A Bela e a Fera traz um olhar empoderador sobre o clássico da Disney

Isabela Borrelli
Lado M
6 min readMar 14, 2017

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A Bela e a Fera é um dos maiores clássicos da Disney e a versão live action, que traz um elenco de peso, trouxe muitos receios, principalmente para fãs de carteirinha. E se estragassem os personagens? A magia? Como seria possível melhorar ainda mais o que já era praticamente perfeito?

O clássico sempre será o clássico, mas a Disney provou que consegue, senão melhorar, ao menos trazer elementos novos e um olhar totalmente diferente para o filme sem perder a magia. Desde personagens até os relacionamentos, somos apresentados a uma versão totalmente inovadora da história de A Bela e a Fera.

Síndrome de Estocolmo e o relacionamento em A Bela e Fera

Antes de tudo, é importante abordar a questão da Síndrome de Estocolmo, que sempre foi muito presente quando se trata da história. Segundo Nils Bejerot, psiquiatra que estudou o fenômeno, em uma entrevista para a BBC: “Os prisioneiros experimentam um sentimento poderoso e primitivo em relação ao seu captor. Eles ficam em negação que essa é a pessoa que os colocou naquela situação, eles acham que é a pessoa que irá deixá-los vivos”.

Já de cara, Bela claramente não tem a síndrome: ela não demonstra a menor vontade ou necessidade de agradar a Fera e no começo se recusa a querer conhecê-la, por exemplo. O relacionamento entre os dois só se desenvolve depois de ambos se ajudarem em uma situação de perigo e, nela, Bela teria a chance de fugir e deixar a Fera morrer.

Apesar de salvá-la, por muito pouco a protagonista não abandona o captor. Pela segunda vez na trama, ela abre mão de sua liberdade para ajudar alguém, , no entanto, dessa vez não é porque sente que a Fera cuidará dela, mas porque Bela sabe que a Fera morreria. A partir desse acontecimento, o relacionamento dos dois começa a evoluir aos poucos.

Na versão live action de A Bela e a Fera, no entanto, somos apresentados a uma nova faceta desse relacionamento. Os dois conversam muito mais, construindo um relacionamento mais sólido e há uma identificação entre eles que não era tão perceptível no filme original. Não se trata só de sentimento, mas de compreensão: tanto o humor quanto as inseguranças são compartilhadas e eles se surpreendem com isso. O amor é uma consequência.

Figuras femininas e empoderamento

Como em muitas entrevistas em que a Emma Watson já tinha deixado claro, a Bela que vemos em carne e osso é uma versão muito mais empoderada do que a do desenho animado. Seus interesses não se resumem somente aos livros: ela também ajuda o pai com as próprias criações dele, faz cálculos e cria invenções para facilitar as tarefas, como uma máquina de lavar roupa.

Mas o empoderamento não para por aí. É perceptível em ações da protagonista que Emma trouxe outra dimensão para a personagem. Um exemplo é quando Gaston a pede em casamento. Quem se lembra da versão de 1991 sabe que, para se desvencilhar da proposta, Bela opta por uma resposta que muitas de nós damos quando achamos que não temos saída: elevamos o cara para ele desistir logo. No desenho, ela agradece o pedido e diz que não merece Gaston.

Porém, na versão live action, a Bela de Emma é direta e reta: com uma cara de horror, diz que nunca se casará com ele. A mudança de uma resposta para outra pode parecer pequena, mas ela é muito importante, afinal, Bela não tem medo de magoar o ego — gigante — de Gaston, e ele tem que aceitar o não dela, ponto.

Outra personagem importante é Ágata, uma mendiga da vila que é apontada por Gaston como o futuro de Bela se ela não casar com ninguém. Ao longo do filme, vimos que ela é muito mais do que se espera. Mas, mais do que isso, seria entregar uma boa surpresa do filme, então me contento em chamar atenção para essa personagem.

Já a mãe de Bela também é construída com mais clareza, uma vez que ela nunca tinha sido sequer mencionada na versão original. A razão por ela não aparecer é explicada e vemos que ela é outra personagem forte: além de ser descrita como destemida e incompreendida — assim como a própria filha –, por causa de um sacrifício pessoal, ela salvou Bela e Maurice.

Realismo

Quem é fã do filme original percebeu mudanças consideráveis tanto nas roupas dos personagens, quanto na estilização dos móveis. Não é para menos: o filme, dos primeiros segundos até o final, foi pensado com uma preocupação muito clara em deixar tudo muito mais realista e situado por volta do século XVII. Desde perucas brancas, vestes, costumes e até menção à peste que assolou a Europa na época, A Bela e a Fera não é mais uma narrativa em um tempo desconhecido.

Como já citado, a história da mãe da Bela tem uma explicação racional, assim como a da Fera é abordada com mais detalhes. Não espere uma biografia, mas já é o suficiente para entender certos vazios da história. Os personagens em geral são mais interessantes, sendo construídos com mais profundidade emocional.

Outras questões também são mais realistas, uma vez que Bela e o pai não lidam com tanta naturalidade ao fato de que móveis se mexem e falam, por exemplo. Também, a inexistência de família ou conhecidos dos servos que viraram móveis é explicada de uma forma bem interessante e mais crível do que o original — no qual a impressão era de que eles não tinham absolutamente ninguém. E é exatamente essa a sensação que dá ao ver o filme: ele tem um propósito muito grande de preencher lacunas deixadas vazias pelo original.

Vila x Castelo

No desenho, é perceptível uma hostilização mais forte da vila com o pai de Bela, um inventor “maluco”, do que com Bela diretamente. Sim, todos a acham estranha, mas a impressão é só a de que ela não se encaixa no lugar e ponto. Já no filme é diferente, as ações de Bela não só são reprovadas pela vila, como ela recebe agressões diretas, como ter uma das suas invenções destruídas por incomodar os habitantes.

Apesar de ser aparentemente livre na vila, Bela é prisioneira de uma mentalidade atrasada, que acredita que meninas e mulheres não precisam ler, muito menos pensar e ter escolhas de fato. Ela sonha com outro mundo em que não só seja aceita como é, mas no qual suas ideias sejam levadas a sério. E, vamos concordar, que mulher nunca passou por isso?

Já no castelo, sendo prisioneira, Bela descobre um acolhimento não só por parte dos servos, como da própria Fera, com a qual se identifica não só na forma de pensar, como também na solidão que sente. Mas como alcançar a felicidade se não há liberdade de fato? Não há, e essa é a resposta que Bela dá para a Fera quando ela lhe pergunta se poderia ser feliz ali.

O final, todos já sabem. Fera liberta Bela, porque descobre que a ama. Talvez aqui seja importante refletir sobre relacionamentos abusivos, afinal, não importa se há afeto no relacionamento. Se não há liberdade, não é possível existir amor de fato.

Homossexualidade

LeFou, melhor amigo de Gaston e agora primeiro personagem abertamente gay da Disney, é um dos personagens que é construído de forma mais profunda. Ele claramente ama e admira Gaston e, ao mesmo tempo que quer ser o vilão, também nutre sentimentos por ele.

No filme, seus sentimentos são tratados de forma bem delicada. Ele não é apresentado dentro dos estereótipos apelativos e, ao mesmo tempo, não há dúvidas sobre sua sexualidade, tratada de forma muito natural na trama.

Fora a idolatria que nutre por Gaston, o LeFou do desenho não se parece com o interpretado por Josh Gad. No desenho, o personagem é o capanga do vilão e dificilmente bate de frente com ele. Agora, LeFou questiona e até contraria Gaston, sendo possível perceber um faceta mais complexa do personagem — cuja simpatia e ótimo senso de humor fazem dele uma das melhores surpresas do longa.

A Bela e a Fera não é sobre amor, mas sobre aceitação

Bela não procura o príncipe encantado, ela quer ser compreendida, assim como Fera e LeFou, por exemplo. Isso fica claro não somente pelas músicas, mas também pelos diálogos e forma com que os relacionamentos são construídos. É na compreensão que esses personagens encontram o amor, e não o contrário.

A Bela e a Fera se mostra como uma versão atualizada e mais completa do original. O olhar que temos dos personagens e do mundo de Bela e a Fera é empoderador e moderno, sendo que tudo isso é localizado no século XVII. Como uma fã ferrenha dos clássicos da Disney, posso dizer que fiquei surpresa positivamente com tantos detalhes novos — e importantes-, além da dimensão mais aprofundada da história e dos personagens.

Originally published at www.siteladom.com.br on March 14, 2017.

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