chove, principalmente”.

Rosana Madjarof, 57, descendente russa, é expositora de comidas típicas e reforça o ambiente contagiante da feira: “Fico ansiosa para a data da feira e fico triste na hora que termina. É uma feira muito família. Você vê que é uma feira diferenciada, as pessoas têm interesse de estar aqui”.

Adriana de Oliveira e Gabriel Toea/ Foto: Mariana Garcia

A brasileira Adriana de Oliveira, 42, cuida da barraca romena junto com seu marido, Gabriel Toea, romeno de 55 anos. Lá, podemos encontrar doces, aguardentes e licores típicos, como a palinka — bebida alcoólica a base de frutas que se aproxima de whisky. Mas antes de qualquer comida ou bebida, o que convida o frequentador é a curiosidade. Um grande banner na frente da barraca com a frase “a Romênia não é só o conde drácula”, estimula a vontade de conhecer um pouco mais do país e ouvir as histórias de Gabriel.

Adriana afirma que a importância da feira vai além de complementar a renda: “Na verdade, nós começamos para fazer propaganda disso” aqui, diz, apontando para a palinka, “e acabamos descobrindo que o dinheiro era bom e continuamos. É muito divertido, aqui nós temos a liberdade de poder estar com pessoas alegres — o que não temos no nosso trabalho”. Adriana é formada em Direito e seu marido, Gabriel, é engenheiro de materiais.

Propaganda Kvass/ Foto: Mariana Garcia

Mas há algo além da alegria — a cultura. Para os expositores, o fundamental é a sede de curiosidade dos frequentadores: “É muito curioso perceber o interesse das pessoas pela nossa feira, pela nossa cultura”, diz a russa Albina Khusnetdinova, que divide uma barraca de pães com um lituano. O que mais chama a atenção em seu stand é o kvass, bebida feita a base de pão com teor alcoólico — 0,5%. Ao lado da barraca, uma propaganda da Kuass, traz a marca Coca-Cola riscada com um “X” e a intervenção “Diga não ao Imperialismo”.

Carlos, engenheiro de 59 anos, foi à feira pela segunda vez. Em frente ao stand de Margarit, afirma que o que lhe chama atenção na feira, além da comida, é a grande quantidade de objetos autênticos de cada cultura, como é possível ver no artesanato armênio da Margarit.

Barraca Margarit/ Foto: Mariana Garcia

“É uma troca de energia muito boa, porque todo mundo faz aqui o que aprendeu com os seus antepassados. Eu tenho orgulho de ser brasileira e orgulho de meu país receber tanta gente de braços abertos, espero que continue assim”, diz Katia Gavranich Camargo, brasileira de 51 anos com descendência croata. Além de ser produtora cultural, ela faz receitas típicas, como pušurata (diz-se puchurata), receita que lembra um bolinho de chuva, a não ser pelo licor de cereja e as raspas de laranja. A receita é bem famosa na comunidade croata, e é passada de geração em geração. Ela também é autora de um livro de receitas típicas, “Croácia: Cozinha e Memória Dálmata” (Escrituras, 2014).

Uma das barracas que se sobressai pela decoração típica russa é a de Irina Ignatenko, que participa da feira desde seu primeiro ano em 2008, quando participavam apenas seis expositores. Sua barraca é uma das mais vistosas da feira e, por isso, uma das mais visitadas.

Irina chegou no Brasil com 18 anos, em 1999, e é formada em Contabilidade. Nascida na Moldávia (atual Moldova), região que integrava a extinta União Soviética, já morou na Sibéria e conhece muito bem a Ucrânia — seu pai era ucraniano — além de cidades como Moscou e São Petersburgo. Essa bagagem cultural lhe deu a oportunidade de conhecer e comercializar doces, salgados e bebidas típicas russas.

Doces e tortas/ Foto de Mariana Garcia

Entre os doces temos o oreishki, biscoitinho de massa assada e recheado com doce de leite e nozes; o medovik, receita de bolo de mel e nozes; e também os chocolates, poucos conhecidos no Brasil, mas muito famosos na região eslava, como o alenka (ou alyonka). Este chocolate do período da União Soviética tem diferenciados sabores, como uva e, numa versão mais moderna, até de castanha-do-pará; há também o Vdokhnovenie (diz-se veudepavenie), com embalagem decorada com bailarinos que remetem à famosa tradição russa.

No geral, os chocolates não são tão doces como os brasileiros, mesmo o cacau sendo importado daqui para a Rússia. Mas como não se vive só de doce, também encontramos pratos salgados: como o pirozhki, pastel assado que pode ser recheado com carne moída ou vegetais, e o pelmeni, uma massa que lembra o ravióli da culinária italiana, sendo recheado de carne moída. Ele pode tanto ser cozido, como assado ou frito.

Zubrowka/ Foto: Mariana Garcia

E não poderia faltar a vodka, o carro chefe da representação da cultura russa ao redor do mundo. A Zubrowka, por exemplo, é famosa na Rússia. Esta vodka, bem forte e encorpada, tem um jeito especial de se beber. Quem explica é a própria Irina: “solte o ar, vire a dose toda, engula, puxe o ar pelo nariz, e depois solte de novo”. E para curar a ressaca? Uma bebida não alcóolica, o kompot — feita à base de frutas naturais, como morango, ameixa e maçã. É bem doce — um refresco no verão russo.

As diferenças entre o Brasil e a Rússia não ficam somente na comida. Segundo Irina, existem divergências também no campo dos costumes e tradições. Na Rússia, não se tem o costume de entrar com sapato em casa. Segundo ela, isso ocorre por que a limpeza fica por conta dos moradores, e não é comum empregados contratados para limpeza. Também não se deixam garrafas vazias em cima da mesa, pois acredita-se que elas trazem má sorte.

Matrioscas/ Foto: Mariana Garcia

Segundo Demetrio Dimitrov, 53, descendente de russos que vieram da região da Moldávia, e um dos organizadores da Feira, o povo russo em geral é muito alegre e receptivo. Essa alegria pode ser destacada no feriado do dia 9 de maio, conhecido na Rússia como o Dia da Vitória. A data representa o tratado assinado entre os Aliados na Segunda Guerra Mundial e a Alemanha, pondo um fim no domínio nazista na Europa. Para Irina, assim como a maioria dos russos, é uma data de extrema importância, uma vez que as histórias de guerra são muito presentes e quase todos os russos têm parentes que lutaram ou foram mortos na guerra.

Um grande símbolo dessa vitória é a Chama Eterna, que nunca se apaga e fica na Praça Vermelha, em Moscou. Há réplicas pelo país, principalmente naquelas cidades que foram campos de batalha, como Stalingrado (atual Volgogrado). A Guerra Patriótica, o nome designado pelos russos à Segunda Guerra Mundial, é lembrada durante o mês de maio inteiro. A fita de São Jorge, o santo guerreiro, representa a medalha das tropas soviéticas. “É uma homenagem que estamos lembrando dos soldados que lutaram por nós na Guerra, para que possamos estar livres aqui e na Rússia”, diz Irina Ignateko.

Com o pôr-do-sol refletindo entre os stands e as árvores do parque ecológico, vê-se que a feira está chegando ao seu fim. Dentre tantos personagens, doces, bebidas, barracas e conversas, ao final do dia, os feirantes têm um objetivo em comum: aproximar o brasileiro de seus próprios hábitos e tradições.

Feira do Leste Europeu/ Foto: Mariana Garcia

Serviço:

A feira funciona das 10h às 17h na Rua Aracati Mirim, no bairro do Jardim Avelino, Zona Leste de São Paulo. Um caminho mais curto para a Rússia.

Para mais informações, acesse o site da Associação de Moradores da Vila Zelina:

Gabriela Ghiraldelli, estudante do curso de jornalismo na FAAP e repórter do LabJor FAAP.

Sabrina Antoun, estudante do curso de jornalismo na FAAP e repórter do LabJor FAAP.

Mariana Garcia, estudante do curso de cinema na FAAP e repórter do LabJor FAAP.

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