In-certo por Emmanuel Biset

Publicado em matéria do jornal argentino La Voz

Photo: Johns Hopkins Medicine

1.
Todes pensam. Todes respondem. Todes interpretam. De Žižek a Butler, de Agamben a Esposito, de Byung Chul-Han a Latour. E, no entanto, a velocidade, a quantidade, a publicidade de todas as opiniões parecem alocar dúvidas: Uma, continua funcionando a figura do intelectual, aquele que intervém e esboça uma crítica do presente? Não são os intelectuais balbuceios de um mundo morto? Duas, não confirmaram, cada um a seu modo, coisas que já haviam dito? Repetir certezas prévias não é um modo de não pensar nada?
Todes pensam. Todes respondem. Todes interpretam. Todes sabem o que acontece, todes têm palavras mágicas para dizer: capitalismo, biopolítica, antropoceno. E, no entanto, com isso confirmam outra coisa, um modo do mundo que presumem criticar: não se pode parar, não se pode parar de dizer, de publicar, de escrever. Na detenção do mundo da hiperprodutividade intelectual. A voracidade do capital sedento, sempre vampiro, é também a compulsão do dizer intelectual.

2.
Alojar a incerteza significa, ao menos, duas coisas: suportar o silêncio e dar tempo à pergunta. Não saber se o mundo será diferente ou o mesmo, não saber se começa o comunismo, não saber se se confirma um capitalismo policial, não saber se é uma biopolítica excepcional. Não saber. Não se sabe quando a derrubada do mundo é um deslocamento mínimo: tudo parece ser diferente, mas as coisas seguem aí. A pequena mutação é o contraste entre um mundo transtornado e a árvore indiferente à minha frente. Seguimos tendo a necessidade de dividir entre um antes e um depois: ler o tempo por grandes rupturas. Talvez o fim do mundo já passou. E então deixamos de construir imaginários apocalipses, imaginárias rupturas do tempo. Já passou. Invisível vírus e a frágil certeza de nosso mundo. Sem grandes palavras explicativas, sem pequenas histórias reconfortantes: atravessar a morte do mundo perguntando.

3.
E a morte — essa palavrinha tão presente e conjurada por estes dias — não é outra coisa que a vida, sua lógica interna. Já estamos todes morrendo. Cada vez, o fim do mundo, a cada momento. Isso que não se sabe, isso que ronda o ambiente, também pode ser um modo de transcorrer esses dias: a incerteza. Atravessar a incerteza do mundo, dos outros, de si mesmo. Não é muito, não é pouco, não há travessia possível. E então, a solidão mais insuportável, o não-contato com es outres, a certeza das coisas, o barulho de sentidos, a compulsão da informação, os modos do Estado. E então, talvez, suportar o silêncio e dar tempo à pergunta.

Tradução por Estela Rosa e revisão por Luciana di Leone.

Disponibilizado pelo autor em Dropbox e em Twitter.
Link para matéria no jornal La Voz.

Emannuel Biset é pesquisador do Conicet — Professor da Universidad Nacional de Córdoba. Coordenador do Programa de Estudos em Teoria Política de CIECS (CONICET eUNC). Membro do Comitê Editor de NOMBRES. Revista de Filosofia. Livros publicados: Violencia, justicia y política. Una lectura de Jacques Derrida (Eduvim, 2012); El signo y la hiedra. Escritos sobre Jacques Derrida (Alción, 2013); Derrida político (Colihue, 2013), editado com Ana Paula Penchazsadeh.

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Estela Rosa
Laboratório de Teorias e Práticas Feministas — PACC/UFRJ

Poeta e caipira, curadora da Mulheres que escrevem. Mestranda em Literatura-UFRJ e autora de Um rojão atado à memória (7 Letras) e Cine Studio 33 (Macondo).