A Guerra Não Tem Rosto de Mulher, por Svetlana Aleksiévitch

Isabela Borrelli
Lado M
3 min readAug 30, 2016

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Com certeza, a guerra não tem rosto de mulher. Nos filmes, nos relatos, no imaginário da guerra, não existe espaço para a mulher, a não ser que ela esteja em casa, cuidando dos filhos e esperando seu marido ou parente homem voltar da guerra. Elas também são construídas como constantes vítimas da violência e de abusos sexuais, o que não significa que seja mentira, mas não necessariamente se resumem a isso.

Eu nunca questionei essa imagem da mulher na guerra, nunca achei possível que ela pudesse ter trabalhado nas trincheiras ou ter sido uma francoatiradora, mas Svetlana Aleksiévitch me provou o contrário.

Em 390 páginas, o livro A Guerra Não Tem Rosto de Mulher traz a história não contada de diversas soldadas soviéticas que lutaram durante a Segunda Guerra Mundial. São relatos íntimos, tristes e fortes que procuram trazer à tona a realidade vivida por quase um milhão de mulheres soviéticas que participaram dessa guerra.

Se esse livro prova alguma coisa, é que a mulher está longe de ser o sexo frágil. Afinal, só com força para dar à luz em um pântano cercado por uma aldeia em chamas, ter sua vida e seus símbolos do que é ser mulher postos abaixo, enfrentar o exército inimigo e ainda se permitir amar.

“Fomos ao centro de alistamento, ali mesmo já nos levaram por uma porta, saímos por outra — eu tinha feito uma trança tão bonita, já saí de lá sem ela… Sem a trança. Cortaram meu cabelo como o dos soldados… E tomaram o meu vestido. […]

Para onde estávamos indo? Não sabíamos. No final das contas, isso não era tão importante quanto o que nos tornaríamos. Qualquer coisa, desde que chegássemos ao front. Todos estavam lutando, e nós também. Chegamos à estação Schólkovo, perto dali havia uma escola feminina de francoatiradoras. Descobrimos que estavam nos levando para lá. Para as francoatiradoras. Todas ficamos felizes. Agora era de verdade. Iríamos atirar.”

Mas por que isso nunca veio à tona?

O livro não traz somente os relatos dessas mulheres e guerreiras: ele traz a denúncia da baixa representatividade das mulheres em geral na história. Afinal, onde estão as mulheres que fizeram história? Quantas mais mulheres estiveram ou estão em uma guerra? O que é a guerra para uma mulher? Até que ponto é permitido ser mulher em um ambiente tão hostil e masculino como a guerra?

Aleksiévitch desperta essas e mais diversas questões sobre quem, de fato, somos nós mulheres e como uma narrativa machista dos acontecimentos pode diminuir nossa representatividade. A própria escritora é exemplo, uma vez que ela foi a 14ª mulher a receber o Nobel da Literatura, sendo que 111 autores já foram premiados.

Dessa forma, eu convido você a conhecer uma guerra que nunca foi contada, na qual as protagonistas são mulheres fortes, como nós, com histórias tristes e nunca contadas.

Originally published at www.siteladom.com.br on August 30, 2016.

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