A influência das Princesas da Disney nas crianças

Natalie Majolo
Lado M
Published in
6 min readOct 7, 2015

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Colada em um córrego poluído de Ferraz de Vasconcelos, na grande São Paulo, a comunidade apelidada carinhosamente de “Beverly Hills” esconde preciosidades em seu âmago. Nayla Vitória é uma dessas estrelinhas que não conseguem parar de brilhar um minuto sequer. A pobreza do lugar não se manifesta no coração das pessoas que ali moram.

Quando perguntei a Nayla se ela toparia conversar comigo sobre as princesas, seu sorriso de incisivos separados logo brotou no rosto. Perguntei qual era sua princesa favorita. De cara, já falou “Elsa, do Frozen!”. Questionada do por que ser ela, e não qualquer outra:

— O cabelo dela é bonito, a roupa! Quero ser uma princesa que nem a Elsa, disse.

Perguntei, então, o que ela achava das princesas clássicas. Não entendendo quem eram, citei a Cinderela. “Cinderela? Ela é burra, não vem nenhum príncipe e ela fica lá esperando. O príncipe demora muito pra chegar, e depois o sapato dela some!”. Nayla me disse que também quer ganhar um beijo de um príncipe. Não precisa ser encantado, mas tem que ser príncipe. Disse que quando ele vier, vai levá-la para longe. Onde seria esse longe?, indaguei.

-Pra Guarulhos. Vou ter uma mansão, e vai ter praia e piscina junto!
-Por quê Guarulhos?
Ela me explicou; tinha a ver com grandes aviões chiques.

O que é ser uma princesa?

A expectativa de Nayla não é muito diferente de outras meninas. Não que todas queiram morar em Guarulhos. Mas seu desejo comum é o mesmo: ter coisas, ser bonita e ter um príncipe. De acordo com cientista social Michele Escoura, estas são as características que definem o que é “ser uma princesa”. Para realizar a pesquisa, Michele frequentou escolas públicas e privadas apresentando dois filmes às crianças: Cinderela e Mulan. Depois, elas faziam desenhos da parte que mais gostaram e explicavam os motivos que as levaram gostar mais da determinada parte que foi esboçada.

A mansão que Nayla sonha entra num desses critérios para ser uma princesa, ter coisas. “Precisa ter coroa, ter vestido, um sapato bonito, jóias. Isso nos remete a uma ideia de consumo, ideia de precisar ter coisas para ser uma princesa”, afirma Michele. “[O consumo] também está atrelado ao critério de ser bonita, e ter coisas que te ajudassem a ficar bonita. Ser bonita está relacionado com um padrão de beleza”.

Elsa é uma princesa Disney do filme Frozen. Seu cabelo é loiro, sua pele é branca, e seus olhos são claros. É magra e jovem. Não só é “bonita”, como também tem um grande castelo. Nayla tem 8 anos e mora na periferia de São Paulo. Seu cabelo ondulado é cor de amêndoas, assim como a sua pele. O castelo de madeira em que mora está a cerca de um metro do córrego poluído.

A influência das princesas da Disney

“À medida que são apresentadas às crianças princesas brancas e magras, cria-se esta imagem como modelo ideal a ser seguido. Quando as crianças não se adequam a este modelo, sua autoestima poderá ser afetada. Sentem-se excluídas e com isto poderão achar que não são suficientemente belas e com isto terem dificuldades em seu desenvolvimento psicológico, se desvalorizando, e não se achando merecedoras. A valorização da aparência em detrimento a outros valores tão mais importantes como integridade, inteligência, etc, é prejudicial a estas meninas”, diz Rachel Netto, psicóloga infantil.

Em uma dessas minhas visitas à comunidade de Ferraz de Vasconcelos, uma amiguinha da Nayla disse que “beleza é sofrimento”, quando se referia a ideia de como uma mulher é bonita. Michele Escoura, enquanto fazia sua pesquisa em uma escola pública, em que a maioria das crianças são negras, viu duas meninas brincando de cabeleireiro. Perguntou, então, o que elas estavam fazendo. Uma delas respondeu que “tô fazendo chapinha e luzes, e ela vai ficar linda”.

“A ideia é essa transformação: de alguma forma, as meninas negras ali já sabiam que elas iam ter que clarear e alisar o cabelo para ficarem ‘lindas’ de acordo com aquilo que a sociedade diz que é lindo — uma beleza eurocêntrica. […] Não é que a Disney está criando esses padrões [de beleza], eles já existem na sociedade. O que a Disney está fazendo é traduzir todos esses padrões para uma determinada faixa etária, para um determinado grupo de pessoas”, afirma Michele.

Em contraposição às diversas princesas que entram nesse determinado padrão, são poucos os filmes que fogem dele: Pocahontas, Jasmine (Alladin), Tiana (A Princesa e o Sapo), Mulan. Estas são personagens oficiais da franquia Disney Princesas. No entanto, elas não são referenciais quando pensamos em princesas — pensamos nas clássicas, como a Cinderela. “As meninas que são estimuladas e expostas constantemente a estes padrões, crescerão acreditando que este é o correto. Quando adultas, poderão ter dificuldades em encarar a realidade, e com isso não conseguirem se sentir felizes, caso não consigam seu ‘príncipe encantado’, por exemplo”, afirma Rachel Netto.

Para Michele Escoura, a terceira característica que define o que é uma princesa é a mais importante.

“Você precisa ser bonita, ter coisas que te ajudam a ficar mais bonita para então atingir esse terceiro critério: conseguir um príncipe. Uma vez, uma das meninas [durante a pesquisa] me falou que ‘para ser princesa, precisa do príncipe’ — se não ela não será princesa… ela será solteira. Então, a mesma menina fez a comparação, como se uma noiva fosse uma princesa. Quando pensamos na imagem da noiva, isso é bem relacionado [com as princesas]: a noiva tem um vestido, uma coroa, é bonita e é o centro das atenções”.

O ideal de mulher que depende do homem está claro em grande parte dos filmes de princesas. O clássico da Bela Adormecida pode ser tomado como exemplo. Aurora, a protagonista, é amaldiçoada por uma bruxa má logo ao nascimento, onde é fadada a um sono eterno e profundo… a menos que um beijo de amor verdadeiro a salve. Um belo príncipe, enquanto Aurora está adormecida, a beija e a salva. “As princesas, em sua maioria, são mulheres submissas, frágeis, e que dependem do ‘príncipe’ para serem felizes. Temos que refletir se é esta a imagem que queremos passar para as meninas, e se condiz com nossa atual realidade. Os contos de fadas mais atuais já apresentam heroínas fortes, sagazes, guerreiras, inteligentes, que são capazes de enfrentar seus desafios, e estes são aspectos sim a serem valorizados”, afirma a psicóloga Rachel Netto.

A mudança está a caminho — e não é o príncipe encantado !

O cenário da submissão da mulher nos filmes Disney vem se alterando aos poucos. Pode-se citar aqui princesas como Pocahontas, Mulan, Mérida (Valente) e até mesmo a Elsa (Frozen); aqui, a vida delas não gira em torno de algum príncipe. “Temos visto uma mudança neste estereótipo de Princesas, uma mudança lenta ainda, mas que vem valorizando a imagem da mulher em outros aspectos, que não o da aparência. E isso é importante também para os meninos que passam também a enxergar as mulheres como seres humanos fortes, independentes, capazes — repensando padrões estabelecidos de feminilidade e masculinidade”, afirma Rachel.

Por isso, a mudança não precisa vir somente das telas, ou das mídias. A mudança precisa estar presente no dia a dia das famílias, das escolas. “Precisamos fazer um investimento social e coletivo de mostrar pra essas crianças que existem outros padrões de beleza, que elas podem ser bonitas do jeito são — com o cabelo crespo, com a pele escura, gordinhas, mais velhas. Precisamos mostrar que não é preciso estar dentro do padrão da novela para se sentir feliz. Precisamos pensar numa pedagogia de gênero que seja de alguma forma emancipatória — tanto da noção do consumo, quanto da realização do amor romântico”, finaliza Michele.

A educação que foge da normalidade, como colocar um filme que reproduz esse tipo de pensamento e não questionar a criança, é necessário. A inovação é justamente nos tirar da inércia não-pensante. Acha que é difícil? Bem, lembra da Nayla, a menina que mora em Ferraz de Vasconcelos? E lembra da amiguinha dela que disse que “beleza é sofrimento”?
Foi plantada a sementinha da emancipação nestas crianças e em outras crianças: confira neste vídeo.

E para plantar a sementinha em você quanto ao assunto aqui tratado, não deixe de ver este vídeo:

Originally published at www.siteladom.com.br on October 7, 2015.

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