Código de ética do designer

Luma Cabral
Ladies That UX PT
Published in
7 min readFeb 3, 2020
"A explosão" Baker, parte da Operação Crossroads, um teste de armas nucleares dos EUA no Atol de Bikini, Micronésia, em 25 de julho de 1946.

À medida que designers ganham voz nas decisões de uma companhia e estas se orientam a partir do design para criar produtos e serviços, assuntos como esse se tornam fundamentais. Vivemos em comunidade, produzimos para comunidades diversas e alinhar nosso trabalho com visões complexas é um exercício diário.

Inclusive, a tradução desse texto faz parte de um projeto da comunidade Ladies That UX SP: selecionamos textos que consideramos relevantes para o cotidiano de um designer e os traduzimos, com objetivo de torná-los acessíveis para mais pessoas.

Texto original aqui, traduzido livremente. Veja também Ruined by Design de Mike Monteiro.

Um designer é antes de tudo um ser humano

Antes de ser um designer, você é um ser humano. Como todos os outros seres humanos no planeta, você é parte de um contrato social. Nós compartilhamos o planeta. Ao escolher ser um designer, você está escolhendo impactar pessoas que entram em contato com o seu trabalho e pode ao mesmo tempo ajudá-las ou machucá-las com suas ações. O efeito do que você coloca no tecido da sociedade deve sempre ser um ponto de consideração importante em seu trabalho.

Todo ser humano tem a obrigação de fazer o melhor para deixar este planeta em melhores condições do que o encontramos. Os designers não podem optar por não participar.

Quando o seu trabalho depende de disparidades de renda ou distinções de classe para ter sucesso, você está falhando como cidadão e portanto, como designer.

Um designer é responsável pelo trabalho que coloca no mundo

Design é uma disciplina de ação. Você é responsável pelo o quê coloca no mundo. Tem o seu nome ali.

E, embora certamente seja impossível prever como todo o seu trabalho pode ser usado, você não deve ficar surpreso quando o trabalho que tem como objetivo ferir alguém cumpre sua missão. Nós não podemos ficar surpresos quando uma arma mata alguém. Nós não podemos ficar surpresos quando um banco de dados projetado para catalogar imigrantes manda esses imigrantes para deportação. Quando nós conscientemente produzimos um trabalho que se destina a prejudicar, estamos abdicando de nossa responsabilidade.

Quando — por ignorância — produzimos um trabalho que prejudica outras pessoas porque não consideramos todas as suas ramificações, nós somos duplamente culpados. O trabalho que você traz para o mundo é o seu legado. Isso vai viver além de você. E isso falará por você.

Um designer valoriza o impacto sobre a forma

Precisamos temer as consequências de nosso trabalho mais do que amamos a esperteza de nossas idéias. Design não existe no vácuo. A sociedade é o maior sistema que nós podemos impactar e tudo o que você faz é parte desse sistema, tanto as coisas boas quanto as ruins.

Nós devemos julgar o valor do nosso trabalho baseado em seu impacto, ao invés de basear-nos em considerações estéticas. Não se pode dizer que um objeto projetado para machucar pessoas seja bem projetado, não importa o quanto esteticamente agradável seja, pois projetá-lo bem significa projetá-lo para ferir os outros.

Uma arma quebrada é melhor projetada do que uma arma que funciona.

Um designer deve às pessoas que o contratam não apenas o trabalho, mas também seus conselhos

Quando você é contratado para projetar algo, você é contratado pelo seu expertise. Seu trabalho não é apenas produzir este projeto, mas também avaliar o impacto do mesmo. Seu papel é transmitir o impacto deste projeto ao seu cliente ou chefe.

E, se esse impacto for negativo, é seu dever avisar o seu cliente, junto com uma maneira se possível, de eliminar o impacto negativo.

E se for impossível eliminar este viés, é seu papel interromper o projeto. Em outras palavras, você não é contratado apenas para cavar uma vala, mas para avaliar o impacto econômico, sociológico e ecológico dessa vala. Se a vala falhar nesses testes, é seu dever destruir as pás.

Um designer usa sua expertise a serviço dos outros, sem ser um servo. Dizer não é um “design skill”. Perguntar o porquê é um “design skill”. Revirar seus olhos não é. Perguntar a nós mesmos porque estamos fazendo algo é uma pergunta infinitamente melhor do que nos perguntar se podemos fazê-lo.

Um designer agradece às críticas

Nenhum código de ética deveria proteger o seu trabalho de críticas, seja do cliente, do público ou de outros designers. Ao invés disso, você deveria encorajar críticas para realizar melhores trabalhos no futuro. Se o seu trabalho é tão frágil que não pode aguentar críticas, ele sequer deveria existir.

A hora de avaliar o seu trabalho deve acontecer antes dele ir para as ruas. E esteja aberto à críticas provenientes de todos os lados.

O papel da crítica, quando dada apropriadamente, é avaliar e melhorar o trabalho. Crítica é um presente e torna um bom trabalho melhor. Além de evitar que os trabalhos ruins vejam a luz do dia.

Críticas deveriam ser solicitadas e bem vindas em qualquer etapa do processo de design. Você não pode consertar um bolo após ele ser assado. Mas você pode aumentar as chances do seu projeto ser bem sucedido, coletando feedback no início e frequentemente. É a sua responsabilidade solicitar por críticas.

Um designer se esforça para conhecer seu público

O design é a solução intencional para um problema dentro de um conjunto de restrições. Para saber se você está resolvendo problemas apropriadamente, você precisa conhecer as pessoas que os estão vivenciando. E se você é parte de um time, seus colegas de trabalho devem se esforçar para refletir essas pessoas. Quanto mais uma equipe puder refletir o público para o qual está projetando, mais profundamente ela poderá resolver esses problemas. Essa equipe pode enfrentar um problema de diferentes pontos de vista, origens, conjuntos de necessidades e experiências. Um time com um único ponto de vista nunca entenderá as restrições para as quais precisa projetar, diferente de quando temos vários pontos de vista.

E a empatia? Empatia é uma palavra bonita para exclusão. Se você quiser saber como as mulheres usariam algo que você está criando, leve uma mulher para a equipe de criação.

Um designer não acredita em casos extremos

Quando você decide para quem está projetando, você está fazendo um implícito acordo sobre para quem você não está projetando. Por anos, nos referimos a pessoas que não eram cruciais para o sucesso de nossos produtos como “casos extremos”. Nós estávamos marginalizando pessoas. E nós decidimos que há pessoas no mundo cujos problemas não valiam a pena resolver.

O Facebook alega ter 2 bilhões de usuários. 1% de dois bilhões de pessoas — que a maioria dos produtos consideraria um caso extremo — é de vinte milhões de pessoas. Essas são as pessoas marginalizadas.

“Quando você diz que algo é um caso extremo, você está definindo os limites sobre o que você se preocupa.” Eric Meyer

Essas são as pessoas trans que ficam presas às margens de projetos de “nomes reais”. Essas são as mães solteiras que são pegas nas bordas de “ambos os pais devem assinar” as permissões. Estes são os imigrantes idosos que aparecem para votar e não conseguem cédulas em suas línguas nativas.

Eles não são casos extremos. Eles são seres humanos e nós devemos a eles nosso melhor trabalho.

Um designer é parte de uma comunidade profissional

Você é parte de uma comunidade profissional e o jeito que você faz o seu trabalho e lida consigo próprio afetam a todos na comunidade. Assim como a maré alta afeta os barcos e um problema na piscina afeta todos os nadadores. Se você é desonesto com seu cliente ou chefe, o designer atrás de você irá pagar o preço. Se você trabalha de graça, o designer atrás de você terá que fazer o mesmo. Se você fizer um trabalho ruim, o designer atrás de você terá que trabalhar duas vezes mais para compensar isso.

Embora um designer tenha a obrigação ética de ganhar a vida da melhor maneira possível, fazer isso às custas de outras pessoas que compartilham o ofício é um desserviço para todos nós. Nunca jogue um designer às cobras para ganhar vantagem. Isso inclui redesign do trabalho de outra pessoa, trabalho não solicitado e plágio.

Um designer busca construir a comunidade e não dividí-la.

Um designer aprecia um campo diversificado e competitivo

Durante toda carreira, um designer busca aprender. Isso significa confrontar coisas que não conhecemos. Isso significa ouvir a experiência de outras pessoas. Isso significa receber e encorajar pessoas que possuem diferentes backgrounds, de diversas culturas. Significa abrir espaço na mesa para pessoas que historicamente foram mantidas de fora pela sociedade. Devemos abrir espaço para que vozes tradicionalmente marginalizadas sejam ouvidas. Diversidade leva a melhores resultados e soluções. Diversidade leva a um melhor design.

“Você nunca erra quando trabalha com alguém mais inteligente do que você.” — Tibor Kalman

Um designer mantém seu ego sob controle, sabe quando deve calar a boca e ouvir, está ciente dos seus próprios preconceitos e agradece quando os têm postos à prova, lutando para dar espaço aos que foram silenciados.

Um designer dedica tempo à auto reflexão

Ninguém acorda um dia decidido a lançar sua ética pela janela. Isso acontece devagar, uma ladeira escorregadia de cada vez. É uma série de pequenas decisões que podem até parecer boas na época e, antes que você perceba, está projetando uma interface de usuário de filtragem para a loja de armas online do Walmart.

Dedique um tempo a auto reflexão todos os meses. Avalie as decisões que você tomou recentemente. Você permanece fiel a quem você é? Ou você está movendo lentamente seus objetivos éticos com cada aumento ou prêmio na empresa?

Você se desviou do curso? Corrija isto. O seu local de trabalho é um inferno antiético? Vá para outro trabalho.

Seu trabalho é uma escolha. Por favor, faça certo.

Este texto é uma livre tradução com objetivo de alcançar mais pessoas. O material original escrito por Mike Monteiro está aqui.

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Luma Cabral
Ladies That UX PT

Restlessly designing the world that I’d like to live and love at. Designing at Fjord, part of Accenture