“Vingança em clima de faroeste”

CINE#LABJOR na Mostra: Cano Serrado

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3 min readOct 29, 2018

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Divulgação / Mostra Internacional de Cinema

por Leonardo Lopes

Cano Serrado. Idem, Brasil, 2018. De Erik de Castro.

Num restaurante beirando a estrada, sentam-se dois colegas, policiais, vividos por Paulo Miklos e Jonathan Hageensen. Um toma cerveja, o outro prefere suco; aquele, embora casado, procura as moças da mesa ao lado e transa com uma delas, enquanto este recusa o convite. Em uma sequência, os recursos da produção nos oferecem, sem grande sofisticação, um entender moral do que representam aqueles dois personagens a partir de elementos que os distinguem, extirpando a redundância da exposição. A única, ao longo dos 86 minutos de Cano Serrado, que realiza bom uso da linguagem.

Nesta “história contemporânea de vingança com clima de faroeste”, conforme a descrição para o catálogo da Mostra Internacional de Cinema, não nos resta muito tempo de compreensão do contexto até que nossos protagonistas — à vera, ex-protagonistas — sejam violentamente atacados no município fictício de Cotas, perdido nos confins do interior brasileiro. Não por criminosos, mas pelo grupo do sargento Sebastião (Rubens Caribé), em ato representativo de uma das mais sujas facetas nacionais: a da corruptiva violência das autoridades.

Determinada a negar a capacidade de aferição do espectador, a narrativa nos encaminha a um processo de tortura no qual o violentado Luca (Hageensen) implora para que o libertem através de afirmações como a de que é “de família”, “pai”, “religioso” e que está a caminho de um “evento de caridade da igreja” — compreensíveis até certo ponto num contexto de apelo por piedade. Os responsáveis por torturá-lo respondem que “caridade de cu é rola”, “a maioria de nós vai pro inferno mesmo” e outra porção de frases de impacto — conforme os tons heavy de guitarra da trilha e os planos em contra-plongée sugerem sem qualquer traço de sutileza, mas que nem aos ouvidos mais desavisados soarão como pertencentes ao contexto no qual são ditas. Exceto, claro, pela justificativa do persistente reforço da crueldade daquelas figuras em oposição à pureza cristã do encarcerado.

Não basta, porém, que o texto seja persistentemente óbvio na condução do conflito que desencadeia a narrativa: a fidelidade à proposta deve abarcar, também, o processo de resolução da trama. Para tal finalidade, somos apresentados à “polícia da capital” — este, pasmem, é mesmo o seu nome — e à “polícia do interior”, ambas compostas por caricaturas — figuras imponentes, de fala formal e postura civilizada de um lado, sujeitos caipirescos e desleixados do outro — que nos façam engolir rapidamente o que caracteriza seus segmentos — afinal, o longa-metragem não teve tempo de oferecê-las qualquer tipo de substância, apostando em trejeitos caricatos e, outra vez, frases de efeito bregas (“Na nossa cidade mandamo nóis”, profere o delegado de Cotas) como recurso suficiente para compô-las.

Enquanto um longo flashback alimenta com algum tipo de bagagem humanizadora o mais cruel personagem de Cano Serrado (sargento Sebastião), nos percebemos bruscamente encaminhados para o desfecho que, por meio de um breve pacote de sequências, se desenrola num grande e mirabolante esquema de corrupção policial até chegarmos ao célebre “confronto final” que deixará os mais sedentos por sangue excitados. Para todo o resto, ainda será animador concluir que estaremos próximos do fim da cafonice.

Saiba mais sobre o filme em sua página na Mostra.

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