UX Writing para o Fim do Mundo

Como desenhar mensagens para um planeta em colapso?

EDIT: Gostaria de dizer que este estudo foi escrito ANTES da explosão do COVID-19 e da classificação como pandemia no mundo e no Brasil. É importante deixar isso claro pois não acho que uma situação tão séria deva ser tratada como entretenimento, e não quero que pareça oportunismo. Do lado de cá, envio amor e paciência pra todos nós! Vamos passar por isso, juntos.

Aspirantes a UX Writer sonham em trabalhar com um produto ou cliente que permita um pouco de criatividade e humor nos textos curtos e precisos. Mas e se precisarmos desenhar um futuro apocalíptico? Com aquecimento global e democracia em crise, saber comunicar o colapso pode ser necessário para as próximas gerações de profissionais.

Comecei a fazer este estudo como um exercício criativo inspirado na literatura de Philip K. Dick, mas em uma época em que a realidade se assemelha cada vez mais ao futuro distópico imaginado pelo autor, saber escrever para emergências parece uma importante skill a ser trabalhada.

Simulei um aplicativo essencial para o fim do mundo, o preCog*, que mapearia emergências com base em sua geolocalização e, conectado ao seu sistema de casa inteligente, garantiria que sua casa — ou bunker — estivesse segura e com mantimentos o suficiente para sobrevivência por determinado tempo, quando necessário.

PESQUISA

Como é um universo fictício, utilizei como base meus conhecimentos das obras do autor e de outros de estilo similar (Isaac Asimov, George Orwell), além de artigos e matérias jornalísticas com previsões relacionadas à crise ambiental.

CENÁRIO

Por se tratar de um universo fictício, é importante contextualizar o cenário: Vivemos em 2054, dominados por governos totalitaristas, e vivendo uma crise democrática e de direitos humanos. Há racionamento de água, energia, remédios e comida. A crise ambiental e o aquecimento global geram fenômenos climáticos sem precedentes. A Inteligência Artificial avançou a ponto de se tornar independente, dando início à guerra entre humanos e robôs.

ESTRATÉGIA

Considerei alguns pontos na hora de criar a estratégia de conteúdo para as mensagens de alerta:

• Tempos urgentes pedem palavras sóbrias
  Quando você precisa comunicar algo que coloca a vida da pessoa em risco de alguma forma e já existe uma tensão no ar, é preciso tomar cuidado redobrado com as palavras para não ser sensível demais ou de menos.
• Alertas que geram ação
  A maior parte das mensagens demanda uma ação e o nível de urgência deve ficar claro de acordo com a escolha de palavras.
• Tom de Voz
  Sóbrio, direto e de simples compreensão.
• Personas
  Optei por não definir personas pois as mensagens devem funcionar para todos os tipos de pessoas, uma vez que a instalação e utilização do preCog deve ser obrigatória.

TESTANDO O CONTEÚDO

Para ter certeza que o texto atingiu o nível de clareza e provocou as sensações desejadas (urgência, severidade, necessidade de agir) fiz um teste de usabilidade com um usuário que não tem conhecimento aprofundado da literatura de futuro distópico, o que o tornava ideal para que eu pudesse perceber se a mensagem estava funcionando.

Para o teste, mostrei as telas para ele em dois momentos. No primeiro não dei contexto e pedi que ele falasse em voz alta o que viesse a mente enquanto lia. No segundo, expliquei brevemente o seria o cenário de cada alerta e anotei mais apontamentos e sensações que ele pôde nomear, com mais conhecimento sobre a situação em que as mensagens seriam entregues.

Com isso, senti necessidade de fazer mudanças no vocabulário e encontrar sinônimos que simplificassem a mensagem, trocando expressões como “contenção” por “toque de recolher” e dando mais detalhes no caso de alarmes e localizações das emergências.

RESULTADO

Com uma linha de comunicação definida, criei os alertas para as 6 hipotéticas situações de emergência. Este foi o resultado final:

1. Baixo nível de mantimentos
   Com comida controlada e comunidades inteiras na iminência de uma quarentena ou isolamento por desastres climáticos, o aplicativo é conectado ao sistema de casa inteligente para identificar quando o nível de mantimento está crítico. Neste contexto, a mensagem precisa ter um tom sério e urgente, que instigue o usuário a realizar o quanto antes a compra da próxima cesta básica. Ao mesmo tempo, não pode gerar desespero no usuário a ponto de causar uma reação violenta ou rebeliões.

2. Desastres climáticos

Alagamentos, incêndios, terremotos, furacões, vulcões em erupção serão situações recorrentes. Alarmes sonoros e notificações no dispositivo ajudam a organizar o fluxo de pessoas, diminuindo os riscos.

3. Ataque robô

Já existem alarmes que notificam pelo celular movimentação estranha, mas neste caso, a ameaça é real já que estar próximo a um robô pode ser perigoso. A notificação demanda uma ação imediata para manter a segurança do usuário e do sistema.

4. Temperaturas elevadas

O toque de recolher é uma ordem que precisa ser seguida, por isso o verbo no imperativo. Escolhi comunicar a justificativa da ordem logo no título, reforçando na descrição, para que desde as primeiras palavras o usuário entenda a urgência da situação. Este foi um caso em que o teste de usabilidade me ajudou muito. A primeira opção de título era “Contenção Iniciada”, mas durante a primeira leitura o usuário logo perguntou se essa expressão significava toque de recolher. Percebi que este é um termo mais amplamente conhecido que contenção (do inglês, lockdown) e optei por facilitar a compreensão.

5. Rebeliões

Em um governo totalitarista as manifestações podem ser violentas e ser um risco à vida do usuário. Mas neste caso aproveitei para reforçar esta característica controladora, deixando implícita a mensagem de que todos os civis podem se tornar suspeitos se não seguirem as regras.

6. Você está sendo procurado

Quando se trata de UX, empatia é uma ótima ferramenta. Mas no universo de PKD, Testes de Empatia garantem que você não é um androide se passando por humano (como visto em Blade Runner). A convocação é o nível máximo de urgência das notificações, por isso a escolha de palavras como “imediata” “convocada” “deve” e “compareça” que promovem uma ação que deve ser tomada no mesmo segundo.

CONCLUSÃO

Este exercício não foi apenas divertido de fazer. Também me deu oportunidade de testar ferramentas e trabalhar skills em pesquisa, produto, UI, UX e Writing, que era o foco principal. Em uma semana fui da criação do conceito à produção das telas utilizando Figma e Photoshop. Fiz testes de usabilidade com protótipos e pesquisa de “campo” (nesse caso, revisitando o universo do autor por pesquisa sobre suas obras). Criei o logo e inseri alguns de easter eggs para os apaixonados por ficcão científica.

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*O nome preCog foi baseado nos personagens do conto The Minority Report, videntes capazes de prever o futuro utilizados pelo sistema policial para identificar atos criminosos antes que aconteçam.