Os muros também contam histórias

A expressão da arte da periferia nas paredes da capital

Jornalismo 2017
Laboratório da Notícia
5 min readNov 29, 2017

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Por Aline Anúzia, Danielle Lima e Virgínia Fróes

Arbus e um dos seus trabalhos realizados no espaço Mahalila Café e Livros no bairro Potilândia em Natal, RN. (Foto: Virgínia Froes)

Augusto Furtado, 32 anos, é formado em Publicidade e Propaganda, trabalha com direção de arte e ilustração digital. Já o seu alter-ego, Arbus, é grafiteiro há 6 anos, com mais de cem obras espalhadas por Natal e em outras cidades do Nordeste.

Inspirado em um apelido inventado por sua irmã, ele usa o personagem como um ser que transita entre dimensões e que vem ao nosso universo para se expressar por meio de sua arte. Em um papo descontraído, conversamos com o artista em frente a um de seus trabalhos, no muro do Mahalila Café e Livros.

Arbus queria ser artista e começou pintando telas, em sua busca por algo mais criativo, acabou se encontrando no grafite. Foi ao observar os muros do bairro onde mora que o interesse pela arte urbana nasceu, nesse espaço ele encontrou a oportunidade de se expandir profissionalmente e estabelecer um contato com a comunidade; “Acho mais empolgante desenhar coisas grandes, ir para o além da arte em tela. Pintar na rua faz com que a gente estabeleça um diálogo com a cidade, o grafite é comunicação”.

Trabalho realizado em parceria com Stomp, outro artista local. Está localizada na Avenida Salgado Filho. (Imagem: Aline Anúzia)

Arbus conta que entre as suas referências estão os artistas Cranio, os Gêmeos, Sinhá e o pessoal da FDM Crew. No início, a internet foi uma ferramenta importante para o aprendizado, além de ajudar a se enturmar com os veteranos já estabelecidos em Natal. Ao perceber que cada artista tinha o seu próprio estilo, sua maneira de desenhar e usar a tinta, ele comenta: “No grafite, você primeiro vê a arte pra depois conhecer quem produziu, e é sempre uma vivência diferente”.

Arte recém produzida nos muros do bairro Neópolis. (Imagem: Aline Anúzia)

Ele diz que os grafiteiros locais são bastante receptivos e não há preconceito com os novatos. “Eles são acolhedores como uma igreja, metaforicamente dizem ‘sejam bem-vindos’ aos novos interessados” (risos). Essa facilidade em se inserir no ambiente faz com que o movimento ganhe mais força e contribua com a cena artística da cidade. “Sempre presto atenção nos muros e rola uma surpresa quando vejo um desenho novo. É interessante sentir a ocupação desses espaços” afirma.

Ao contrário do que pensam, o grafite não tem como objetivo ornamentar a cidade e poucos artistas trabalham com esse fim; “É algo territorialista, você tá ali pra deixar a sua marca”.

A estética de Arbus prioriza as cores marcantes, como o amarelo, bem salientada na arte localizada no presépio de Natal. (Imagem: Aline Anúzia)

Os desenhos de Arbus são marcados por personagens geralmente amarelos, com o nariz laranja e olhos expressivos. É esse personagem que transita entre esse o mundo o real e o lúdico, dialogando com a comunidade por meio dos muros.

“Gosto de pintar em lugares degradados, abandonados, lugares onde geralmente os usuários de drogas passam. Eles sempre fazem uma leitura específica, que transforma o ambiente e isso é muito interessante.”

Apesar da popularidade ganhada pela arte urbana nas últimas décadas, parte desses profissionais ainda lidam com certo descrédito, como diz Arbus: “Ninguém quer pagar por arte, não há valorização adequada pelo nosso trabalho.” Durante suas intervenções artísticas, o grafiteiro já chegou a ser parado pela polícia, levou sermão e foi chamado de vagabundo.

Além disso, problemas com a prefeitura de Natal são recorrentes: calote em artistas contratados para eventos e trabalhos por exemplo, escancaram a falta de cuidado do poder público frente a cultura local. “Gostaria que a prefeitura apoiasse os mutirões de grafite, e oferecesse incentivo financeiro maior para as artes ou um suporte de material, ceder alguns espaços públicos para o grafite também.”

Detalhe das cores utilizadas por Arbus (Imagem: Aline Anúzia)

Arbus também destina-se frequentemente a estabelecer um vínculo com a população, fato comprovado diante inúmeras participações em eventos sociais, a exemplo da Ecopraça e o INarteurbana ocorridos recentemente na cidade de São Miguel do Gostoso e no bairro Passo da Pátria respectivamente.

“Me esforço para conhecer a comunidade onde estou grafitando, quero me aproximar da galera. Tento criar algo que dialogue com o cotidiano local”. Nesse sentido, ele defende que a arte deve interagir com a sociedade, principalmente em regiões mais carentes, onde o acesso a esse tipo de informação tende a ser mais escasso. Ao ser questionado sobre a sua melhor experiência na rua, ele afirma; “Foi no Passo da Pátria, onde passei cerca de três meses realizando trabalhos por lá. As crianças são muito amorosas e cuidam umas das outras. É um cotidiano completamente diferente, alguns jovens são criados nas ruas e expostos à violência, por isso é tão importante fazer com que a arte circule por esses lugares.”

“É recompensador, eu faço isso de graça”. E ele ainda salienta: “Na periferia, a gente vira o professor. Juntam-se vários garotos diante nós, as pessoas oferecem até almoço, diferentemente de um bairro elitista por exemplo, onde geralmente chamam a polícia”

Localizada próximo ao bairro Candelária, outra característica marcante nos trabalhos de Arbus são os rostos bastante expressivos. (Imagem: Aline Anúzia)

E pra quem quer se aventurar no mundo do grafite, Arbus dá a dica: “Crie algo autêntico, que tenha a ver com você e não ligue para o que as pessoas pensam. Ah, e pinte de dia porque pintar de noite é sujeira! (risos).

Vídeo publicado no canal do youtube de Arbus. Autoria e edição desconhecida.

Para conhecer mais o trabalho de Arbus, acompanhe nas redes sociais: https://www.facebook.com/Arbus.arts/

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