ZIRALDO: PARA ALÉM DO ‘MENINO MALUQUINHO’
Além de assinar cartaz da 45ª Mostra, cartunista é homenageado com exibição de dois documentários: ‘Ziraldo — Uma Obra Que Pede Socorro’ e ‘Ziraldo — Era Uma vez Um Menino’
Giulia Nascimento e Luiza Lindner
Aos 89 anos recém-completados, Ziraldo marca presença na 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo com um cartaz cujo traço desenvolveu nos anos 1970 e a exibição de dois documentários: Ziraldo — Uma Obra Que Pede Socorro, de Guga Dannemann (Brasil, 2020), e Ziraldo — Era Uma Vez Um Menino, de sua filha Fabrizia Pinto (Brasil, 2021).
Composto quase que inteiramente por entrevistas, o primeiro conta a história da obra Mural do Canecão, pintada por Ziraldo no Rio de Janeiro em 1967 e que, segundo o próprio cartunista, definiu seu traço tão característico, conhecido de tantos brasileiros.
O Mural do Canecão foi produzido no ápice da ditadura militar (1964–1985), como uma crítica ao regime, na famosa casa de shows que dá nome ao mural e onde também deixaram sua marca nomes famosos como Cazuza (1958–1990) e Raul Seixas (1945–1989).
Ao longo do documentário, a obra é comparada a Guernica, de Pablo Picasso (1881–1973), pintor que Ziraldo revela ser uma de suas grandes influências pela simplicidade dos traços — o que o artista brasileiro diz querer sempre levar as próprias obras.
Composto como se fosse uma Santa Ceia, mas com militares à mesa e com a presença de muita cerveja, o Mural do Canecão foi considerado uma obra transgressora pelo governo militar.
Com 32 metros de largura e 6 de altura, o Mural é maior que Guernica e demorou seis meses para ser finalizado. Hoje abandonado dentro da antiga casa de shows, ele está se deteriorando. O documentário Ziraldo — Uma Obra que Pede Socorro alerta assim para o estado da pintura, considerada por muitos historiadores das artes como uma das obras murais mais importantes da história do Brasil.
Já o documentário Ziraldo — Era Uma Vez Um Menino, se propõe a contar a história do cartunista por meio de depoimentos e entrevistas concedidas pelo próprio artista, em que ele reflete sobre seu processo criativo, sua vida e a situação do Brasil.
Muitos conhecem Ziraldo exclusivamente pelo Menino Maluquinho, personagem introduzido na escola para diversas crianças. A coordenadora de pós-produção do documentário, Ana Luiza Camargo, de 23 anos, contou ao LabJor FAAP que seu primeiro contato com o Ziraldo foi por meio desse livro, em uma atividade da escola, quando era pequena. “Lembro de algumas charges em jornal e sempre gostei do estilo de desenho que ele tem”, disse.
Segundo informações do verbete Ziraldo da Enciclopédia do Itaú Cultural, o artista iniciou sua carreira ainda muito novo. Aos sete anos, teve um desenho publicado no jornal Folha de Minas e, desde então, seu traço só avançou. A carreira como ilustrador começou de fato em 1952, na revista Era Uma Vez, para a qual fazia contribuições mensais. Aos 22 anos, ele começou a desenhar uma coluna de humor em outro jornal, Folha de S. Paulo. Em 1960, antes de escrever seu grande sucesso, O Menino Maluquinho, Ziraldo lançou a revista em quadrinhos Turma do Pererê, a primeira HQ brasileira em cores.
Além de sua produção dedicada ao público infantil, Ziraldo foi, como o próprio mural do Canecão pode atestar, uma importante figura de oposição à ditadura militar. Juntamente com outros artistas e humoristas, ele é um dos criadores da revista O Pasquim, publicada entre 1969 e 199, e considerada um dos principais veículos de contestação ao regime.
O semanário foi lançado em junho de 1969, seis meses depois ser decretado o AI-5, ato institucional que cassou direitos e restringiu liberdades, e logo caiu nas graças do público e no radar do regime militar.
A partir do fim de outubro de 1970, Ziraldo e quase todos os companheiros de redação acabariam presos pelos militares. Episódio que tampouco deixou de ser retratado com humor ácido na capa do O Pasquim.
Cartunista, cronista, chargista, escritor, jornalista, pintor e ilustrador, Ziraldo, entretanto, também incursionou com sua arte no mundo do cinema tendo assinado pôsteres para filmes nacionais, como Os Fuzis, de Ruy Guerra (1964).
O cartaz da 45ª Mostra
Desde sua primeira edição, a Mostra anualmente convida profissionais renomados para criação do cartaz. Entre eles, profissionais das artes visuais, da fotografia e do cinema. O primeiro pôster foi feito pelo próprio fundador do festival, Leon Cakoff (1948–2011) e nos anos seguintes assinariam os cartazes nomes como o da artista plástica japonesa Tomie Ohtake (1913–2015), do diretor e roteirista italiano Federico Fellini (1920–1993), dos irmãos grafiteiros OSGEMEOS e o criador da Turma da Mônica, Maurício de Souza.
Segundo o site da Mostra, o cartaz de Ziraldo feito para este ano mostra “um viajante espacial que vê o que ninguém mais vê, incluindo o planeta Terra, de bem longe!”. Para a diretora da Mostra, Renata de Almeida, seu propósito foi homenagear o público, que, segundo disse na coletiva de imprensa realizada no dia 9 de outubro, forma a cada momento ideias e percepções singulares sobre o cartaz, seu significado e sua representação do mundo.
Para o doutor em Comunicação pela ECA-USP e professor da FAAP Martin Cezar Feijó, Ziraldo é uma figura extraordinária e “jornalista em primeiro lugar”. “Dizer do cartaz da Mostra de Cinema é falar exatamente da companhia que ele faz a grandes artistas que também ilustraram grandes cartazes nesses 45 anos. Então, é realmente uma homenagem e ao mesmo tempo uma satisfação ter uma arte desse tamanho participando de um evento tão importante na cidade de São Paulo que é a Mostra de Cinema.”
Ana Júlia Ribeiro, apresentadora da Expocine, professora da FAAP e colunista na revista Exibidor, explicou para o LabJor FAAP a importância do pôster de Ziraldo para o audiovisual brasileiro. “Quando observei o cartaz pela primeira vez, me veio à mente que nós, indivíduos, somos, como Edgar Morin já afirmava, poeiras de estrela”, disse, fazendo referência ao autor de O Cinema ou o Homem Imaginário — Ensaio de Antropologia Sociológica (2014).
Ana Júlia completou sua análise associando o cartaz à própria experiência do cinema em relação à vida. “A finitude é certa em uma hora incerta, e eu acho que a contemplação do personagem diante de um mundo tão pequeno e, ao mesmo tempo, um universo tão vasto de possibilidades faz com que a gente vá para o cinema e consiga ressignificar a nossa existência, por um mecanismo de projeção e identificação.”
SERVIÇO
Ziraldo: Uma Obra Que Pede Socorro pode ser alugado na Mostra Play até 4 de novembro de 2021 ou até o filme atingir 1.200 visualizações. Preço: R$12
Após ser alugado na plataforma, o filme fica disponível na biblioteca da conta do comprador pelas próximas 72 horas se não for iniciado. Caso seja, ficará disponível por 24 horas
Já o documentário Ziraldo: Era Uma Vez Um Menino poderá ser visto apenas em sessões presenciais. Ele está programado para ser exibido no Espaço Itaú da Augusta em 2 de novembro, às 21h15, e no Espaço Itaú do Frei Caneca em 3 de novembro, às 16h20
Compras e reservas de ingressos para sessões presenciais devem ser feitas no aplicativo da Mostra ou no site Velox Tickets. Ingressos ficam disponíveis para reservas para portadores de credenciais a partir das 9 horas dois dias antes da exibição do filme e às 10 horas para compra de ingressos individuais.
Giulia Nascimento é aluna do sétimo semestre de Cinema na FAAP e de especialização em Roteiro da UCLA Extension
Luiza Lindner é aluna do segundo semestre de Jornalismo da FAAP
Sob supervisão da Profa. Edilamar Galvão