Dear White People, isso não é sobre vocês

Luiza Braga
Lado (B)lack
Published in
3 min readMay 4, 2017

Mas sim, você precisa ver e refletir sobre a série

#Acessibilidade Uma cena da série mostrando um close da personagem Sam no estúdio da rádio. Ela usa um colete jeans, está de olhos fechados e com o rosto levemente virado para a esquerda, afastado do microfone a sua direita, segurando o fone de ouvido na orelha direita com uma mão.

A série Caras Pessoas Brancas, assim como o filme, causou um furor quando foi anunciada na Netflix por ser percebida como mais uma série retratando o branco mal, racista. Mas assim como o filme, a série é sobre nós pretos, e talvez isso seja parte do silêncio geral sobre ela. Pessoas não estão acostumadas (ou não querem) tratar sobre a pluralidade negra.

Retratando a dinâmica entre grupos de uma universidade americana, CPB acaba por abordar muito mais o "ser" negro. Esse ser negro que tem por baixo dos estereótipos (inclusive os mais atualizados) uma história, nuances e complexidades das mais humanas. Histórias contém violência, cobranças, dúvidas quanto a sua identidade, a busca pela perfeição e a consciência de que algo na sociedade não se encaixa com você.

A série vai maravilhosamente além do filme na hora de retratar e desenvolver seus personagens e suas perspectivas. Por conta disso, acaba sendo impossível delimitar um personagem mal, e no fim você provavelmente vai se identificar com aquele que está mais próximo a você, com suas falhas e virtudes.

Essa profundidade e a falta da dicotomia habitual, torna mais rica as discussões dentro da Armstrong-Parker e a sua representação do movimento negro. Movimento esse que sempre foi plural em objetivos e métodos, classe e gênero, mas ainda sim se mostra unido pela raça nos momentos em que raça é a pauta. Vemos dividindo a mesa grupos de negros liberais, machistas, alienados, revolucionários, todos colocando sua voz e construindo a sua abordagem. No fim, a ação de um grupo não anula a outra, não existe certo e errado, existem sim discordâncias, pois cada qual tem seus argumentos e motivos, e acabam por formar suas alianças . A eficácia e consequências de cada tática podem ser avaliadas com o andar dos fatos retratados na série. Mas acho interessante notar que a diferença entre grupos não tira sua necessidade de articulação na hora de lidar com as opressões que lhes cabe.

Mas então quer dizer que não se fala sobre o racismo das pessoas brancas na série?

#Acessibilidade Cena da série com um corte centralizando os personagens Sam e Gabe. Ambos estão em uma festa de republica, sentados em um sofá ela está com as pernas cruzadas e um copo na mão, fazendo uma expressão meio "really?", enquanto Gabe olha pra ela dando uma risada, como se tivesse acabado de fazer um comentário supostamente engraçado.

Sim, a série fala sobre o racismo dos brancos, e fala muito bem! Os assuntos são colocados de maneira eficiente e certeira, situações absurdas e desconfortáveis de vários arquétipos racistas que encontramos por ai. O absurdo e a simplicidade desses momentos cumprem o papel de não deixar duvidas sobre o que se entender das situações postas. Ver um grupo de mulheres brancas que não saem com negros, mas tem um vibrador chamado Idris é uma grande redução do que é a experiência da mulher branca com negros, eu sei. Mas lembrem-se, isso não é primordialmente sobre vocês, isso é para que vocês observem e reflitam ao se depararem com uma pequena parte de você retratada na série.

Eu sei, é complicado empatizar com personagens superficiais, ainda mais em papeis secundários (por mais que sejam importantes para o contexto da obra final). O esforço no entanto vale a pena e é impossível chegar ao final da série sem se desesperar um pouco com a demora até a próxima temporada

Enfim, caras pessoas brancas, essa série não é sobre vocês. Mas fiquem a vontade para assistir e amar, só deixe seu "nigga" do lado de fora da porta.

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Luiza Braga
Lado (B)lack

Ela é uma maníaca na pista. Designer, Cantora, Podcaster Produtora Cultural, Intelectual de calçada e Pres. do Conselho Municipal de Cultura de Londrina