13 Reasons Why é o que a gente precisava e não sabia

Thaís Matos Pinheiro
Lado M
Published in
5 min readApr 7, 2017

A história diz que Selena Gomez era fã de um livro chamado 13 Reasons Why ou Os 13 Porquês, na versão brasileira, do autor Jay Asher. Ela foi tão tocada por essa obra que comprou seus direitos e decidiu adaptá-la para uma série. Com a benção da Netflix e com a parceria do premiado diretor Tom McCarthy, Selena é produtora executiva da série que, no primeiro final de semana deste mês, inquietou pessoas do mundo inteiro.

A série não conta com um elenco muito famoso. Katherine Langford é uma atriz australiana estreante. Dylan Minnette fez alguns papéis alternativos e desconhecidos para o grande público. Seus pares de olhos claros carregam a doçura e o mistério que envolvem Hannah e Clay, os personagens principais de 13 Reasons Why.

Hannah é uma estudante de 17 anos de uma escola de ensino médio que se suicida. Clay é seu amigo e admirador secreto tímido que volta pra casa e encontra em sua porta um pacote com fitas-cassete. Ao ouvi-las, a voz de Hannah o desconcerta: “Olá, eu vou contar a história de como minha vida acabou e por que você é um dos motivos”.

Os 13 capítulos nos levam a uma viagem entre presente e passado através das fitas gravadas por Hannah que explica, uma a uma, o papel de diferentes pessoas em sua derrocada. O vai e vem permeado pelo tormento ora de Hannah, em sua trajetória cheia de abusos e decepções, ora de Clay, na tentativa de esclarecer o que aconteceu, dá o tom desconcertante da produção.

Uma das gratas surpresas de 13 Reasons Why é a evolução dos personagens. A sensação inicial é que os jovens apresentados serão aqueles estereótipos de produções adolescentes americanas. Durante os episódios, porém, as histórias de cada personagem vão se aprofundando e revelam dramas bem trabalhados e interessantes. A série também acerta ao não cair no maniqueísmo. Ninguém é apenas bom ou mau, o que afasta a falsa simplicidade que assuntos como esse costumam ter, garante realismo e gera identificação.

Se os personagens conseguem tocar com suas nuances é graças ao elenco brilhante. “A direção de atores e casting foram igualmente precisos, pois vemos uma história com esse peso sendo carregada apenas por iniciantes”, avalia o produtor e roteirista Cristiano Calegari. Katherine emociona na pele de Hannah, Dylan cativa como Clay e Brandon Flynn emociona com seu atordoado Justin. Mas nem só de novatos é feita uma produção teen e cabe à veterana Kate Walsh o brilhante papel da mãe desesperada.

Um soco no estômago

As pessoas simplesmente não conseguem esquecer 13 Reasons Why depois de assisti-la e está todo mundo meio atordoado porque a temática da série é aquela verdade desagradável que precisa ser dita urgentemente. Ela aborda o suicídio de maneira séria e delicada, sem romantiza-lo ao mesmo tempo que não culpabiliza a vítima.

Mas é mais que suicídio. Ela trata das relações humanas, de como as interações estão cada vez mais rasas e vulneráveis, da omissão e da falta de empatia, da letalidade do bullying e das humilhações diárias. Ela trata do peso que as palavras, por mais inofensivas que pareçam, têm na vida das pessoas. E é exatamente esse o ponto que desconcerta tanta gente: isso tudo é real.

Ela se torna necessária por cobrar mais responsabilidade e atenção das escolas e famílias, alertando para os sinais de crise em adolescentes e de como a menor intervenção pode mudar as vidas desses jovens e ajudá-los a passar pelos momentos de sofrimento. Ela deveria ser assistida por professores, diretores, pais, família, por todo mundo por ser um grande convite ao cuidado com o outro.

Revela também a misoginia das relações entre meninos e meninas, inundadas de desrespeito e depreciação. Mostra com sutileza como quase todos os motivos de Hannah eram fruto de uma cultura de hostilização feminina e toca em assuntos importantíssimos, mas banalizados, como a crítica à objetificação da mulher travestida de elogios e a nocividade da competição feminina.

Triunfa ao tratar de estupro de maneira humanizada e traz uma discussão raras vezes abordada: o consentimento. Assim, da maneira mais natural possível, traz para reflexão e debate a recorrência desses abusos, o acobertamento do agressor por seus amigos, a proximidade entre agressor e vítima e o silêncio de todos a respeito, o desamparo da vítima e a falta de preparo da sociedade para lidar com isso. A direção teve ainda a ousadia de mostrá-lo em cenas difíceis, que doem como um soco no estômago, mas responsáveis e necessárias.

Além dos porquês

A série exemplifica como a ficção pode influenciar e beneficiar a realidade. Essa discussão é muito séria e a produção acontece no momento em que o suicídio é a segunda maior causa de morte entre adolescentes nos Estados Unidos.

No Brasil, em menos de uma semana do lançamento, o Centro de Valorização da Vida, organização que realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, registrou aumento de 100% em pedidos de ajuda ou conversa enviados por e-mail e 25 mensagens falam da série.

A série tem um propósito muito maior do que abordar o tema e convidar os espectadores a encarar essa realidade. A Netflix disponibilizou uma plataforma que indica diversas instituições de saúde pelo mundo, e oferece suporte para pessoas que estão passando por crises, apesar de deixar claro que essa ferramenta não substitui o acompanhamento médico.

Ao final dos 13 capítulos, somos brindados com um making of de 30 minutos que traz atores, produtores, o autor do livro e psicólogas discutindo depressão, suicídio, slutshaming, cyberbullying, a violência de gênero nas relações entre estudantes, culpabilização da vítima em casos de estupro e a dificuldade em buscar ajuda.

A produção é corajosa ao falar sobre um problema recorrente e considerado por muitos como desagradável. Traz personagens complexos e reais e os aproxima do espectador. Revela as consequências das relações doentes e fracas que possuímos hoje e leva milhões de adolescentes, jovens e adultos a questionarem e refletirem sobre suas próprias atitudes e por que eles também são ou já foram um dos porquês na vida de alguém.

Originally published at www.siteladom.com.br on April 7, 2017.

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