Foto em preto e branco do close de uma dançarina, segurando um leque no Rio Maracatu, carnaval de 2016 do rio. Fotos: Hudson Pontes / Riotur

Nós não queremos ser artistas negros, queremos ser perspectivas negras

Porque queremos ser mais que apenas uma representação negra como forma estética

Rafael Chino
Lado (B)lack
Published in
3 min readMar 14, 2017

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Quando escrevendo o que seria um “sobre” do Lado (B)lack, pensei o quanto falávamos de diversos assuntos que não necessariamente eram temáticas negras. Política, filmes e etc… só que pensando sobre isto me veio algo: Não somos um podcast negro e sim, uma perspectiva negra sobre diversos assuntos. Isto nos dava não apenas liberdade, mas retirava de nós uma visão que muitas pessoas tem da produção negra.

É preciso entender que quando falamos perspectiva negra, trazemos conosco uma visão que nasce em Africa, atravessa o atlântico e influência o que hoje pode ser chamado de cultura afro-brasileira. É preciso ressaltar aqui que muitos negros são desprovidos de contato com sua própria cultura, porém são previamente inseridos nestes espaços por identificação estética, fenóptica e etc… A perspectiva negra da diáspora, é uma junção de diversos fragmentos das culturas de diversas etnias da África subsaariana, Angola, Congo, Nigéria, Moçambique além da troca cultural entre os povos nativos e os imigrantes europeus.

Dentre esses fragmentos, temos por exemplo a questão da forma de expressão. Temos hoje sabedoria de que não apenas na Africa, mas também nos povos nativos do Brasil, o conhecimento é passado através da multiplicidade de sentidos. Temos por herança da cultura ocidental judaico-cristã, que a melhor forma de armazenar um conhecimento e transmiti-lo é através da escrita. A questão é que esta forma está voltada totalmente para um aprendizado linear e temporal. Neste momento, você depende do ritmo imposto pelo escritor para absorver a ideia passada, mesmo que alguma ideia e conceito já trabalhem na mente do leitor. Agora, através da oralidade esses conceitos estão explorados em uma forma não temporal de conhecimento. Estas transmissões de conhecimento e história buscam não apenas ser transmitidas por linhas, mas por imagens. É como se o próprio corpo fosse uma página os quais o conhecimento começa a ser absorvido. Um gesto pode trazer a tona toda uma história e não apenas algumas palavras. Sem contar que a cada pessoa que aprende esta forma, e depois passa a transmiti-lo, um novo conhecimento é agregado ao conhecimento, isto ajuda ainda mais a não temporalidade do conhecimento, é uma transmissão onde tanto o receptor quanto o transmissor são membros ativos dentro da absorção de conhecimento. E isso não é uma condenação a forma escrita ou o que chamamos de “ensino formal”, ela tem seu valor como um registro de fidelidade, mas é preciso entender que estes conceitos se desprendem da compreensão que uma parte da cultura afro-brasileira tem sobre transmissão de conhecimento.

Diversas outras criações e conceitos negros são expressos de forma diferente. A dança, não é para nós apenas uma resposta rítmica e estética aos sons, mas também uma questão ritualística. Para nós a dança é uma forma de conexão com o coletivo, com nós mesmos. Assim como a música. Cada expressão é uma forma ritualística e não no sentido de se conectar com um mundo místico inalcançável, mas de expressar exatamente o que sentimos com o mundo.

Por isso a representatividade e participação ativa são essenciais. Nós como negros não queremos apenas ser chamados para falar sobre apropriação, ou falar sobre escravidão, ou até interpretar um papel de um grande rei Africano. Nós queremos expor ativamente a nossa visão de mundo, expor toda a herança que recebemos de nossos ancestrais. Nós queremos quebrar as narrativas padrões e trazer para as pessoas a forma de se expressar da diáspora, queremos falar sobre arte, filosofia, música. Nós queremos enriquecer o debater ao invés de ter nossas pautas apropriadas para que outras pessoas apresentem as nossas narrativas da forma convencional. Nós queremos que nossa cultura saia de nossa bolha, mas saia pela nossa boca e corpos.

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