Jornalismo 2017
Laboratório da Notícia
6 min readNov 29, 2017

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CONHEÇA AS HISTÓRIAS DE ANA E HEBERT: OS “AMBULANTES” ACADÊMICOS.

Por Mycleison Costa e Ranyere Fonseca

Foto: Mycleison Costa

Encontrar colegas de sala de aula vendendo brigadeiros, empadas, bolos de pote e outros tipos de guloseimas faz parte do cotidiano dos estudantes da UFRN. No entanto, ao contrário do que alguém possa imaginar, as razões responsáveis por levar os alunos a venderem alimentos não consistem apenas na necessidade financeira. Existem alunos que vendem no intuito de custear suas eventuais festas no fim de semana ou mesmo visando aproveitar grandes liquidações; e existe sim, alunos necessitados que pretendem, com o dinheiro ganho nas vendas, ajudar a família e bancar custos como refeições e passagens de ônibus, por exemplo. Visando essas histórias tão díspares conheceremos a Ana e o Hebert, alunos e vendedores.

Foto: Mycleison Costa

“Não tem como desistir!”, declara a sorridente Ana Dantas da Silva (21), estudante do quarto período de jornalismo. Ana vende as famosas empadas no Departamento de Comunicação Social da UFRN, no entanto, para tristeza dos seus colegas-clientes, a produção destas se vê ameaçada por causa da rotina exaustiva de Ana. Ela é bolsista no Centro de Educação. O seu turno começa às 8 da manhã; e, para chegar a tempo, ela necessita acordar às 5 horas, visto que mora em Parnamirim e o tempo de duração da viagem é de uma hora de transporte público. O expediente da bolsa se encerra ao meio dia. Na hora seguinte, Ana já deve estar na sala de aula e só chegará em casa às 21 horas. “Chego em casa muito cansada e não quero fazer nada, mas quando dá 22 horas vou fazer as empadas. Só dá para dormir depois que elas ficam prontas, geralmente, de meia noite”, conta.

Foto: Mycleison Costa

Para a felicidade dos amantes de doces que estudam na UFRN, o jovem Hebert Medeiros de Souza (21), estudante do sétimo período do curso de Ciência e Tecnologia, é mais um dos estudantes da universidade que aderiu à estratégia de ganhar uns trocados saciando o desejo alheio. Natural da cidade de Currais Novos, interior do Rio Grande do Norte, o rapaz mora no bairro de Candelária, desde que veio fazer um curso técnico no IFRN da capital. Com uma rotina tranquila, o estudante não tem gastos com transporte público para chegar à faculdade. “Como meu apartamento fica em Candelária acabo não pagando por nenhum ônibus para chegar até ao prédio de CeT. Apenas caminho durante uns 15 minutos e pego um circular.”

Foto: Mycleison Costa

O dinheiro resultante das vendas das empadas é utilizado por Ana para custear suas passagens de ônibus e para pagar os eventuais gastos com xerox. Na sua casa, moram 7 pessoas: o pai, que está desempregado há dois anos; a mãe, que sustenta a casa com um salário mínimo; o irmão, que cumpre prisão em regime semiaberto por tráfico de drogas e utiliza tornozeleira eletrônica; juntamente com sua cunhada — também desempregada — e dois sobrinhos pequenos. “Não dá muito, mas a gente tenta”, responde quando questionada sobre de que maneira o dinheiro supre as necessidades da família. Sendo a única da família a alcançar o ensino superior, ela ainda relata a pouca disponibilidade de tempo para estudar: “Não consigo me dedicar cem por cento ao estudo. Quanto estou na aula tento focar ao máximo”.

Foto: Mycleison Costa

Hebert falou que divide o apartamento com mais dois colegas e que o dinheiro arrecadado com os brownies são uma renda extra para se manter na capital potiguar. Segundo ele, só o dinheiro da bolsa que possui na biblioteca e a ajuda depositada mensalmente pelo pai, um comerciante de Currais Novos, não dão conta dos seus gastos: “Eu sou um cara que gasta demais, sabe?! Daí vou ficar utilizando o dinheiro para cobrir as minhas contas”. Questionado se os gastos tinham relação com a faculdade, afirmou sorrindo: “Eu te garanto que não é para material escolar. Só posso afirmar isso.” O jovem contou que a bolsa na biblioteca começa às 8h, mas como nunca consegue acordar às 7h, acaba chegando atrasado no local. “Eu chego no mínimo de 8h30”, revelou. Pela tarde, ele informa que está em aula e aproveita a noite para fazer o doce que vende nos corredores de seu setor. Ao valor de R$ 2,50 por unidade, Hebert diz conseguir um lucro de aproximadamente 150% com as vendas de seus brownies.

Foto: Mycleison Costa

A estadia de Ana na UFRN depende das vendas das empadas. “Se eu não fizer as empadas, não vou ter dinheiro suficiente para comprar material, para lanchar, para passagem de ônibus e nem para coisas básicas, como: desodorante, shampoo e essas coisas”, desabafa. Apesar das adversidades, ela sempre está sorrindo e quando fora indagada acerca de como ela faz para aguentar a rotina, Ana diz: “Não faz. Você só vai. Não tem como desistir”. Ela ainda conta sobre a vontade de se tornar jornalista para ajudar seus pais, embora saiba que “jornalismo não vai melhorar tanto minha situação” e deseja trabalhar na televisão fazendo reportagens.

Foto: Mycleison Costa

Ainda sobre os seus doces, o estudante diz está indo bem nas vendas e espera manter a clientela que, por enquanto, o recepcionou muito bem. “Hoje eu trouxe vinte quatro unidades e agora só tenho oito na vasilha. E olhe que sou tímido na hora de abordar as pessoas, viu?! Fora daqui eu não tenho vergonha na cara, mas para vender eu ainda não desenrolei.” Hebert demonstrou ser um rapaz solícito e divertido, ao final da entrevista o próprio fez uma breve propaganda de seu produto: “Pessoal comprem meu brownie, pois eu sou um cara legal e mereço que vocês me ajudem!”. Prestes a concluir o curso de CeT e começar a cursar uma faculdade de engenharia, o jovem de apenas 21 anos pretende se tornar um futuro bom profissional da área que estuda.

Foto: Mycleison Costa

Durante a realização da entrevista com a Ana, Michelle Ariany (34), também estudante de jornalismo na UFRN, aproximou-se para ouvir a história que estava sendo contada. Ao escutar todos aqueles relatos da jovem vendedora, ela não conseguiu conter as lágrimas: “impressionante como você, muitas vezes, está do lado de alguém e não imagina a história de vida que este alguém carrega. Sempre achamos que a nossa luta é mais difícil do que a do outro. Você é uma guerreirona”, disse apontando para a menina que recebia o elogio com um largo sorriso no rosto.

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