Anná: a cantora que mostra que corpo bonito é o que tem gente feliz

Nathalia Marques
Lado M
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7 min readDec 14, 2017

Anna Paula Fonseca Carneiro Barreto Furtado, mas pode chamar de Anná, é uma cantora, compositora e percussionista de Mococa, interior de São Paulo, que se mudou para a capital do estado em 2013.

A cantora independente começou sua carreira cantando algumas músicas em bares da Vila Madalena. Este ano ela lançou seu primeiro álbum: “Pesada”. Como o próprio nome já indica, ela não está para brincadeira e sim para trazer mudanças. “A música é meu escudo empoderador”.

Com quatro músicas, o EP se revela um instrumento de militância. A primeira faixa “Daqui”, por exemplo, fala sobre a valorização da cultura brasileira. A segunda, “Grosse”, cantada em francês, fala sobre a trajetória de uma mulher que se descobre gorda. O destaque, certamente, é a música “Carta à Boa Forma” que já conta com clip e é um tapa na cara da sociedade preconceituosa.

“Quando eu canto é para aliviar meu pranto e o pranto de quem já tanto sofreu”

Assim como muitas mulheres que são fora do padrão Anná também sofreu ao longo da sua vida com as pressões estéticas e chegou ter bulimia. Sua superação é uma vitória para ela, mas também para nós — que hoje podemos contar com sua arte que empodera outras mulheres. “… ouvir esse discurso ajuda a desconstruir o discurso que nos é imposto — de que mulher bonita é mulher magra. De que mulher não pode ter pelos. Mulher bonita é isso, mulher feia é aquilo. Chega! Vamos cantar até essas violências estéticas cessarem! ”, comenta a cantora.

Conversamos com Anná sobre o assunto e também sobre sua vida e carreira. Quer saber como foi nosso papo? Confira a seguir!

Anná: música e empoderamento

Lado M — A música “Carta à boa forma” é um dos destaques do seu EP e fala sobre aceitação do corpo e gordofobia. Na nossa sociedade, esse é ainda um tema pouco repercutido e há muito preconceito. Na sua opinião, qual é o papel das diversas formas de cultura para promover a conscientização sobre o tema?

Anná — Acho cultura um termo amplo. Penso que as diferentes formas de arte, mais objetivamente, sempre trazem um posicionamento político. Nunca estamos neutras. Não falar sobre tal assunto é um posicionamento assim como falar sobre ele. E o tema da gordofobia é abordado em livros, filmes, artes plásticas, e na música de maneira ainda tímida. Penso que essa lacuna precisa ser preenchida.

Precisamos cantar e ouvir muito mais o quanto nossos corpos são lindos do jeito que são, sem precisar de cremes anticelulite. Porque ouvir esse discurso ajuda a desconstruir o discurso que nos é imposto, de que mulher bonita é mulher magra, de que mulher não pode ter pelos, mulher bonita é isso, mulher feia é aquilo. Chega! Vamos cantar até essas violências estéticas cessarem! A arte é nossa arma. No meu caso, a música é meu escudo empoderador.

Lado M — Falar sobre gordofobia em uma música é algo novo. Como é para você ter a responsa de jogar a real?

Anná — Já existiam músicas sobre isso antes da minha, não sei se da maneira explícita como a que eu fiz, mas gordofobia já foi tema de algumas cantoras. Mesmo assim, eu me sinto muito feliz de imaginar que minha composição pode ter feito bem para autoestima de muita gente. Eu tive bulimia na adolescência e se tivesse escutado essa música na época talvez tivesse me ajudado. Sinto que não poderia ter feito diferente, é um tema muito próximo e íntimo para mim, e acredito que para todas as mulheres. E pretendo continuar falando disso!

Lado M — Muitas mulheres ainda estão em processo de aceitação do próprio corpo. Qual o conselho você pode passar para elas?

Anná — Nossa, muitos conselhos. O primeiro de todos é: não espere emagrecer para se achar bonita. Essa é uma grande mentira que enfiam na nossa cabeça, que a gente só vai ser bonita quando emagrecer. Você não precisa ser magra para ser bonita. Nem branca! Nem ter o cabelo liso!

Uma coisa que me ajudou muito foi ter novos referenciais de beleza. Por exemplo, a Gisele Bunchen é bonita, sim, mas vocês já viram a Ashley Graham? ou Alana Chandler? Ou a Fluvia Lacerda? São mulheres gordas M A R A V I L H O S A S que só reforçam como mulher bonita não, necessariamente, é mulher magra. A única regra certa é que quem precisa te achar linda é você mesma.

Lado M — Apesar de muitos veículos de comunicação abordarem, vez ou outra, a questão da gordafobia, percebemos que ainda prevalecem mulheres magras nas matérias. Você acredita que a falta de representatividade na mídia impacta a autoestima das mulheres gordas?

Anná — Com certeza impacta muito — e não só na autoestima das gordas. Quando eu tive bulimia eu vestia tamanho 40, pesava bem menos do que hoje, e mesmo assim sofria muito com essa falta de representatividade.

Meu cabelo é bem pouco cacheado e mesmo assim eu alisei o cabelo desde muito nova para tentar ficar parecida com as mulheres que via. Nos filmes, novelas e até livros, as mulheres nas quais eu me espelhava eram sempre magras e eu não me sentia nem um pouco parecida com elas.

Para mim, anorexia e bulimia são resultado direto dessa falta de representatividade, que leva muitas jovens a depressão e até a suicídio. Autoestima não é uma palavra inventada para vender livro. Autoestima é questão de saúde pública e colocar uma foto carregada de efeitos de Photoshop criando corpos irreais é um desserviço para a saúde de todos.

Isso tudo sem nem falar da falta de representatividade negra. Se eu enfrentei uma barra na adolescência por pressões estéticas, não posso nem imaginar a força das manas pretas que, além de só ver mulher branca na TV, ainda tinham a barra do racismo todo dia.

Brasilidade, carreira e composições

Lado M — A primeira canção do disco “Pesada” fala sobre a valorização da cultura brasileira. Como você percebe entre nós, brasileiros, a questão da valorização das nossas raízes?

Anná — Eu tenho a sorte de viver numa bolha de gente apaixonada por cultura popular brasileira, assim como eu. Quem pesquisa música popular brasileira se apaixona, não tem jeito. Mas, saindo da minha bolha, li algumas pesquisas que dizem que de uns anos para cá o consumo de música brasileira por brasileiros aumentou, e está aumentando, mas 90% dessas músicas são funk e sertanejo universitário.

Fico otimista de pensar que estão consumindo ritmos brasileiros, que têm raízes nacionais, mas dá um desânimo quando a gente escuta muitas dessas músicas feitas industrialmente, de baixa complexidade, com letras e temas iguais, girando milhões de reais. Música sendo tratada apenas como produto.

Infelizmente, a gente não tem como correr, pois essas músicas tocam em todo lugar, são empurradas goela abaixo. Eu mesma sei cantar vários sertanejos universitários não porque eu gosto, mas porque toca tanto que você acaba decorando. Os outros 10% de música nacional tão rica e interessante ficam restritos e nem chega aos ouvidos da maior parte da população. Por isso, é tão importante, sempre que possível, FALAR DE LUIZ GONZAGA E CANTAR MESTRE BARACHO! E viva a música independente deste país!

Lado M — Você poderia contar um pouco sobre sua trajetória profissional?

Anná — Eu sempre cantei na vida, desde criança, mas nunca, nunca MESMO, imaginei que iria cantar profissionalmente. Era a mesma coisa que meu irmão querer ser jogador de futebol, um sonho grande e longe (no caso dele, não rolou). Tudo começou a se tornar uma possibilidade real quando passei a dar canjas (cantar algumas músicas) nuns bares da Vila Madalena.

O negócio embalou. Comecei a ganhar uns trocos nos bares, conheci meu companheiro que já é músico e o caminho está aí se solidificando. Mas até hoje eu não consigo acreditar direito porque sempre me disseram que era impossível viver de arte no Brasil. Estou aprendendo que impossível não é, mas também não é nada fácil. Mas eu estou só aquecendo as turbinas, o jogo está só começando.

Lado M — Como foi o processo de criação do seu EP?

Anná — Este EP só existe porque muita gente boa contribuiu com a nossa campanha de financiamento coletivo e porque eu tenho amigas e familiares muito legais me apoiando.

Tudo feito na raça, de maneira independente, e com muito coração envolvido. Não sei se todo mundo entende quando digo “independente”, mas basicamente significa que eu e o Samuel, que somos os idealizadores, colocamos a mão na massa em todos os aspectos possíveis.

Desde a capa (eu que arranquei as folhas de árvore e as florzinhas que estão na colagem, mas nada ia adiantar se meus amigos da Casa Dobra não tivessem ajudado). Eu que comprei as samambaias e flores do cenário com ajuda da Karol Mendes, que é quem filmou, e transportamos tudo dentro de um carro lotado de instrumento na correria para gravar, porque não podia atrasar, pois o estúdio se paga por hora.

O maiô branco que eu uso no clipe, comprei poucos dias antes da gravação numa liquidação por R$40 (siiiimmm!!), e era para ter muito mais mulheres naquele clipe, mas muitas não puderam ir porque gravamos numa quarta-feira à tarde. Enfim, o processo é de muita doação e criatividade, não dá para fazer nada sozinha, mas é uma delícia ver tudo o que nasceu dessas sementes plantadas.

Lado M — Quais são as suas referências para a composição do EP?

Anná — Eu tenho uma pesquisa bem grande de Samba que me dá muitas bases como: Clara Nunes, Candeia, Elis, Ivone Lara, dentre outros. Além disso eu me inspiro muito em Tom Zé, Metá Metá, André Abujamra, essa galera mais experimental. Mas também deve ter várias referências doidas no meu inconsciente da minha adolescência quando eu ouvia desde Gospel e Los Hermanos, Yann Tiersenn até Ramones e Garotos Podres. É uma mistura doida que eu adoro.

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Originally published at www.siteladom.com.br on December 14, 2017.

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Nathalia Marques
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Jornalista que viaja, literalmente e metaforicamente, e escreve sobre as coisas