A mãe de todas as perguntas: reflexões sobre os novos feminismos

Natália Silva
Lado M

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O trem estacionou na plataforma da consolação rumo à estação Vila Prudente. Era sexta-feira e eu carregava algumas poucas coisas na mochila. Ia passar a noite na casa da minha mãe, no ABC Paulista. Uma das minhas maiores saudades da vida de antes, marcada pelas viagens entre Santo André e o Butantã todos os dias, é ler. A 1h30 de transporte público diário significava pelo menos 1h de leitura. Guardava 30 minutos para me distrair com conversas alheias e a timeline repetitiva do meu Facebook.

Nessa ida para a casa da minha mãe, eu estava lendo A mãe de todas as perguntas: Reflexões sobre os novos feminismos, de Rebecca Solnit. O livro reúne ensaios leves sobre o feminismo, com frases que te pegam pela camiseta e te chacoalham. Até eu, feminista de carteirinha, fui chacoalhada. E aí mora a maior qualidade do livro de Rebecca: ela não prega para convertidos. Ela conversou comigo, feminista, e conversaria com aqueles que ainda acham que lugar de mulher é na cozinha e outros absurdos…

Os homens incompletos

O primeiro chacoalhão que Rebecca me deu foi dizer que o machismo cria homens incompletos. Gosto das resenhas que me deixam espiar um pedacinho do livro, então vou descrever os argumentos da autora como quem olha pela fresta da porta, vendo depressa tudo o que pode.

Em A mãe de todas as perguntas, ela argumenta que os homens são proibidos de fazer coisas por conta do machismo. Proibidos, por exemplo, de acessar seus sentimentos. “Não chora. Você é um homem ou um pé de alface?”. Lembro de ouvir essa frase da boca de alguma avó. O pé de alface definitivamente não chora, mas homens, que possuem canais lacrimais, são proibidos de expressar seus sentimentos de qualquer forma. E, por isso, a vulnerabilidade é perseguida e rechaçada pelo sexo masculino.

No primeiro sinal de vulnerabilidade, homens atacam, já que isso é um defeito inaceitável para eles. Então por que outra pessoa deveria ter o direito de ser vulnerável sem ser aniquilada por isso? E chega de olhar por essa fresta. Rebecca continua seu ensaio, tocando não só na questão do ataque ao feminino, mas também em questões como homossexualidade. Mas daqui para frente, só abrindo a porta de A mãe de todas as perguntas mesmo.

A autora

Logo que eu entrei no trem, segurando o livro em uma mão e a barra de ferro gelada em outra, cruzei o olhar com um homem. Ele conversava com outro sobre como mulheres dirigem mal. Disse saber que os seguros automotivos para mulheres são mais baratos, porque nos envolvemos menos em acidentes. Mas argumentou que, na verdade, o que explica o número menor é a nossa fragilidade. Somos menos agressivas no trânsito, os homens são mais corajosos e costumam acelerar mais. “Elas são medrosas, aí não batem tanto o carro. Mas não tem a mínima noção de espaço, meu. Só cagada”.

Depois de algumas frases, eu entendi que os dois trabalhavam em uma auto escola. Tudo ficou um pouco pior depois dessa constatação. Todos os dias esses dois homens com os quais eu cruzei no trem devem praticar o mansplaining como parte de sua profissão, uma vez que ter um pênis, para eles, é sinônimo de saber dirigir, estacionar, manobrar e outras coisas mais.

O termo mansplaning, que latejava na minha cabeça enquanto eu olhava incisivamente para os homens, surgiu a partir do mais famoso ensaio de Rebecca Solnit, Os Homens Explicam Tudo Para Mim, publicado em 2008. Naquela hora, eu ouvia os argumentos absurdos do homem que se acha o melhor motorista da cidade de São Paulo (apesar de ter perdido a carteira de motorista no passado, como confessou). A minha vontade era iniciar um belíssimo discurso com “escuta aqui, macho”.

Trabalho de formiguinha

Mas Rebecca me lembrou a cada frase de A mãe de todas as perguntas que a militância feminista deve fazer, sempre que possível, um trabalho de formiguinha. Isso não quer dizer que você deve abaixar a cabeça e aceitar que os homens te expliquem tudo. Mas, quem sabe, presentear aquele seu amigo meio machista, seu pai meio anos 80, seu namorado que você ama mas sabe que é babaca às vezes, com esse livro de Rebecca Solnit seja um bom começo.

A mãe de todas as perguntas respondeu para mim quem é o pai de todas as respostas: o machismo. E passou da hora de mudar isso.

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