Não sei se acho ok a Globeleza existir ainda, mesmo usando roupas

Luiza Braga
Lado (B)lack
Published in
3 min readJan 10, 2017
#Acessibilidade: Imagem com três figurinos da Globeleza. No primeiro ela está representando o frevo, de top e saia com faixas multicoloridas e segurando uma sombrinha nas cores laranja e azul. Na segunda está representando o maracatu com um vestido longo coberto de franjas coloridas. No terceiro quadro ela representa a passista, com um maiô colorido e adereços dourados na cabeça, pulsos e tornozelos. Globo/Ramón Vasconcelos

Primeiro, sim, estou imensamente feliz de não ver uma mulher negra nua na chamada da Globeleza esse ano. E agradeço a todas as mulheres que fizeram questão de pautar isso em espaços de grande visibilidade, que se movimentaram para tal. É por causa delas que a vinheta mudou, e é pra elas que devo meus aplausos e agradecimentos. Mas ainda sim, não sei se gostaria que a Globeleza existisse ainda.

Eu tenho uma pequena história com essa figura, assim como muitas garotas, eu cresci querendo ser ela. Me imaginei sambando nua na TV com o corpão que nunca tive, ou terei. Durante a faculdade meus veteranos me fantasiaram de Globeleza e eu adorei isso na época, eu adorava ela, a Globeleza me representava de certa maneira. Isso é o mais triste. Me desiludir com a Globeleza foi colocar uma mancha em vários momentos queridos da minha vida.

Entender a quem ela servia, o que ela significava, como ela reforça aspectos cruéis de ser uma mulher negra é muito difícil. Pensem comigo, uma das figuras negras mais reconhecidas da TV brasileira é a Globeleza, uma mulher (até ontem) nua no carnaval. Carnaval esse que você sempre vai curtir como? Pegando (em vários sentidos) inúmeras mulatas nas suas férias em Recife, Rio etc, quantas negras não vivem só de amor de carnaval não é mesmo? Amores sem profundidade, conteúdo, trocas, humanidade.

É necessário entender o porquê de se criticar lugares como o da Globeleza. Não é pela nudez em si, tampouco por quem desempenha esse papel. É por conta do confinamento das mulheres negras a lugares específicos. Não temos problema algum com a sensualidade, o problema é somente nos confinar a esses lugares negando nossa humanidade, multiplicidade e complexidade. Quando reduzimos seres humanos somente a determinados papéis e lugares, se está retirando nossa humanidade e nos transformando em objetos. — Djamila Ribeiro e Stephanie Ribeiro na coluna Agora é que São Elas

Mas para além disso, não acho que a Globeleza deva ser a identidade do nosso carnaval. Uma coisa linda da vinheta esse ano (sim ela tem mais coisas lindas do que uma mulher coberta de roupas) foi a demonstração dos vários carnavais, um pouquinho de suas tradições, pessoas brincando juntas. Pra mim essa é a identidade do carnaval, com sua pluralidade e infinitas possibilidades. Seja na escola de samba, no bloco de rua ou na nação de maracatu, carnaval é criatividade do povo.

Joana Cavalcante, grande mestra de maracatu (única mulher), disse uma vez que o carnaval é o povo em destaque. A oportunidade de ser o astro rei, rainha e corte real da peça depois de um ano todo de luta e suor dentro e fora das nações. Nas escolas de samba você encontra o mesmo discurso, carnaval é festa da gente, para a gente, na nossa casa, a rua.

Acho que esse é o espírito deveria ser celebrado, e infelizmente não acho que uma mulher negra sambando seja a melhor solução pra representar esse momento tão glorioso da nossa cultura. Na verdade acho que seria impossível dar uma cara específica ao carnaval. Se eu pudesse escolher, acabava com a Globeleza exclusivamente negra, aliás acaba com ela sendo apenas uma figura e colocaria como uma chamada especial mesmo, como as de fim de ano.

Muito mais importante termos mais protagonistas negras, autoras negras, diretoras negras para nos inspirar, para podermos sonhar em ser Lupitas, Violas, Carois, Pitangas, Thaises e outras mais que ainda precisam do seu lugar ao sol. Acho que outras mulheres negras ficariam felizes também.

Ps. / resumão: Não precisam tirar a mulher negra, só pra constar, mas porque ser destaque só em mulheres negras (ou só mulheres), por que não ser um clipe bonitinho cheio de gente que nem fazem pra tudo?

Fontes:

Globeleza 2017, uma nova perspectiva sobre o Carnaval — e não só para nós, negras

A Mulata Globeleza: Um Manifesto

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Luiza Braga
Lado (B)lack

Ela é uma maníaca na pista. Designer, Cantora, Podcaster Produtora Cultural, Intelectual de calçada e Pres. do Conselho Municipal de Cultura de Londrina