Personagens, Brand Voice e Tom de Voz para UX Writing.

Luisa Brandt
Ladies That UX PT
Published in
6 min readSep 3, 2019

Da Ilustração ao UX Writing: e agora, eu desenho ou escrevo?

4 expressões do rosto da personagem May ilustrada por Luisa Brandt.
Ilustrações por Luisa Brandt.

"Você entendeu ou quer que eu desenhe?", a pergunta que não quer calar ressoa sempre que a piadinha se faz necessária. Desenhar é a forma mais antiga de comunicação, livre das "amarras" dos idiomas e dos modismos. Disse Confúcio sabiamente: "uma imagem vale mais que mil palavras", frase popular que procuro acreditar piamente, apesar de que, convenhamos: nem toda comunicação precisa ser traduzida com bonecos de palitinho, de vez em quando um basta! é tudo o que o texto precisa.

E agora? Onde eu — artista visual e ilustradora — me encaixo? Desenho, escrevo ou analiso friamente os dados e os fatos em questão?

Fico no "entre" das indagações que os filósofos provocam e aquelas que meu cérebro tenta traduzir quando crio um personagem que aparentemente não fala mas, conta a história por meio de uma marca vocal que ninguém escuta mas, ouve. Tento conduzir todo o enredo por meio de um esquema rizomático (de Deleuze e Guattari) onde tudo se acertará no final! Será que chegou a hora de dar uma chance pra essa "dobradinha" e estudar bem bonitinho como personagens podem oferecer o tom de voz necessário para resolver um problema de Writer? Sim! Sejamos positivos.

Me debruçarei nesse texto na "menina dos olhos" das atualidades vanguardistas da comunicação, o UX Writing; e como personagens ilustrados podem ser fiéis aliados ao microcopy mesmo que depois eles se tornem uma mera lembrança. Sendo assim, me apegarei aos princípios básicos do UX Writing para destrinchar um personagem (coitadinho) e, então, equalizar suas características mais relevantes numa marca vocal cheia de personalidade, que vai direto ao ponto!

Aprendi estudando com os caras e as minas da Google (ref. é ref. né, pai!) os princípios básicos de um bom texto voltado para UX e foi durante essa minha entrega que pensei: "Eureka!" Meus personagens podem me salvar! — E o Arquimedes também. De fato o foram. Dessa forma, introduzo a vocês a personagem May, que criei em maio de 2018 enquanto me especializava em Ilustração em Barcelona. A May foi criada para resolver um problema de comunicação entre mulheres pacientes oncológicas (câncer de mama) e a carga intensa de informações que as mesmas recebem nos mais diversos suportes.

Durante a criação da May, eu não sabia, mas já estava me familiarizando com o microcopy (microtexto) pois ela tinha muito a contar, e principalmente, tinha muitos sentimentos, e embora a personagem tenha sido idealizada para um produto visual, pareceu-me de grande valia revalidar a sua força num projeto de UX Writing. A May foi criada para ilustrar um folheto oncológico para informar pacientes sobre os cuidados a serem tomados antes de receber uma sessão de quimioterapia.

Personagem May ilustrada por Luisa Brandt: Turn Around da Personagem, Paleta de Cores, 4 expressões faciais e descrição.
Ilustrações por Luisa Brandt. Prancha de apresentação da personagem May (primeira versão).

Vale salientar que a personagem May não era apenas uma interlocutora, ela também estava realizando o tratamento, ela foi estudada a partir de uma persona real que vivenciou e lidou com as dificuldades de atravessar a "quimio". A premissa básica para a criação da May girou em torno da seguinte hipótese: ao receber as instruções de forma leve e dinâmica, com desenhos divertidos e motivadores, a paciente poderia ter a May como uma "amiga invisível" que entende as dúvidas e medos característicos do momento, mas que também informa de maneira pontual com dicas preciosas!

A personagem entregaria em sua marca vocal (brand voice) e em seu tom de voz (voice tone) o gancho certo para uma melhor experiência da usuária. Essa conexão entre ambas foi o ponto motivador para resolver um problema que aparentemente não existia, mas, como a vida é esse ciclo de retorno aos mesmos problemas ataquei a mesma premissa, só que, dessa vez, com foco no texto e não na ilustração.

4 expressões do rosto da personagem May ilustrada por Luisa Brandt com texto no box de cada uma dizendo "Olá".
Ilustrações por Luisa Brandt.

Na decupagem da personagem precisei logo de cara elencar um conjunto de expressões para a May, que por ser uma personagem em tratamento quimioterápico, ela apresentou um espectro bastante grande de emoções desde o início. Meus rascunhos da época foram o que me levaram a, posteriormente, desenhar a May nas 4 formas acima. Hoje, "revisitando" o projeto, os rabiscos do rascunho se converteram nos pontos-chave do meu checklist: que palavras utilizei para chegar àquelas expressões? É possível entender a May sem ver a sua carinha tão fofa?

Microtexto "olá" representado em boxes.
Microcopy da May por Luisa Brandt.

O exercício comparativo também trouxe outra reflexão bastante importante quanto à acessibilidade da May. Seria mais inteligível "ler" a May ou "ver" a May? Hmmm… acho que encontramos aqui outro problemão para investigar, concordam? Confúcio, o que o senhor acha? Podemos prosseguir ou eu preciso desenhar? =)

Passei então a dar um valor tremendo a cada palavrinha pois a May é comunicativa, ela não gosta de dar brechas à dúvida mesmo quando está super cansada…! Analisei o produto gerado para o que se propôs a personagem naquele primeiro propósito, e senti a importância da ponte que estamos construindo ao longo desse artigo: a May é um desenho mas ela é super "microtextualizada" — affe, não é porque fui eu quem criou não mas… a May é demais =)

Folheto Ilustrado por Luisa Brandt com a personagem May destinado a pacientes oncológicas.
Versão final do folheto Ilustrado por Luisa Brandt. O cliente hipotético escolhido foi o hospital A. C. Camargo.

Com a infinidade de texto e microtexto que a May continha, eu não poderia deixar sua voz se apagar, porém, esta deveria ser reavaliada com um pouco de cuidado e dedicação no projeto de Writing.

A ilustração como recurso comunicativo é de fato maravilhoso e resolutivo num produto que tem o objetivo de educar e orientar com um certo "grau" de entretenimento. Para o projeto do folheto ilustrado da May as referências visuais foram os quadrinhos e as narrativas dos comics, então o uso das exclamações recorrentes nos balões de diálogo não "soaram" tão pesadas na composição final da obra já que as imagens estão "falando" com um destaque maior que o texto.

Balõezinhos no estilo comics da personagem May ilustrada por Luisa Brandt. São 4 frases de incentivo da May para as pacintes.
Frases motivadoras da May no estilo quadrinhos por Luisa Brandt.

Mas… e se que a May fosse um robot que desperta às 06h00 assim: "Olá eu sou a May! Se liga nas minhas dicas! Não desanime!"? Oh Goshhh Mayyyy… que pentelha! Lamento concordar que não pareceu nada amigável para uma paciente. A May é carinhosa, educada (marca vocal) ela sabe quando e como adaptar o discurso do texto (tom de voz) se preciso for, até porque a May foi criada para resolver um problema e não para criar outro. Então, caso no projeto de Writing da May formos incluir um chatbot, suas mensagens poderiam chegar até a usuária no seguinte padrão:

Microtexto para chatbot com o "tom de voz" da personagem May.
Frases motivadoras da May para chatbot por Luisa Brandt.

E pasmem! Não é que encontramos uma forma de "desenho" que pode vir a calhar dentro desse formato? Um emojizinho daqui, um emotoconzito dali…e pá! a linguagem se confraterniza e comemora! O uso de tais ícones podem auxiliar bastante no contexto da fala da May, pois, além de práticos estão totalmente enraizados na cultura digital, com o adendo valioso de serem universais — ei Confuciozinho, vem cá… Bora conversar? ;)

Brincadeiras à parte, gostaria de enfatizar que concordo tanto com Confúcio quanto me pasma a síntese do Arquimedes, de fato, tanto a filosofia quanto a matemática podem brindar retóricas pra lá de performáticas tanto para os personagens quanto para os robots. Tal aliança pode se tornar útil sempre que os neurônios derem tilt na criação, afinal né gente: desenhar não é tão simples assim — pra desenhar é preciso ter um bom argumento, uma ideia clara e um texto conciso.

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