Economia brasileira: um balanço dos últimos 25 anos

Laura Bombazar
Laboratório de Educação Financeira
7 min readNov 20, 2019

O panorama econômico do país sob a análise de um economista

“A economia é a alocação ótima dos poucos recursos para atender as necessidades crescentes e ilimitadas da população, ou seja, é tudo na medida.” — Ronaldo Bulhões

Para se entender muitas consequências do cenário econômico atual, é preciso remeter ao passado e conhecer as suas causas, para tanto, iniciamos a linha do tempo em 25 anos atrás, porque segundo o economista e professor de economia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Ronaldo Bulhões, há um período pré e pós 1994.

1994: o divisor de águas

Até esta data havia uma hiperinflação na economia brasileira, com 2.000% de inflação ao ano, que dividido por dia gera 10%, o que torna possível compreender que quando as pessoas iam ao mercado, os funcionários trocavam os preços dos produtos de duas a três vezes ao dia, refletindo no bolso da população da seguinte maneira: eles iam dormir com 100 reais e ao amanhecer o dinheiro valia somente 90. Esta realidade só mudou quando em 1992 Itamar Franco assume o governo e implanta novas políticas econômicas, instituindo dentre muitas coisas a lei de abertura comercial, e põe em prática o Plano Real do então senador Fernando Henrique Cardoso, baixando a inflação de 2.000% para 5% ao ano. Além de ajustar a economia brasileira, após esse ano o Brasil entrou nos padrões internacionais de paridade de moeda e o real passou a ter uma referência perante o dólar. Ronaldo Bulhões destaca que este momento “foi um choque na economia de uma forma incrível”.

A partir deste momento até meados 1999, as taxas passam a ser de 4 a 6% ao ano, que quer dizer que a população iniciava o ano com 100 reais e terminava ele com 95, e foi aí que ela começou a entender algo muito importante: o valor do dinheiro e o que fazer com ele. O professor ressalta que “a inflação para os economistas é uma doença muito feia, ela é o terror porque você perde toda à noção de planejamento e isso reflete completamente na educação financeira da população.”

Os reflexos no Brasil da turbulência econômica mundial de 2008

A inexistência da cultura de poupança, investimento em bolsa de valores e outros meios se dá porque o brasileiro sempre teve renda muito baixa, e com o governo de 2008, com viés mais socialista, segundo Bulhões, a retirada dos incentivos fiscais por meios da baixa nas taxas de juros, começam a aparecer para salvar as indústrias e incitar o consumo a prazo mesmo sem aumento de renda, consequentemente, tirando foco do investimento em mercado financeiro. Assim, com a estabilização da economia, começa a sobrar algo, mas muito pouco, e a primeira atitude é gastar este dinheiro como forma de auto recompensa, já a segunda é a necessidade de comprar os bens materiais.

Os endividamentos de 2010 e os incentivos fiscais do governo

Aqui inicia o programa do então governo para garantir moradia aos brasileiros, por meio da compra de casas com mais parcelas e valores mais baixos para resolver o problema habitacional vigente. Logo em seguida, vem a retirada do incentivo fiscal provocado pelas industrias de eletroeletrônicos para a compra da chamada “Linha Branca” que equiparia estas casas, e por último, as indústrias automobilísticas em queda enfrentam a crise e para salvá-las o governo retira incentivos fiscais também para a compra de automóveis. Então, o carro que antes podia ser parcelado em 60x, passa a ser parcelado em 80x.

Através da forma de governo populista, os dirigentes do Brasil naquela época aqueceram a economia, mas por meio do endividamento, dando à população o que queriam, mas deixando a renda deles completamente comprometida, e não os deixando enxergar o quanto pagavam no final (em média 3x mais do que o valor à vista) e sim, naquele mês. No fim das contas “as parcelas de 30, 40 reais cabem no bolso para comprar tv, telefone, micro-ondas, mas isso acaba custando 300, 400 reais por mês, e como o salário da maioria da população brasileira é de 1.000 reais, compromete quase ele inteiro, além de deixá-los sem dinheiro. O que muda, é que antes era aplicado juro composto, então as parcelas de 30 reais eram corrigidas todos os meses, você pagava 30 nesse mês, mês que vem 60 é no outro 90 reais. Então você coloca 30 reais numa parcela, mas não coloca em uma aplicação, porque você não tem essa cultura e está comprando as coisas que não tinha”, explica Ronaldo Bulhões.

Ao contrário do que se pensa, a população norte americana também vive de crédito, mas a diferença entre nós e os EUA, é que lá os juros giram em torno de 1% ao ano (0,25%), então não faz tanta diferença comprar a prazo ou à vista, lembrando que lá a renda também é maior. — Ronaldo Bulhões

O economista comenta que no Brasil não existiram políticas de base, como saúde, educação e segurança, e sim políticas sociais que sustentaram as indústrias. E nesse sentido, nos últimos vinte anos a economia estabilizou em algumas épocas com a produção de bens e insumos, mas não teve crescimento significativo, porque quando a inflação é maior que as taxas de crescimento econômico o país não vai para frente, apenas atravessa estes períodos afetando qualquer transação financeira, porque não há renda e nem consumo. A consequência disto, é que nos último 10 anos o Brasil contou com 14 milhões de desempregados.

Os milhões de desempregados, não só em 2015

Bulhões explica que o país conta com 210 milhões de habitantes, e que deste número 100 milhões de pessoas compõem a faixa dos economicamente ativos, são aqueles em idade de trabalho (de 18 a 60 e poucos anos). Dos outros 110 milhões que estão antes ou depois, 14 milhões estão desempregados, e ele diz: “isso aí é muito sério, e aí eu te pergunto: quem vai ter renda pra consumir? 14 milhões de desempregados, 86 milhões empregados e endividados. Não tem cultura para poupança e investimento. Não tem cultura para nada.”

A promessa dos 500 reais do FGTS

Deste modo surge a inadimplencia, porque a população não para de ganhar crédito (poder de compra), e com isso passa a deixar de pagar contas porque não tem renda suficiente. Vendo que a economia de consumo não gira e as taxas de inadimplência só aumentam, surge a terceira liberação de dinheiro do Fundo de Garantia do trabalhador brasileiro em 2019. De início cada cidadão receberia 800 reais, mas para que os cofres públicos não fossem tão atingidos, já que o dinheiro está aplicado, e mais pessoas recebessem o valor, ele foi diminuído para 500 reais. Mas para o professor de economia Ronaldo Bulhões, o consumidor não vai deixar de ser inadimplente com esse saque do FGTS, porque isso é função do 13º sálario. Então o consumidor pensa “vou pagar uma continha? Tem mais quinhentas, já mandaram apreender meu carro e tudo o que tenho”.

Segundo ele, os apelos publicitários incentivam cada vez mais o endividamento do consumidor brasileiro, mesmo aqueles que teoricamente são mais instruídos quando o assunto é educação financeira. Porque criam na cabeça dele que agora que ele já tem uma televisão, então está na hora de comprar outra, mas Ronaldo Bulhões defende que não é preciso duas ou três televisões, entretanto é quase impossível não cair na “conversa das parcelas”.

A necessidade fez as pessoas investirem mais

O Brasil levou 500 anos para ter 500 mil pessoas investindo na bolsa de valores. Dez anos depois esse número dobrou para 1 milhão e um ano depois esse número subiu mais meio milhão, totalizando 1.500.000 brasileiros investidores na bolsa de valores. disponivel site bovespa

Um dos maiores fatores desse aumento, segundo Bulhões, é o desemprego, em que as pessoas pegam as indenizações e investem na bolsa, assim como a baixa na taxa de juros que incentiva a entrada dos “aventureiros” (pessoas sem experiência no mercado financeiro). No entanto, ele argumenta que essa situação pode cabar deixando muta gente no vermelho, já que os profissionais recuam do mercado nestes de euforia, e quando a crise vem e avassala toda a população eles retornam aos investimento.

“É assustador ver amadores desempregados investindo na bolsa de valores para perderem o pouco que tem, seguindo uma tendência que vai cair assim que normalizar a economia”. — Ronaldo Bulhões

Mas então do quê o Brasil precisa?

Sobretudo de pessoas sérias para fazerem as melhores decisões de alocações dos recursos brasileiros e capazes de ajudar com o fim da corrupção.

Ele comenta que como reflexos da diminuição da dívida externa paga ao Fundo Monetário Internacional (FMI) o custo dessa estabilidade econômica de 1994 refletiu na dívida interna por meio das altas taxas de juros até 2010, e essa reforma pretendida pelo atual governo de Jair Bolsonaro é para ajudar nos custos de dívida interna com estrutura de governo. “Contudo, essa reestruturação economica não vai ocorrer hoje, mês que vem ou no próximo ano, ela leva gerações”, ele defende.

É preciso elevar a renda da população, mesmo que leve gerações. Dar saúde às empresas brasileiras que atualmente vivem quebrando e principalmente disseminar a educação financeira. Quando tudo isto acontece, a dívida interna estabiliza e as taxas de inflação diminuem, o governo recupera a economia, consegue atrair investimentos por meio da expeculação financeira, enxergar o seu dinheiro e fazer planejamentos de créditos e investimentos de longo prazo. Bulhões finaliza apontando que “a situação atual não é boa, mas estamos caminhando bem”.

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Laura Bombazar
Laboratório de Educação Financeira

Amante de inbound marketing, brava, chorona e quase jornalista. Tudo junto, mas nem sempre nessa ordem.