A Festa, de Sally Potter, traz personagens femininas surpreendentes
A festa, longa-metragem de Sally Potter( do aclamado Ginger & Rosa, de 2012) resume bem o ditado popular “para o pior, não tem limite”. Mas ao contrário do que a máxima permite, é possível extrair cenas de comédia diante de tanta tragédia que ocorre ao longo do roteiro. Em um filme curto (71 minutos) e super bem feito, Sally Potter escreve a ascensão de um jantar que celebra todas as neuroses de uma classe média inglesa pós-moderna incapaz de entender o significado da palavra “fracasso” e com um belo destaque para suas personagens femininas.
O enredo
Janet (interpretada por Kristin Scott Thomas) é uma mulher admirável por muitos, pois foi a única da turma a chegar na liderança de um cargo público da saúde britânica. “Ministra”, como agora é chamada, resolve fazer um jantar em sua residência para os amigos que sempre a ajudaram — ou quase sempre. São eles: April (Patricia Clarkson) e seu marido Gottfried(Bruno Ganz), Martha (Cherry Jones) e sua esposa Jinny(Emily Mortime) e Tom (Cillian Murphy) e claro, seu marido dedicado Bill (Thimoty Spall) a quem Janet é eternamente grata pelo seu — aparentemente — apoio incondicional.
Cada personagem é construído de forma caricata e o ambiente e fotografia são elaborados para o espectador se sentir em um teatro. Como a dramaturgia é regado pela dicotomia entra tragédia e comédia, a escolha do cenário afirma esta condição. A festa é rodado em preto e branco, o que já intenciona um aspecto teatral. Além disso, o “palco” é dividido em quatro áreas: sala, cozinha, banheiro e jardim, e todos os conflitos que vem a seguir são justamente de âmbito privado, um prato cheio para a morte anunciada da educação e da hipocrisia. A “morte” neste caso é revelada, pois o filme inicia-se com Janete apontando a arma para algum convidado que até então desconhecemos.
Personagens
No ambiente privado da burguesia britânica, um jantar de comemoração vira um ringue de batalha. Esposas são traídas, depressivos usam drogas, grávidas enjoam no banheiro e maridos são vítimas de sua ingenuidade, e tudo isso ao som de várias músicas arranhadas na agulha da vitrola. Toda essa desunião também pode ser uma metáfora das ideologias de esquerda que uniam o grupo e agora o desfaz, visto o atual cenário político inglês pós Brexit.
A grandiosidade do elenco é enaltecida a partir da interpretação das mulheres. A maneira exagerada de cada uma forma um conjunto sarcástico e divertido. April, a melhor amiga de Janet, é tão cínica que não mede esforços para botar mais lenha na fogueira ao ver o circo pegar fogo. Martha, lésbica e acadêmica, não quer se render a uma vida doméstica ao se ver mãe de trigêmeos da companheira Jinny, que tem sua admiração abalada depois de descobrir na esposa um passado heterossexual e Janet, a anfitriã, parece ser muitos personagens em um só: a esposa compreensiva, a amante sonhadora e a ministra ponta-firme. As três atrizes, junto com o roteiro de Sally Potter, fazem o filme realmente valer a pena.
Já a interpretação dos homens também é magnífica, mas seus personagens não recebem tanto destaque. Bill, o marido abandonado, Tom, o intruso engravatado no meio de tantos intelectuais e Gottfried, o alemão “bonzinho” ficam um pouco apagados diante das personagens femininas. Dos três, Gottfried é o que mais arranca risos da plateia. O ator Bruno Ganz interpretou Hitler no longa A queda! As últimas horas de Hitler e em A festa é o marido boa gente de April, que tenta apaziguar todos os escândalos que o jantar provoca, isso mostra o talento do ator, visto que faz dois papeis completamente distintos de forma ótima.
Assim, A festa acaba no auge do conflito e sem um final específico, o que faz dele ainda melhor, pois se “para o pior não tem limite”, a imaginação do espectador também não.
Originally published at www.siteladom.com.br on July 23, 2018.