5 motivos para você ler o novo livro de Patti Smith, Linha M

Lado M
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Quando alguém se propõe a assumidamente escrever sobre o nada, duas alternativas bastante óbvias podem ser sugeridas: ou estamos diante de uma obra genial, ou de um completo fracasso editorial. Agora, imagine que a pessoa por trás dessa ideia nada convencional é Patti Smith. Automaticamente, o fracasso já não é mais uma possibilidade, não é mesmo?

Linha M, a mais recente publicação da autora, lançada no Brasil pela Companhia das Letras, é fruto de um longo processo de revisitação a suas memórias sem quaisquer pretensões cronológicas ou de linearidade na narração dos fatos. Embora não se estabeleça como um grande clássico literário, esse é um daqueles livros que transportam o leitor para um novo mundo através de palavras que nos embebedam, deixam de molho e depois nos botam para secar.

Em entrevista ao Estadão, Patti Smith explica que não possuía um rascunho prévio para o livro, e que “é por isso que é chamado M Train, mental train, mind train; eu só quis ver aonde eu iria”. Justamente por isso, inicialmente a leitura pode parecer confusa e cheia de divagações sem pé e nem cabeça para os desavisados.

Para que você não caia nesse erro, o Lado M preparou 5 coisas que você precisa saber para se apaixonar por Patti Smith e por Linha M antes mesmo de ler Linha M.

Linha M é sobre nada e sobre tudo

Apesar de à primeira vista soar despretensioso, Linha M é intimista, libertador e cármico. Mesmo que apresente o que poderiam ser considerados relatos de viagens (afinal, Patti viaja o tempo todo), o cenário principal consiste em seu apartamento em NY e o Café ‘Ino, local que frequenta religiosamente para tomar café e comer torrada com pão integral e azeite.

O mais interessante da andança por suas memórias é o modo desprogramado com que elas surgem. Seja através da inspiração trazida por uma paisagem, frase, símbolo ou um objeto, espontaneamente novas histórias e lugares ganham espaço na narrativa, de modo que o leitor receba a mudança de ambiente de maneira confortável e envolvente.

Ao expor seus conflitos mais íntimos, Patti é universal ao entender as angústias que permeiam pessoas de todas as idades, classes e gêneros, o que produz uma intensa identificação do leitor com a autora mesmo em passagens bastante específicas de sua vida. Repleto por fotografias em preto e branco, Linha M te prende pela escrita e te transforma ao final de leitura.

Patti Smith inspira empoderamento

Poeta, cantora, compositora, mãe do movimento punk, devoradora assídua de literatura, artista plástica, fotógrafa, escritora, membro de grupo científico, ativista… Patti Smith assume tantos papéis e em lugares tão diferentes que é surpreendente a leveza com que ela leva tudo isso e ainda nos inspira a chegarmos aonde nossa vontade quiser nos levar.

Após encarar uma gravidez inesperada aos vinte e poucos anos, Patti decidiu que era tempo de largar a segurança de seu lar para viver da arte. Chegando em Nova York, passou por muitos perrengues e remediou a diversas convenções do que era ou não “cabido a uma mulher”, disputando espaços predominantemente ocupados por homens, como o cenário do rock nos anos 1970.

Atualmente, aos 69 anos, Patti Smith é uma viajante que está sempre acompanhada de seu gorro preto, uma xícara de café e caneta para escrever o que vier a sua mente no momento que for. Desapegada de presunções frequentemente vindas com a chegada da idade, ela não se limita à sua zona de conforto e está sempre disposta a mudanças repentinas — seja no destino de uma viagem ou ao decidir comprar uma casa velha e morar à beira do mar.

Sobretudo, Patti inspira independência e mostra os proveitos de se impor enquanto uma mulher livre. Mesmo que em momento algum se anuncie como tal, sua alma é claramente feminista.

Antes de Linha M, você precisa ler Só Garotos

Lançado em 2010, é uma parada obrigatória a todos que se viram envolvidos pelo furacão do lançamento de Linha M.

Basicamente, Só Garotos é uma viagem cerceada pelos fatos mais marcantes da vida de Patti Smith ao lado do emblemático fotógrafo Robert Mapplethorpe. Donos de um amor livre e de uma amizade leal, a história daqueles dois garotos que abriram mão de seus privilégios para viver pura e simplesmente da arte inspira poesia e enaltece a força de um espírito jovem.

Um presente aos adeptos saudosos do movimento artístico de contracultura que marcou aquela época, o livro transporta seu leitor ao cerne da efervescência cultural da Nova York dos anos 1960 e 1970. Suas páginas, por exemplo, vêm recheadas por passagens envolvendo grandes nomes como Janis Joplin, Jimi Hendrix, Lou Reed e Andy Warhol.

Apesar de seguir uma linha autobiográfica, o que se sobressai mesmo é a poesia em prosa que Patti usa para relatar os fatos, outro elemento fundamental para que se entenda o estilo de Linha M.

O spoiler sobre The Killing é quase uma heresia

Se você é fã de séries policiais, assim como Patti, e não terminou de assistir a The Killing, não se chateie se você se deparar com um spoiler monstruoso sobre o episódio final.

Por outro lado, se você não assiste e nem pretende assistir à trama, não desdenhe da passagem. Mesmo ao descrever uma season finale, a autora transmite sentimentos e proporciona reflexões muito maiores do que aqueles tão breves parágrafos poderiam prever.

Esse não é um livro para ler depois de um dia exaustivo

Se o seu trabalho foi estressante e você chegou ao final do dia dispondo de pouca atenção, não tente ler esse livro dentro do transporte público na hora do rush. Não vai rolar. A não ser, é claro, que a sua concentração seja tamanha ao ponto de sequer ouvir os alto-falantes anunciando a próxima parada do metrô.

Isso porque Linha M não traz um enredo mastigado, em que não importa se você perde uma frase ou outra que a continuidade poderá ser encontrada no próximo período. Ao contrário de muitos dos best-sellers aos quais estamos acostumados, a sua riqueza encontra-se exatamente em seus detalhes e em sua riqueza poética, o que, convenhamos, não deve ser desperdiçado.

Nesse sentido, as digressões são constantes e exigem certo esforço para que não se perca a linha de raciocínio, e isso deve ser levado em consideração. Mas tenha calma: não é nada parecido com as digressões de um livro enfadonho como Viagens na Minha Terra. Se estivesse vivo, inclusive, Almeida Garrett certamente gostaria de ser como Patti Smith.

Aliás, quem não gostaria?

Originally published at www.siteladom.com.br on June 23, 2016.

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