Antídoto pra chatice
Era uma terça-feira um pouco diferente. Em vez da tradicional reunião do grupo de estudos de coaching ontológico, assistiríamos sincronicamente um webinário com uma das principais referências no tema, Julio Ollala. O próprio Julio era o principal professor do curso que estávamos fazendo e do qual o nosso grupo fazia parte.
Estava pronto para assistir e com uma certa expectativa do que poderia ser diferente do que já vinha estudando com bastante afinco durante os últimos sete meses. Mas, me deparando com um discurso conhecido, fui me desconectando das sábias palavras ditas, mas que já não me eram novidade — “De novo isso?”
Depois de ter limpado meus emails, lido qualquer bobagem no portal de notícias, adicionado algumas tarefas para os próximos dias na lista, me dei conta que o webinário, rodando ao fundo, tinha acabado. Hora de me reunir com o grupo para trocar impressões.
Algumas falas sobre o conteúdo, ou sobre como era bom escutar o Julio. “Achei mais do mesmo”, disse. Lembro de estar até meio injuriado por termos trocado a reunião para o que julguei ser um discurso que já estava incorporado. Aí foi que a Fabi, uma das nossas mentoras diz: “É sempre bom ouvi-lo, mas o que me preenche de alegria é perceber o quanto de gente estava naquele webinário. Tínhamos mais de três mil pessoas conectadas simultaneamente, de vários lugares do mundo, para escutar algo que é tão importante e revolucionário pra todos. Tô muito feliz!”
Escutar a Fabi foi o suficiente pra me dar aquela senhora “situada”. Me senti pequeno e um tanto envergonhado, mas ao mesmo tempo agradecido pelo o que tinha acabado de aprender: o quanto a minha expectativa de “receber” algo daquela fala do Julio, me fechou os sentidos ao valor que aquilo tinha, para além da minha cabeça, em uma perspectiva mais ampla.
E podem ficar orgulhosos de mim! Este texto, na verdade, é para dizer que logo uns dias depois eu pude, a partir do que aprendi com a Fabi, ampliar meu olhar para algo que vivi, que me deixou tão feliz e grato que decidi compartilhar aqui.
Tenho o privilégio de fazer parte de um projeto lindo, que é a Escola dos Pais, na Escola Carandá-VivaVida. Em um resumo breve, esse é um projeto que convida os pais e mães da escola a passarem por um processo de autoconhecimento em grupo, focado nos desafios e alegrias particulares ao papel de cuidar dos filhos. Depois que passam por esse processo, a conversa continua em um outro espaço cujo propósito é definido por eles mesmos, pensando no que querem fazer para continuar integrando e contribuindo para a comunidade escolar — já fizeram intervenções na feira de arte da escola, já convidaram a direção para conversas sobre temas diversos, continuam conversando sobre seus desafios e coordenam ações e eventos para tentar endereçá-los.
Uma das etapas do processo é trazer especialistas que podem contribuir com as inquietações do grupo. Convidamos a educadora Débora Vaz e o psicólogo Christian Dunker para conversar a respeito das perguntas dos participantes do projeto. Foram convidados também pais e mães da escola que não participam do projeto e a direção da escola. Vale reiterar: os convidamos para conversar mesmo, não palestrar. Fizemos de um jeito em que em uma “sala de estar”, seis pessoas conversam, e os outros participantes escutam de fora, em volta da “sala”. Para participar, é só pedir uma cadeira no meio, e uma das pessoas que já está satisfeita com sua contribuição, cede o lugar.
E foi aí que a mágica da conversa aconteceu. A habilidade de conceituar e abstrair do Christian e a concretude anedótica da Débora se misturavam em uma dança entre aparentes opostos: a ideia de autonomia de um ponto de vista Lacaniano era ilustrado pela história da menina que, ao pegar o ônibus pela primeira vez aos 13 anos, pergunta: “Onde é o banheiro aqui nesse ônibus?” Tudo isso ao interagir com as mães e pais que generosamente traziam suas questões e interpretações.
Em algum momento, a conversa foi para um lado de falar sobre a solidão da maternidade e paternidade nos dias de hoje. A geração de pais atual talvez seja a primeira ou segunda que está lidando de uma maneira tão separada com os filhos. Antes, as famílias eram maiores, tanto em número de adultos quanto de crianças, e costumavam estar mais tempo juntas. Existia uma comunidade nuclear que compartilhava os cuidados dos mais novos: primo, prima, tio, avó, bisavô, cunhada… A partir dessa história toda, Débora pontuou: “A solução para a solidão dos pais e maior autonomia das crianças está na praça.” A praça no sentido de um espaço em que exista uma comunidade que interage e se responsabiliza coletivamente pelas crianças. Aí é que me veio o clique.
Eu já tinha ouvido aquela história toda de praça antes. O curioso pra mim foi que, apesar da impressão de não-novidade, eu estava em um lugar emocional diferente daquele ao ouvir o Julio, no começo do texto. Em vez do enfado do “Nossa, que saco, de novo?!”, me senti entusiasmado. E, olhando agora em retrospecto, me parece que essa apreciação veio do que aprendi com a Fabi — ver em perspectiva. E o que consegui ver, desta vez, foi justamente a praça onde a dança-conversa foi parar: estávamos, naquele exato momento, sentados em roda, lá nesse lugar que era colocado como solução para muitas das inquietações ali postas!
Era uma praça que pertencia a todos nós. Foi bonito de ver toda a articulação das mães e pais que estão há mais tempo conosco, se apropriando do espaço, abrindo o evento, convidando quem chegava pela primeira vez para a nossa “sala de estar” — estavam assumindo o papel de facilitadores que costuma ser nosso. Não sou pai, mas imagino que deva ser uma sensação parecida quando já não é mais preciso empurrar o filho na bicicleta — ele já vai sozinho. Fiquei orgulhoso! Me emocionei vendo toda aquela gente nova que não só topou o convite de estar na conversa como ouvinte, mas que também se aventurou a entrar e contar coisas do coração na frente de um bando de estranhos, na busca por melhor cuidar de nossas crianças. A sensação foi de imensa coerência entre o falar e o fazer.
Pra ver tudo isso precisei deslocar o olhar do conteúdo para a forma. E só assim consegui ver que aquilo tudo que estava acontecendo era mais um passinho elegante em direção ao mundo que desejo: com mais gente feliz convivendo na praça. Valeu, Fabi ❤