A Gorda é um livro corajoso, mas ainda traz muitos preconceitos
“Quarenta quilos é muito peso. Foram os que perdi após a gastrectomia: era um segundo corpo que transportava comigo. Ou seja, que arrastava”. As primeiras palavras de A Gorda já mostram uma prévia do que o leitor deve esperar de sua história — a verdade jogada bem na sua cara, crua e sem medo, sobre a imagem socialmente construída acerca do corpo gordo. Ou, pelo menos, uma das imagens possíveis.
A Gorda traz violências vividas pela autora
O romance de Isabela Figueiredo foi lançado em Portugal no ano de 2016 e trazido para o Brasil em 2018 através da Editora Todavia. Como a própria autora declara abertamente, a protagonista do livro e os aspectos marcantes de sua vida surgem a partir das próprias vivências de Isabela. A autora fala sobre a relação difícil com seu próprio corpo, o que é essencial para compreender os rumos que a narrativa toma.
Maria Luísa nasceu em Moçambique e viveu lá até a independência do país, quando a família se mudou para Portugal. Fez duas faculdades, conseguiu um emprego desejado como professora e herdou a casa que os pais decoraram com todo o carinho. Porém, graças a suas características físicas, nunca conseguiu se sentir totalmente realizada, especialmente após o trauma de ver o homem que mais amou abandoná-la, com o argumento de que seus amigos fazem piadas sobre namorar uma gorda.
Gastrectomia
A primeira página do livro A Gorda começa com a gastrectomia de Maria Luísa, já adulta, logo após a morte dos pais idosos. Em entrevista para revista portuguesa Sábado, Isabela Figueiredo confirma que também realizou a cirurgia e essa foi sua inspiração para escrever. “Perdi todo esse peso e houve um sentimento de libertação, um desejo de viver enormes mas continuava a carregar uma grande mágoa. Tornou-se urgente escrever”, diz.
Para Isabela, a história parece começar a partir da magreza, da “libertação”. Sozinha no apartamento onde vivia com sua “mamã” e “papá”, ela percorre os cômodos, relembrando dos momentos vividos ali com todas as pessoas que passaram por sua vida e já foram embora.
Com uma escrita impecável e citações muito interessantes, A Gorda pode ser uma ótima experiência e um lindo embarque na literatura portuguesa. As palavras chocam e o sofrimento da protagonista transborda para fora do livro, narrando como é doloroso ser vista como feia, errada e malcuidada.
Falta discussão
Infelizmente tudo termina sem grandes discussões sobre o tema. O leitor sequer pode gerar uma expectativa sobre como será o caminho para a auto aceitação da personagem, já que a primeira informação que temos é que realizou uma intervenção cirúrgica em uma busca angustiante por isso. Também há uma coleção de estereótipos que não podem passar despercebidos, como a ideia de que Maria Luísa ser gorda está diretamente ligado a compulsão alimentar e a falta de vaidade.
É essencial dar voz a uma personagem gorda tão sincera que sofre com comentários e rejeições durante toda a vida. A partir disso, é possível abrir caminhos para novos diálogos sobre o assunto com leitores que jamais imaginariam como é viver com um corpo gordo. Porém, A Gorda traz o tempo todo uma sensação de que a magreza é a grande receita para a felicidade e para o retorno de um homem que a rejeitou por um motivo absurdo, fez Maria Luísa beirar a loucura, mas, ainda assim, é amado.
Com angústia atrás de angústia e pequenos momentos de alegria mal aproveitados pela personagem, o livro traz uma literatura deliciosa, mas é recheado de pequenos preconceitos e termina com a triste ideia de que não há outro caminho para as mulheres fora do padrão ideal.
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Originally published at www.siteladom.com.br on May 6, 2018.