A nova Miss São Paulo é negra como eu! — Sobre a representatividade nos concursos de beleza

Nairim Bernardo
Lado M
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4 min readMay 30, 2016

Quando eu tinha uns 7 anos de idade minha mãe me inscreveu num concurso de beleza. Ela me achava linda, afinal, ela é minha mãe. Eu achava que só ela e a minha família me achavam bonita, porque eles eram negros também. Na minha cabeça de criança, já não fazia muito sentido os jurados me acharem bonita, afinal, eles eram brancos. Eu não disse nada disso pra minha mãe, apenas vesti a roupa, desfilei e fiquei lá observando como a minha pele era diferente da pele das outras candidatas, o meu corpo, o meu cabelo. Fato é que pelo sim pelo não, eu não ganhei. Preferi não participar mais de qualquer concurso relacionado à beleza.

A nova Miss São Paulo é negra. Há quem diga que começar o texto assim seja preconceito (isso de fato aconteceu nos cometários do perfil de uma revista). Mas é preciso dizer com todas as letras: a nova Miss São Paulo é negra! É preciso, necessário, relevante e é muito bom também.

Nós, mulheres negras, costumamos ouvir de amigos e parentes elogios do tipo: “Não liga pro preconceito não, você é linda”, “O seu cabelo é maravilhoso”, “A cor da sua pele é incrível”. Você fica feliz, você acredita e, depois que aprende a se amar, o mundo parece até mais bonito. Mas não adianta: a mídia continua tendo como padrão mulheres brancas e de cabelo liso. Elas estão em toda parte. Na TV, nas revistas, nas propagandas, nas passarelas, do seu lado nos bancos da faculdade. Muitas delas, poucas de nós.

Mas qual não é a felicidade quando você acorda, acessa as redes sociais e descobre que a Miss do Estado de São Paulo é da sua cor e tem um black maravilhoso?!

Sabrina de Paiva, Miss Caconde, disputou a coroa com outras 30 misses e saiu vitoriosa na noite do sábado, 28. Ela era uma das duas únicas candidatas negras na disputa. A outra, era Nathalia da Silva Quirino, Miss Indaiatuba (que também é lindíssima).

Além de muita beleza e simpatia, Sabrina, que é estudante do curso de publicidade e propaganda, foi a vendedora que precisou também de um empréstimo, apoio financeiro e incentivo de amigos e parentes. Afinal de contas, ser miss custa caro. Foram precisos 7 mil reais para pagar a inscrição e as roupas do concurso. Agora, ela começará a se preparar para disputar o Miss Brasil.

Até agora, a primeira e única Miss Brasil negra é Deise Nunes, eleita em 1986. E isso em um país no qual 53,6% da população é negra (preta e parda), segundo dados do IBGE. Curioso, não é mesmo? Natural de Porto Alegre, ela contou em entrevista à Revista Raça Brasil que as pessoas estranhavam o fato de ela ser Miss Rio Grande do Sul. Sabrina contou que “estranharam o fato de uma negra representar um estado colonizado, na sua maioria, por alemães e italianos. Isso só mostrou o quanto estavam desinformadas, afinal, no Sul existem todas as raças, como em qualquer outro lugar do Brasil.”.

A fase seguinte ao Miss Brasil é o Miss Universo, que em 63 anos de existência coroou quatro mulheres negras. Foram elas Janelle Commissiong (Trinidad e Tobago), Wendy Fitzwilliam (Trinidad e Tobago), Mpule Kwelagobe (Botswana) e Leila Lopes (Angola).

A vitória de Sabrina é digna de comemoração, mas ainda é pouco. Queremos que isso se reverta em muito mais. Nós, mulheres negras, amamos ver a nova Miss sorrindo e acenando, mas também queremos ser consideradas bonitas. Sendo assim, do que vale uma indústria da beleza que elogia a estética de Sabrina, mas não se preocupa nem em desenvolver bons produtos para a pele negra e para o cabelo afro? Nós queremos que as pessoas vejam que a beleza não está em uma, mas em várias, em todas.

A Miss São Paulo sabe bem disso, e declarou que “estar aqui é representatividade. Quero que as mulheres, as meninas, as crianças negras me vejam e tenham inspiração. Meu foco também é esse, mostrar que a cultura negra é linda, nosso nariz, nossa boca e nossa cabelo afro são maravilhosos. Meu sonho sempre foi representar a minha cultura e hoje consegui.”.

Há muito tempo já superei aquele concurso que não cheguei nem perto de ganhar quando era criança. Hoje, Sabrina de Paiva me representa. E espero que em breve muitas outras misses de pele marrom igual a minha e cabelo crespo como o meu me representem também.

Originally published at www.siteladom.com.br on May 30, 2016.

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Nairim Bernardo
Lado M
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Estudante de jornalismo, aspirante a atriz e futura estrela em ascensão