Meu processo sendo mulher na tecnologia…

Amanda Carneiro
Ladies That UX PT
Published in
9 min readApr 14, 2021

O Ladies That UX São Paulo trouxe um workshop incrível de escrita com a Thais Haro e eu tive a oportunidade de participar tendo o apoio da querida Ana Tirico, minha parceira de escrita. O resultado é esse texto sobre minha história no universo da tecnologia.

Sei que muitas mulheres estão migrando de outras áreas para a tecnologia nos últimos anos e eu gostaria de contar um pouquinho da minha jornada. Eu não migrei para TI, eu me criei em TI então sei que temos muitos desafios diariamente.

Eu estou envolvida com a tecnologia desde a minha adolescência. Meu primeiro estágio foi fazendo manutenção de computadores aos 17 anos… Eu sempre trabalhei e estudei tecnologia, então todo esse universo faz parte da mulher que eu sou!

Acho importante falar sobre isso, porque muitas histórias dos homens que são da área de tecnologia começaram cedo e se formaram de uma maneira parecida com a minha, em contrapartida, não tive a companhia de muitas mulheres ao longo dessa trajetória. Mas é uma trajetória possível para nós também. Então, agora quero dividir um pouco como foi esse processo para mim e quem sabe isso possa ajudar outras mulheres a verem que é possível entrar e permanecer nesse universo.😎

Como foi crescer no universo da programação — minha trajetória resumida em três atos

1. Evoluir

Eu sempre precisei do sentimento de evolução para saber que o que eu estava fazendo valia a pena, cresci sendo assim, sempre gostei disso e acredito que na adolescência foi quando isso se tornou mais claro para mim. Foi quando comecei a passar por desafios mais complexos, foi o momento de descobertas e aquele momento de ser a adolescente “esquisita” e nerd com gostos peculiares…

Cenas de: The IT Crowd. Personagem Jen falando: Eu sou uma nerd.
Cenas de: The IT Crowd.

Eu fiz o ensino médio técnico na UFT-PR e tenho certeza de que isso me levou a ser quem eu sou hoje. Foi difícil, foram incontáveis madrugadas programando em Pascal, Delphi e Java. Foi quando eu vi que conseguia ser muito resiliente e percebi que programação seria uma constante na minha vida.

Imagem de uma sala de aula de ensino médio com um destaque para “Amanda.”
1º ano do Ensino médio Técnico em Informática (UTF-PR)

Foram 4 anos de ensino médio técnico, aprendendo a desenvolver WEB e desktop, fazer manutenção de hardware em computadores e fazer configuração de rede entre aulas de história e matemática. Eu perdi as contas de quantas vezes chorei na frente do computador porque não conseguia compilar um projeto ou quantas vezes tive que decidir entre estudar para a prova de biologia ou entregar um projeto em Java…

Hello World!

Programação chegou na minha vida aos 14 anos e eu nem sabia o que a palavra algoritmos significava até o primeiro “Hello World!” escrito no papel. Eu demorei até me apaixonar por ela, mas aconteceu e vem acontecendo pelos últimos 13 anos. Eu sou apaixonada pela programação e amo a capacidade fabulosa que fica nas minhas mãos de criar coisas novas, de fazer a mágica acontecer!

Até aquele momento, eu era só uma adolescente que não entendia ou conhecia os conceitos do feminismo, não sabia o que era a definição de machismo e não percebia que o mundo fora da minha porta poderia tratar a mulher de forma dura e cruel. O que eu sabia é que se me diziam que mulher não podia fazer alguma coisa, era isso mesmo que eu ia fazer. Um pouco pelo desafio, um pouco para me testar e um pouco para provar para o mundo que sim, mulher pode fazer sim! Eu gostava de imaginar que eu podia fazer o improvável.

2. Ser forte

Cenas de: The IT Crowd. Personagem Jen falando para outros personagens homens: Ajam normalmente.

Entrei no curso de Engenharia da Computação e já esperava que eu fosse uma das poucas mulheres na minha turma, afinal “é computação, não tem mulher mesmo né…” Eu também sabia que precisava ser forte e clara em tudo que eu fosse fazer porque os homens da área, em geral, têm uma tendência incrível para duvidar da capacidade das mulheres.

De acordo com Marcel Maia, no artigo científico: Limites de gênero e presença feminina nos cursos superiores brasileiros do campo da computação, entre 2000 e 2013, o número de concluintes homens nos cursos de computação cresceu 98% e o de mulheres decresceu 8%. O que mostra que a discrepância é gigantesca entre o número de homens e de mulheres que se tornaram profissionais na área de tecnologia… E essa percepção foi 100% real comigo. Tanto na cadeira acadêmica quanto no trabalho, eu sempre fui a minoria ou até mesmo a única no meio.

Cenas de: The IT Crowd. Personagem Moss falando para Jen: Isso, Jen, é a Internet.

Eu comecei a ser cada vez mais clara e direta com as pessoas do meu convívio porque eu tinha a sensação de que o tempo todo alguém estava questionando minha capacidade ou achando que eu não sabia fazer as coisas. Aí nasceu a fama que de que eu sou uma mulher brava e grossa. O que também me tirou o direito de sofrer, chorar ou de me sentir triste, eu precisava ser o tempo todo uma fortaleza.

Cenas de: The IT Crowd.

Meus colegas da época me diziam que eu era “mais macho que muito homem…”. Me diziam isso quando eu conseguia fazer alguma coisa, construir algum robô ou fazer um sistema rodar sem erros... Me diziam isso também quando eu dava respostas duras e claras para homens que questionavam meu conhecimento ou minha capacidade. Eu levava isso, de certa forma, como um elogio e achava que eles estavam me incluindo na “matilha” deles, mas a verdade, o que eu fui entender alguns anos depois, é que eu tinha que anular quem eu sou em função de fazer parte de um grupo ao qual eu não pertenço, que é o grupo de homens na tecnologia.

Demorou…E demorou bastante até eu conseguir enxergar que “fazer parte da matilha” estava me fazendo mal e ter que passar a imagem de fortaleza o tempo todo era exaustivo. Era esperado que eu agisse de uma determinada forma, que eu fosse grossa e sarcástica mesmo que na verdade eu nem quisesse ser assim. Era esperado que eu me comportasse como eles, mesmo que eu não fosse como eles.

Além disso, eu passei os 6 ou 7 primeiros anos da minha vida profissional sem ter muito contato com mulheres nos times em que eu trabalhei. Por via de regra minha carreira foi sendo construída aprendendo a viver no meio de muitos homens. Ouvindo piada machista constantemente, sendo diminuída, questionada e experienciando a solidão como mulher na TI.

A parte mais dura é que, até um certo ponto, eu achava que essa era a única forma de sobreviver nesse meio, então eu seguia vivendo e aceitando as coisas mesmo que eu discordasse delas.

3. Questionar

Eu sempre soube que tinha alguma coisa estranha em ver homens ganhando o crédito por várias coisas e mulheres muito mais competentes que eles ficando em segundo plano, mas eu não tive ao longo da minha educação um estudo aprofundado sobre feminismo e sobre o que ser feminista significa. Então, eu não conhecia as ferramentas e embasamentos teóricos que pudessem dar sentido a tudo o que eu sentia e pensava.

Comecei a estudar muito sobre feminismo, mesmo sem saber que era sobre isso que eu estava estudando e comecei a reconhecer em outras mulheres as mesmas dores que eu também tinha. Foi aí que percebi que fazer parte do grupo de amigos que eu estava fazendo não ia me levar a ser uma mulher feliz e realizada na minha área…

Se você não tem certeza sobre o que o feminismo trata, acho que a Cila Santos, do QG Feminista pode ajudar com esse artigo aqui: O que é ser feminista? Pode ler lá primeiro caso queira. 😊

Eu já era feminista desde antes de saber o que é ser feminista… Hoje eu acredito que a partir do momento que me reconheci como feminista e passei a buscar apoio em outras mulheres dentro da TI, foi o momento onde consegui ver o meu valor e isso fez toda a diferença. Então, hoje eu sempre digo para qualquer mulher que está começando: Busque apoio em outras mulheres!

Foi só em 2019 que comecei a ter um contato fortíssimo com muitas mulheres da área de tecnologia, na verdade, foi um encontro de almas. Muitas mulheres estavam caminhando sozinhas em suas jornadas, sem saber que outras também estavam passando pelo mesmo, até o contato acontecer.

Imagem do encontro do Women Techmakers com muitas mulheres.
1º Encontro de 2019 do WTM Curitiba, em parceria com Women Who Go, que aconteceu em 04/07 na Pipefy. Crédito: Crissie Adamante.

Eu e 3 amigas desenvolvedoras fizemos o Women Techmaker Curitiba renascer e começamos a criar momentos para compartilhamento de conhecimento e de vivência entre as mulheres da área de tecnologia em Curitiba. Essa foi uma virada de chave para mim.

Cenas de: The IT Crowd. Personagem Jen falando: O que você quer dizer?

Vi que todos os questionamentos que eu tinha sozinha eram questionamentos de muitas outras também… Ser mulher na tecnologia é um universo à parte, mas qualquer mulher que trabalhe em uma área profissional predominantemente masculina compreende as dores que nós passamos.

Foi a partir do compartilhamento no WTM que comecei a enxergar meu lugar de verdade no mundo da tecnologia, foi ali que eu consegui me empoderar e deixar alguns medos e inseguranças de lado. A evolução precisa ser constante, e hoje eu sei que todos os dias preciso dar um passo a mais para evoluir como mulher e como profissional, sei que é meu dever ajudar a abrir espaço para que outras mulheres possam chegar onde estou agora e sou muito grata por tudo isso!

Evoluir. Ser forte. Questionar.

Bom, a conclusão disso tudo é que sei que ainda vou ter vários ciclos como esse na minha vida… Hoje eu já consigo passar pelos obstáculos com mais tranquilidade e com a consciência de que tenho outras mulheres ao meu lado. Sei também que tenho como missão e objetivo, fortalecer toda mulher que passe pelo meu caminho, assim como fizeram comigo.

Sou grata por cada mulher que já esteve na minha vida e de alguma forma me ajudou a compreender o que eu sou e o que eu significo no mundo. Ser mulher é uma construção diária e um desafio que pode ser um pouquinho mais leve quando caminhamos juntas e eu não consigo demonstrar o quanto isso me faz feliz e me deixa aliviada.

program helloworld; begin weriteln(‘Hello World!’); end.
Pascal 2.2

Eu sou completamente apaixonada por todas as ações que mulheres fazem para o apoio mútuo. A Amanda de 14 anos, que sentava pela primeira vez na frente de um computador para programar em Pascal, fica agradecida. E a Amanda de 28 tem certeza que esse tipo de ação é o que vai encorajar outras Amandinhas a seguirem no meio da tecnologia.

Depois de ter caminhado até aqui, posso olhar para trás e pensar em tudo que eu poderia ter feito diferente e melhor por mim mesma e tenho certeza de que se eu tivesse referências mais próximas e mais reais de mulheres sendo incríveis na tecnologia, minha vida teria sido mais tranquila e eu não teria feito um esforço tão grande para me encaixar no mundo dos “piás da TI”. Então agora o que eu tento fazer todos os dias é lembrar e dizer para as que estão próximas de mim: Mulheres, vocês podem ser vocês mesmas e serem incríveis na tecnologia ou em qualquer coisa que escolham fazer!

Se você é uma mulher iniciando sua jornada na tecnologia saiba que existem outras como você e saiba que somos muitas! A caminhada vai ser longa e você terá muito para aprender, mas saiba que se você buscar apoio sempre vai encontrar uma mulher disposta a te ajudar. Ser mulher na tecnologia é uma honra, um privilégio e também um desafio, mas se caminhamos juntas temos mais força e mais recursos para seguir.

Cenas de: The IT Crowd. Personagens Moss e Roy fazendo um comprimento.

Homens na tecnologia se fortalecem cada vez mais todos os dias a muito tempo pois eles se tratam como irmãos. Eles buscam por ajuda, por recursos e por apoio uns nos outros. Isso é o que torna o caminho deles mais leve. Então, acredito de verdade que nós, como mulheres na tecnologia, precisamos e podemos procurar ajuda das nossas irmãs espalhadas pelo mundo.🌍

Para evoluir precisamos questionar o que já sabemos e precisamos ser fortes, a evolução também vem do compartilhamento e a força vem de quem está ao nosso lado fazendo a mesma caminhada com objetivos em comum com os nossos. Então não esqueça: Juntas somos mais fortes!

Obrigada!

--

--

Amanda Carneiro
Ladies That UX PT

Engenheira de software, apaixonada por tecnologia. Amo arte, amo conhecer lugares novos e viver viajando é o que me motiva todos os dias.