Não sou impostora!

Como a Síndrome do Impostor afeta principalmente mulheres e que ferramentas podem ajudar a lidar com o problema

Mayara Pillegi
Ladies That UX PT
9 min readFeb 19, 2021

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Ilustração modular por Pablo Stanley: duas pessoas, surpresas e frustradas, apontam para a "impostora".

O que é a Síndrome do Impostor?

O Fenômeno do Impostor (mais conhecido como Síndrome do Impostor) é uma distorção de percepção que leva a pessoa a duvidar de suas próprias competências, sentindo-se uma fraude nos resultados que obtém.

O termo nasceu de um estudo realizado em 1978 por Pauline Clance e Suzanne Imes pela Georgia State University, a partir da autodeclaração de algumas pacientes que participaram da pesquisa.

O estudo analisou mais de 150 mulheres bem sucedidas entre estudantes, profissionais e PhDs de diversas áreas, majoritariamente brancas, de classe média-alta, entre 20 e 45 anos.

Outro estudo de 1976, de Kay Deaux, aponta que as mulheres costumam ter menores expectativas sobre o bom desempenho de suas capacidades se comparadas aos homens. Em geral, elas atribuem seu sucesso a causas temporárias, como sorte, enquanto os homens atribuem seu sucesso a fatores internos, como habilidade. Por outro lado, as mulheres atribuem o fracasso à falta de habilidade, enquanto eles atribuem à falta de sorte ou nível de dificuldade da tarefa.

Clance e Imes relatam esse padrão de baixas expectativas em seu estudo e se surpreendem que, mesmo com repetidos episódios de sucesso, é difícil para as participantes quebrarem o padrão cíclico do Fenômeno do Impostor.

Como se manifesta?

A Síndrome do Impostor se caracteriza por uma constante sensação de incompetência, de insuficiência, levando o "impostor" a atribuir seu sucesso a fatores externos desmerecendo suas próprias qualidades. Existe um receio subjacente de ser descoberto como uma fraude.

Gif de MochiDad: um gatinho retira a máscara de outro gato, revelando sua verdadeira face.

Os "impostores" podem apresentar falta de confiança, sinais de ansiedade ao assumir responsabilidades, perfeccionismo (que pode levar à procrastinação), dificuldade em receber elogios e expor opiniões (por receio de desagradar alguém).

As consequências desses sintomas podem levar a crises de ansiedade, queda da autoestima, queda na produtividade, depressão, burnout, entre outros.

O Fenômeno pode ocorrer com qualquer pessoa, independentemente de idade, gênero ou grau de instrução, a qualquer momento da vida. Também pode se manifestar em apenas uma única esfera da vida para cada pessoa, sendo a mesma pessoa autoconfiante em outros contextos.

Neste texto, abordarei principalmente a pesquisa das psicólogas Clance e Imes, portanto o foco será nas dificuldades enfrentadas por mulheres e em como podemos lidar com isso.

Como surge?

O estudo indentificou dois cenários bastante comuns entre as "impostoras" observadas:

  1. No primeiro cenário, a garota tem um irmão (ou irmã) ou parente próximo identificado como "o membro inteligente da família", enquanto ela é reconhecida por ser sensível ou sociável. A percepção é de que ela nunca será considerada inteligente, apesar das conquistas intelectuais que tiver. Mesmo indo a escola e tirando boas notas, não recebe o reconhecimento da família. Então, ela continua perseguindo a validação de suas competências intelectuais, mas internamente duvida de si mesma e se pergunta se só atingiu bons resultados por causa de suas habilidades sociais.
  2. Nesse segundo cenário, a família acredita que a garota é brilhante em diversos aspectos e cita exemplos de todas as coisas que ela aprendeu a fazer com perfeição desde bebê, enfatizando que é capaz de fazer tudo que quiser com facilidade. Porém, conforme a criança cresce, começa a sentir dificuldade em obter bons resultados em alguns aspectos de sua vida e a desacreditar da visão de seus pais sobre ela, passando a duvidar de si mesma. Na escola, essa sensação se intensifica, porque ela precisa estudar muito para alcançar os resultados esperados, contradizendo o que seus pais esperam de alguém que atinge a perfeição com facilidade. Como ela não consegue alcançar essas expectativas, se sente incapaz e, por isso, uma fraude.

Assim, as autoras concluem que o Fenômeno do Impostor nasce de expectativas sociais. Mesmo mulheres do grupo estudado que não eram consideradas crianças brilhantes sofriam com a pressão dos pais por um bom desempenho escolar. As garotas "sensíveis" tendem a desenvolver dúvidas sobre suas capacidades a partir da diferença de percepção entre não serem consideradas brilhantes e suas reais grandes conquistas. As garotas "brilhantes", por sua vez, desenvolvem dúvidas a partir da diferença entre o que se espera que alcancem e o que de fato podem alcançar. Assim, a sensação de farsa intelectual se afirma nos 2 grupos pela diferença entre grandes conquistas e baixas expectativas sociais.

Por que é difícil de superar?

As psicólogas identificaram que o Fenômeno do Impostor acontece como um ciclo, com padrões de comportamento que se reforçam a cada repetição. Elas constataram 4 tipos de comportamentos, em 3 deles existe a figura de uma autoridade que avalia a performance da "impostora" (pode ser um supervisor, professor ou chefe, alguém em quem ela confia e a quem quer impressionar).

  1. No primeiro padrão, a mulher tem medo que descubram sua farsa intelectual, então estuda ou trabalha muito, o que gera ótimos resultados e garante a aprovação de seus superiores. A "impostora" fica temporariamente satisfeita, mas sente que, se realmente acreditar que é bem sucedida, fracassará. O ciclo (se esforçar, atingir alta performance e se sentir satisfeita) então funciona como um ritual que garante seu sucesso, mas por dentro ela não o valoriza de verdade, sua satisfação é superficial e ela continua se sentindo uma fraude.
  2. No segundo padrão de comportamento, a autopercepção como fraude se dá pela falta de autenticidade intelectual. Em vez de apresentar suas verdadeiras ideias e opiniões, a mulher prefere concordar com os outros ou falar o que ela sabe que querem ouvir. Pode aproveitar os vieses do outro para apresentar os argumentos que vão conquistá-lo como seu aliado. Porém, enquanto recebe a aprovação, sente que não pode dar sua verdadeira opinião ou será desqualificada. Esse comportamento, além de invalidar uma ideia ou opinião que sequer foi compartilhada com o mundo, reforça o ciclo.
  3. No terceiro padrão, também é usado o conhecimento sobre o outro para se conseguir aprovação. Apesar da "impostora" se sentir intelectualmente inferior, ela reconhece que tem algumas habilidades, mas espera encontrar uma pessoa que também as reconheça e que a ajude a acreditar no seu potencial. Então ela encontra uma autoridade e busca impressioná-la, estudando-a cuidadosamente. Pode usar diversas técnicas para obter o reconhecimento, como bom humor, simpatia, solicitude e até sedução. Porém, quando obtém aprovação, essa mulher acredita que o mentor não foi capaz de julgá-la adequadamente, uma vez que ela criou artifícios para obter essa aprovação. Ao mesmo tempo, ela também acredita que, se fosse brilhante, não precisaria de validação externa. Logo, ela vai em busca de um novo mentor, e o processo se repete ciclicamente.
  4. O Fenômeno do Impostor também pode ser uma resposta à forma como a confiança da mulher é percebida na sociedade. Estudos anteriores mostraram que uma mulher bem sucedida pode ser interpretada como destemida, hostil, e sua feminilidade é posta à prova. Ser independente e determinada desafia a convenção de comportamentos esperados para o sexo feminino. Nesse contexto, desacreditar de suas próprias capacidades pode amenizar as sensações negativas derivadas de obter o sucesso. Em outras palavras, ela acredita que, não sendo brilhante, está protegida de ser rejeitada pela sociedade.

Como lidar com o problema?

O estudo apontou que a mulher sob o Fenômeno do Impostor dificilmente vai revelar abertamente que se sente uma fraude, ao mesmo tempo em que sua crença é tão arraigada que ela acha difícil se livrar desse sentimento. Contudo, a terapia em grupo se mostrou uma forma eficaz de tratamento.

Nesse contexto, a partir dos exemplos de outras mulheres, as pacientes conseguiam identificar a percepção distorcida sobre a realidade umas das outras. Elas podem observar seu próprio comportamento espelhado nas demais pacientes, o que as leva a confrontar seus próprios padrões.

Gif de Jess Chen: um grupo de mulheres de diversas idades e etnias se abraça.

Dessa forma, fica claro que se isolar e ignorar o sentimento persistente não é uma boa forma de lidar com ele. Além de buscar ajuda psicológica, veja algumas técnicas e ferramentas que podem ajudar:

Pratique a auto-observação

Ao sentir os sintomas da Síndrome do Impostor, aprenda a não reagir no automático. Você já sabe que o comportamento é cíclico, portanto, vai se repetir, e você vai reviver os mesmos pensamentos incômodos de novo. Observe que sentimentos brotam e tente identificar a motivação por trás deles. Você pode usar as seguintes perguntas para explorar o tema:

  • Que coisas eu faço bem?
  • Do que eu me orgulho?
  • O que é o sucesso pra mim?
  • Que crenças eu tenho sobre mim mesma?
  • Por que tenho medo de falhar?
  • Se eu falhar, qual é a pior coisa que pode acontecer?
  • Quem são as pessoas que me apoiam, mesmo quando eu duvido de mim?

Você também pode fazer algum teste de personalidade para ampliar seu autoconhecimento, tais como Via Character, Talent Today e 16 Personalidades (meu preferido).

Gif de Katith: uma moça abraça a si mesma.

Abrace a si mesma

A vida é cheia de incertezas, por isso é normal que a gente prefira situações controladas. Entretanto, buscar o controle excessivo, assim como o perfeccionismo, é exaustivo e pouco recompensador, e frequentemente nos leva a uma cobrança exagerada sobre nós mesmas e os outros.

Entender o quanto isso pode ser prejudicial, pode ajudar a diminuir o nível de cobrança e as expectativas de controle.

Podemos fazer o seguinte exercício reflexivo: Quando uma amiga está passando por um momento difícil e se cobrando sobre resultados, você provavelmente será sensível quanto às angústias dela, tentando apoiá-la e confortá-la de maneira carinhosa e paciente. Será que você tem a mesma postura quando você mesma está situação? Seja você mesma sua amiga, entenda suas limitações, trate-se com ternura e paciência. Assim, você se permite respirar e voltar a resolver o problema com a mente renovada.

"Faça o teu melhor, na condição que você tem, enquanto você não tem condições melhores, para fazer melhor ainda!"
Mario Sergio Cortella

Além disso, mude as frases que recita para si mesma, use uma abordagem mais positiva. Enfatize as coisas que você faz, em vez das que não faz; as coisas que quer obter, em vez das que tem medo de perder. Enfatize um futuro possível, em vez de uma certeza de fracasso, diga: "Eu posso conseguir!" no lugar de "Não consigo!".

Permita-se aprender com os outros

Converse com pessoas que se importam com você e tente aprender a se observar do ponto de vista delas. Que pontos positivos elas veem em você? Que situações geraram essas percepções?

Se você não puder aceitar elogios ainda, pelo menos não os negue. Guarde-os, anote-os e releia-os de tempos em tempos. Se você se vê de um jeito, mas outros 5 amigos dizem o contrário, o que faz você achar que sua visão é mais exata que a de 5 pessoas?

Assim como as pacientes do estudo, compartilhe seus sentimentos com pessoas em que confia. Racionalizar nossos sentimentos nos ajuda a clareá-los e a reconhecer nossas incoerências e inquietudes.

Troque experiências com outras mulheres reais. Quais seus medos? Dificuldades? Reconheça nelas suas próprias fraquezas e qualidades. Aprenda também com histórias reais de personalidades famosas que lidaram com a Síndrome do Impostor.

Comemore suas conquistas

Em vez de se cobrar pelo que você ainda não fez, que tal valorizar o que você já fez? Quando você cumprir uma meta ou objetivo, não se deixe levar pelo sentimento de "não fiz mais que a minha obrigação". Relembre o quanto aquilo era importante para você e encontre uma forma de comemorar: compartilhe a conquista com alguém que ficará feliz por você, compre alguma coisa que você queria, saia para comemorar, descanse para compensar o esforço…

Cena de Meu Malvado Favorito: um grupo de minions comemora.

Guarde feedbacks positivos que você receber dos outros e registre suas realizações. E quando você duvidar de si mesma ou desmerecer suas capacidades, consulte-os! Há algumas ideias divertidas de como fazer isso:

  • Mantenha um caderno e registre seus feitos profissionais e pessoais, pessoas envolvidas, valor da sua entrega/realização etc.
  • Ou faça esse registro em ambiente digital: uma sugestão é usar modelo completíssimo de Hype Doc criado pelo Project Portfolio Canvas (disponível em planilha ou no Notion).
  • Anote cada conquista num pequeno papel colorido e guarde num Pote de Conquistas. Além de útil, pode ficar lindo no seu cantinho favorito de casa para encher de alegria só de olhar.

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Mayara Pillegi
Ladies That UX PT

UX Lead, apaixonada pelo potencial das palavras e eterna estudante de comunicação e empatia.