Estudo de caso de UX para matrícula de crianças em creches públicas

Raquel Zaghi
Ladies That UX PT
Published in
7 min readOct 1, 2020

Utilizando um problema pessoal para, possivelmente, ajudar outros pais e mães na jornada de matricular os filhos na creche! :)

É na necessidade que as boas ideias aparecem, né?

Quando meu filho tinha uns três meses de idade, em uma conversa com uma dessas amizades pós maternidade, outra mãe de primeira viagem me desabafou surpresa com o fato da filha dela ter sido chamada na creche antes mesmo dela precisar voltar ao trabalho: “lógico, estou feliz que ela tenha conseguido vaga tão cedo, mas ao mesmo tempo fico um pouco chateada pois poderia passar mais tempo com ela em casa…”. Isso me fez pensar em adiar o máximo possível quando fosse a minha vez. No mês que meu bebê completou um ano, fomos eu e meu esposo em uma creche próxima de casa que tinha sido bem indicada por um vizinho.

O primeiro problema: aquela não era a nossa unidade de referência. Ainda assim, a diretora nos deu uma ficha para ser preenchida em casa (não tínhamos todos os dados necessários para responder na hora). Esta ficha seria encaminhada para a prefeitura, que entraria em contato conosco quando houvesse vagas em alguma creche próxima de casa, preferencialmente na unidade de referência. Quando? Ela não soube me responder, mas estimava que não seria naquele semestre.

Voltamos pra casa de ficha na mão. Começou a chover. Bebê no colo de um, mochila com o outro, guarda-chuva tentando cobrir todo mundo. Para não molhar o papel, o guardamos na mochila e ele acabou amassando. Nada que impedisse seu uso, mas precisava mesmo disso?

O que vou relatar neste artigo é como usei um problema pessoal para criar o meu primeiro case de UX como trabalho de conclusão do curso de UX e Negócios.

1. Definindo o problema

As grandes questões eram:

O processo de inscrição de crianças em creches é burocrático: como saber qual a sua unidade de referência? Como saber se existirão vagas no período que você precisará? É realmente necessário ir até a creche para buscar um papel e depois voltar para devolver?

Pais e responsáveis muitas vezes não sabem qual é a creche de referência que devem matricular seus filhos e, quando o fazem, não têm um retorno de quanto tempo irão aguardar na fila de espera. O processo de inscrição e matrícula é burocrático e pode demandar várias visitas presenciais.

2. Coleta de dados

Fiz um questionário e lancei em um grupo de mães da minha cidade, esperando conhecer o público-alvo e entender suas necessidades. As perguntas foram:

Faixa etária? → <20 |20 ~25 |26 ~31| 32 ~36 |>36
Quantidade de filhos → 1 | 2 | 3 | 4 | 5+
Qual a idade do(s) seu(s) filho(s) quando ele começou a frequentar a creche?

Também elaborei algumas perguntas para aprofundar um pouco mais o problema:

Quais os motivos para você optar pela creche pública?
Se seu(s) filho(s) não conseguisse vaga em creche pública, onde ficaria?
Onde você encontrou a creche do seu filho?

E a pergunta principal, de onde pude tirar alguns bons insights: “ Você encontrou alguma dificuldade na busca e matrícula do seu filho na creche? Descreva brevemente.”

Algumas das respostas obtidas via Google Forms

Apesar de pequena (15 respostas), a amostra me ajudou a reafirmar que existe uma série de problemas com a forma que as matrículas nas creches municipais são feitas atualmente.

3. Criando a persona e mapa da jornada

Para representar graficamente o público alvo e gerar empatia, criei a seguinte persona:

Persona criada para identificar o usuário

Ainda para ajudar a pensar com empatia, elaborei um Mapa da Jornada do Usuário. Esta ferramenta é bastante útil para elucidar o que o usuário pensa, sente e consome para tomar decisões.

Mapa da Jornada do Usuário

O mapa trouxe uma visão abrangente do que o usuário faz, pensa e sente nas etapas do processo de matrícula nas escolas e me fez pensar em oportunidades de melhoria em cada uma delas.

4. Tempestade de ideias e idealização do produto

Usei uma ferramenta bem simples e útil para ajudar a clarear as necessidades dos usuários chamada Como Nós Poderíamos (CNP)

A partir daí, idealizei o produto:

Um site em que o usuário pudesse cadastrar seu filho nas creches municipais de uma forma fácil e intuitiva, que fornecesse a informação de qual é a unidade de referência por meio da localização, eliminasse a necessidade das fichas em papel neste primeiro momento e ainda fornecesse uma estimativa de quanto tempo a criança aguardaria na fila de espera.

A opção pelo site no lugar de um app é devido a pouca recorrência da necessidade de fazer matrículas dos filhos; um app ficaria sem uso no celular.

Fiz uma pequena pesquisa de “mercado”, não competitiva, uma vez que o serviço seria utilizado pelas redes municipais. Descobri por meio deste e deste outro portal que o modelo de matrícula online já é implementado em algumas cidades e testado em outras; mas para bebês, o procedimento geralmente é feito por telefone. Apesar do produto que idealizei não ser necessariamente uma grande novidade, nenhum sistema encontrado disponibiliza uma estimativa de lugar na fila de espera. Isso com certeza me trouxe algumas inseguranças quanto à aplicabilidade deste recurso; as secretarias da educação estariam dispostas a fornecer e atualizar esta informação? Ainda assim, como estou desenvolvendo o case para fins de estudo, decidi prosseguir; e ei, tenho certeza que muitas soluções de design pareceram difíceis ou impossíveis de aplicar em sua época ;)

Resolvi sintetizar o que tinha desenvolvido até agora em outra ferramenta bastante simples e divertida, o Pixar Storytelling, que consiste em criar uma narrativa sobre a solução proposta. A partir dela consegui compreender melhor o benefício do serviço ao usuário. Para quem tem interesse em saber mais sobre Pixar Storytelling, recomendo este ótimo curso, de graça (em inglês).

Era uma vez Camila, uma jornalista que trabalhava em casa fazendo freelance enquanto tentava uma vaga em uma editora. Todos os dias ela se sentia insegura e com dúvidas quanto a colocar sua bebê de cinco meses na creche: sentia um pouco de culpa em matriculá-la tão cedo, já que não estava trabalhando fora, mas ao mesmo tempo tinha receio em conseguir o emprego e não haver vaga na creche. Um certo dia, ela percebeu que poderia ganhar tempo e se organizar melhor se pudesse fazer a busca e inscrição da sua casa, e recebesse uma estimativa do tempo que levaria na fila de espera. Por causa disso, ela se cadastrou no sistema de inscrição online da prefeitura. Por causa disso, ela pôde ficar mais tranquila e aproveitar melhor o seu tempo, planejando o retorno ao trabalho e combinando com os familiares quem a ajudaria nos cuidados com a filha enquanto estivesse fora por algumas semanas até ser chamada para fazer a matrícula. Até que finalmente, ela conseguiu a vaga na editora e pôde ir trabalhar tranquila sabendo que a filha estava sendo bem cuidada.

5. Validação

Fiz uma nova pesquisa, desta vez no typeform para validar algumas ideias sobre as quais eu queria ter certeza. As perguntas foram:

  1. Se fosse possível que a inscrição fosse feita digitalmente por meio de um portal no qual os pais preenchem as informações necessárias, e recebessem um retorno imediato da previsão de tempo na fila de espera, você usaria este sistema?
    A. Sim, pois minha família poderia se organizar melhor se tivéssemos uma previsão de quanto tempo iria demorar para a creche chamar (88,9%)
    B. Não, prefiro que seja pessoalmente, mesmo não tendo previsão do tempo na fila de espera (11,1%)
  2. Qual o maior problema que você enfrentou na busca pela creche para o seu filho?
    A. Não saber qual a posição na fila de espera e não poder me planejar quanto ao tempo que iria levar para ser chamado (77,8%)
    B. Outro problema (22,2%)
  3. (apenas para quem já tem filho matriculado na creche) O tempo na fila de espera foi:
    A. Maior do que eu previa. Meu filho demorou demais para ser chamado (66,7%)
    B. Menor do que eu previa. Meu filho poderia ter ficado mais tempo em casa (16,7%)
    C. Ideal, como eu previa (16,7%)
  4. Você tem alguma sugestão de outra funcionalidade que este portal/app poderia ter? Me conta! :)

Hoje percebo como a segunda questão foi enviesada, estimulando o usuário a responder o que eu queria, muito mais do que me ajudar a descobrir a verdade. Lição aprendida! A quarta pergunta trouxe uma sugestão interessante para pensar em uma futura atualização: um sistema de avaliação e comentários das escolas.

6. Prototipagem

Perdoa a má qualidade da foto e não desiste de mim!

Até então eu tinha muitas ideias na cabeça e poucas na prática de como o site funcionaria. Comecei fazendo alguns rabiscoframes no papel e terminei produzindo um protótipo de alta fidelidade no Adobe Xd. Apesar da interface não estar perfeita, fiquei bastante contente com o resultado até agora, principalmente por ter sido a minha primeira vez usando este tipo de ferramenta! Os próximos passos são fazer testes de usabilidade para avaliar se os usuários conseguem cumprir seus objetivos de forma intuitiva e me aprofundar nos estudos de Interface do Usuário.

Telas do site

Formular este case foi bastante desafiador e divertido. Desafiador principalmente pela falta de acesso aos processos de trabalho do que seria um dos principais stakeholders do projeto: as secretarias municipais de educação; muita coisa foi feita no improviso e, devido ao meu desconhecimento, assumi algumas suposições como verdade simplesmente para poder elaborar o produto. Também gostaria de ter feito as pesquisas com um número maior de pessoas para ter uma amostra representativa.
Ainda assim, todo o processo criativo foi muito divertido, e foi gratificante demais colocar a mão na massa, pensar em métodos de melhoria e propor soluções ao invés de apenas reclamar de um problema que eu estava passando.

Obrigada por ler até aqui! Você pode conferir o protótipo navegável em: https://xd.adobe.com/view/0e1e2004-0f42-480e-4cb4-04174570a771-782f/

Fica a vontade para deixar seu feedback aqui nos comentários ;)

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