50 Tons de Liberdade continua a romantizar relacionamento abusivo

Ana Carolina Müller
Lado M
Published in
3 min readFeb 8, 2018

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Depois do sucesso de 50 Tons de Cinza (2015) e sua continuação, 50 Tons Mais Escuros (2017), o terceiro filme da franquia chega aos cinemas para um desfecho justo. Porém, nada surpreendente. 50 Tons de Liberdade cumpre as promessas deixadas no final do último filme, mostrando o casamento dos protagonistas e desenrolando a vingança de Jack Hyde (Eric Johnson). Por fim, há um desfecho que certamente vai emocionar e satisfazer os fãs que acompanharam esses personagens ao longo dos anos.

O filme chega aos cinemas brasileiros no dia 8 de fevereiro.

Christian Grey continua abusivo

Apesar da fotografia e da trilha sonora serem dignas de vários elogios, o roteiro é prejudicado por diálogos muito problemáticos e, é claro, pelo comportamento extremamente abusivo de Christian Grey (Jamie Dornan). Como já acontecia nos dois primeiros filmes, o público assiste Anastasia (Dakota Johnson) ser abusada e diminuída de diversas formas. Um exemplo é ela levar bronca quando vai para o bar com a amiga, ou ouvir que deveria parar de trabalhar e até ser impedida de dirigir.

Para falar dessas violências cometidas, é muito importante enfatizar que elas não estão relacionadas com as preferências sexuais do casal e com o BDSM consensual entre ambos. Essa confusão é um dos motivos que faz as atitudes abusivas de Christian passarem despercebidas pelo público, como se fosse normal a submissão de Ana continuar além da cama. Ela termina a trilogia se afastando dessa imagem; diverte-se contrariando Christian o tempo todo e grita com ele numa cena que pode ser considerada o ápice da personagem e da atriz. A grande questão a ser pensada é que, mesmo discordando das imposições do marido, sempre acaba cedendo como se fossem apenas caprichos dele.

“Evolução” do personagem

Christian Grey, considerado um dos galãs mais famosos da ficção, é uma eterna criança mimada. Os roteiros de todos os filmes, principalmente deste último, tentam justificar seu comportamento perturbador a partir do que sofreu na infância. Porém, a explicação não é suficiente e serve apenas como um desfavor que sustenta a ideia de que crianças abusadas são problemáticas quando adultas.

A “evolução” do personagem consiste basicamente em um homem traumatizado, totalmente contrário a manter um relacionamento, que recebeu o carinho de uma mulher e aprendeu a amar. Mais uma vez, entramos naquela velha ideia de que é o amor é capaz de mudar um cara e que seu final feliz é o casamento, independente dos abusos que comete.

Cenas de sexo

Quanto as famosas cenas de sexo, continuam não convencendo. A tão esperada cena de sexo anal é como qualquer uma das outras — o casal tem química, mas vemos muita nudez feminina e poucas preliminares. Chega a ser irônico que a série de livros é voltada para mulheres enquanto as cenas adaptadas mais parecem um pornô sem graça voltado para o público masculino.

Além disso, sexo é algo que acontece muito nesse filme, até em momentos que não fazem sentido nenhum. O mesmo vale para a quantidade desnecessária de vezes que Dakota Johnson apareceu com os seios a mostra.

Para refletir

Retratar um relacionamento abusivo no cinema é importante, mas 50 Tons de Liberdade romantizou esse cenário e transformou o controle em cuidado. É inegável que o auge de seu sucesso significou uma libertação para muitas mulheres, que começaram a ler livros eróticos em público sem vergonha, discutir sobre o assunto e repensar sua sexualidade. Muitas, inclusive, passaram a gostar de literatura a partir disso.

Quase 7 anos depois do lançamento do primeiro livro, a história termina. É essencial ir ao cinema e repensar o que está sendo visto ali, discutir com outras mulheres e entender que, apesar do legado, o relacionamento retratado ali não tem nada de ficção — aliás, ele acontece muito na vida real e não tem nada de saudável.

Originally published at www.siteladom.com.br on February 8, 2018.

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