A experiência da inclusão.

Lara Leite
Ladies That UX PT
Published in
5 min readJun 25, 2020

Lembre-se: Você não é o seu usuário

Quando começamos a estudar o Design de Experiência nos deparamos diversas vezes com uma mesma regra: você não é o seu usuário. Apesar de ler e ouvir repetidas vezes, ainda é fácil confundir e se perder no processo quando você é um usuário do produto que está desenvolvendo. Mas de fato, você é apenas um. Entre milhares.

Cada ser humano é único, com visões de mundo muito particulares e moldadas à bolha em que se vive. Ser diferente é algo que temos em comum dentro da espécie humana, essa diferenciação é o que atribui tamanha riqueza à humanidade. Mas a sociedade foi construída em cima de moldes que marginalizam e excluem aqueles que abraçam suas particularidades e diferenças. O Brasil é um dos países mais diversos do mundo, e ainda assim, sua cultura de diversidade e inclusão, principalmente em ambientes de trabalho, são preocupantes. Por isso que esse tema deve ser trabalhado e discutido com seriedade, inclusive quando se é designer de experiências e produtos.

Por ser uma mulher lésbica, meu lugar de fala sobre a diversidade e inclusão se aplica apenas à pauta do machismo e da comunidade LGBTI+. Mas como Designer de Produtos, ocupo um lugar que pode e deve provocar as mudanças (mesmo que pequenas) que o mundo precisa. Acessibilidade de produtos ainda é algo pouco discutido no mundo do TI, e isso pode estar diretamente relacionado à presença de pessoas diversas nas squads.

A visão de mundo que um time diverso pode trazer para o produto é essencial para construção de algo minimamente democrático, no sentido de poder enxergar dores e necessidades que não são suas, e que talvez, por conta da sua história de vida, você nem seja capaz de empatizar.

Photo by Joao Tzanno on Unsplash

Não dá pra fechar os olhos por alguns instantes e afirmar que consegue entender o que se passa com uma pessoa cega ao utilizar um produto ou serviço. Temos sim a capacidade empatizar com as suas dores, mas não de assumir que “sentimos o que elas estão passando”. Lendo um artigo sobre acessibilidade recentemente me deparei com um trecho que foi quase um tapa na cara:

Um dono de restaurante, por exemplo, argumenta que não investe em cardápios em Braille porque não recebe clientes cegos, quando, na verdade, ele precisaria dispor desse material de antemão, para que clientes cegos se sentissem impelidos a frequentar seu estabelecimento. Assim, acabamos por levar a culpa pela própria falta de acessibilidade que nos impede de transitar pela cidade.

Compartilho aqui o link para esse artigo que me ofereceu uma outra perspectiva no entendimento do capacitismo. Me peguei lembrando do meu último projeto, no momento em que pensei nas questões de acessibilidade e minha resposta automática foi: “Mas deficientes não são meu público alvo”. E aí fica o questionamento para todos nós: como pessoas com deficiência serão seu público se atualmente elas não têm condições de utilizar seu produto? Ou até de participar da construção deles? Ignorar a possibilidade não significa que ela não existe.

Essa semana participei de um talk da comunidade Mais Mulheres em UX onde a designer convidada, falava sobre sua experiência com serviços de alugueis de acomodações temporárias, e um abuso que ela sofreu durante uma estadia. A empresa prestadora do serviço não oferecia sequer uma ferramenta de remediação para o problema, quem dirá pensar nos processos de prevenção.

Difícil assumir que um time majoritariamente formado por homens cis seria capaz de empatizar com o constante medo que as mulheres carregam, mesmo em situações tidas como rotineiras, da violência sexual. Assim como é difícil imaginar que pessoas heteronormativas consigam, de fato, enxergar os receios e as necessidades da comunidade LGBTI+ que sofre diariamente com atos LGBTIfóbicos em situações ridiculamente cotidianas, apenas por serem quem são.

Num mercado tão machista e elitista quanto o de tecnologia, a pauta diversidade segue a passos lentos. É necessário, sim, um esforço para oferecer as oportunidades hoje aqueles que não a tiveram lá atrás, ir além do padrão e investir no desenvolvimento de uma equipe diversa que poderá assim então, ofertar produtos inclusivos. Como voluntária da TODXS, uma organização sem fins lucrativos que tem como missão transformar o Brasil em um país verdadeiramente inclusivo, tive acesso à artigos, dados e pesquisas que mostram em números o quão distante estamos da verdadeira diversidade nas empresas:

Entretanto, no Brasil, ainda encontramos pouca diversidade nas empresas. Isso fica claro quando olhamos para os cargos altos das organizações. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Ethos com as 500 maiores empresas aponta que elas ocupavam 14% dos cargos executivos em 2010 e 22% nas gerências. O mesmo levantamento sugere que pessoas negras ocupam apenas 6,3% de cargos na gerência e 4,7% no quadro executivo. A presença de mulheres negras é ainda menor: dentre as empresas, elas preenchem apenas 1,6% das posições na gerência e 0,4% no quadro executivo.

A exclusão é acentuada quando olha-se para o mercado de trabalho, pois o perfil ainda conservador e carregado de vieses inconscientes gera uma série de impactos que causa falta de representatividade nas empresas. Esses fatores serão muito mais marcantes quando falarmos sobre comunidade LGBTI+ no mercado de trabalho.

A mudança tem que vir de todos os lugares. Essa pandemia mostrou como a tecnologia mudou, e ainda vai mudar muito o mundo, e nós, que estamos diretamente envolvidas com ela, temos também o poder de fazer nossa parte, ao olhar pra as nossas individualidades e abrir caminho para a diversidade de todes. Nosso olhar ao desenvolver um produto tem que ir além da bolha, permeando uma inclusão que perpassa raça, renda, sexualidade, gênero e deficiências. Pra complementar nosso entendimento, segue o maravilhoso unicórnio da diversidade criado pelo time de Consultoria da TODXS:

Faz-se necessário quebrar o padrão do banco de imagens de homens brancos de terno como arquétipo de poder. O sucesso vem de um misto de esforço e oportunidade, e se você tem uma posição que pode fazer isso acontecer, está na hora de pensar seu papel perante à uma sociedade que vive imersa em seus próprios padrões, para começar a somar mais uma peça nesse mercado diverso e inclusivo.

Falar de orgulho LGBTI+ é também falar de diversidade e equidade.

Fontes: https://medium.com/todxs/tagged/diversidade-e-inclus%C3%A3o e https://medium.com/@sidneyandrade23/capacitismo-o-que-%C3%A9-onde-vive-como-se-reproduz-5f68c5fdf73e

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