As 29 Poetas Hoje é uma efervescência de jovens poetas brasileiras

Natália Sanches
Lado M

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O ano é 2021 e se você perguntar para uma jovem de 16 anos onde ela encontra poesias para ler, certamente ela irá responder “na internet, por meio de páginas no Instagram ou em canais de Youtube”. Em outros tempos, isso poderia soar de forma negativa, como se a literatura tivesse sido engolida pelas redes sociais e ficado de lado no consumo de cultura do país. No entanto, em plena pandemia e com o acesso às redes facilitado, a poesia também obteve o seu lugar ao sol, mesmo dentro de casa. É a “quarta onda” que chega nas livrarias ou na tela celular.

O caso é ainda melhor quando falamos de uma poesia avassaladora, que penetra em cada poro do ser que se identifica com o que é lido. No caso, também ouvido, pois graças aos slams, as poesias são declamadas, cantadas, gritadas e gravadas em várias praças pelo país.

As 29 Poetas Hoje

As 29 Poetas Hoje, livro organizado pela magistral Heloísa Buarque de Holanda, é uma certificação de que a poesia, assim como toda arte, é transgressora. O livro não é uma revisitação de Os 26 poetas hoje, lançado nos anos 70, pois diferente da poesia dita “marginal” do período, o futuro que chegou é completamente feminino.

São 264 páginas de metamorfoses, pois cada uma delas coloca em sua poesia o momento de mudança, mesmo esta não sendo explícita em formas de epifanias. O prefácio do livro traz a importância de Ana Cristina César, poeta marginal que foi pioneira na poesia rasgante de enfrentamento das amarras de um mundo patriarcal. No entanto, e isso é algo que faz o leitor refletir sobre, Ana C era uma mulher branca, acadêmica, lgbtqia+, ou seja, ela não representava a mulher na poesia, ou até representava, mas uma mulher específica, algo que hoje já não é o bastante, pois cada uma tem um nó diferente nessas amarras ditas anteriormente.

Segundo Heloisa, a nova mostra de poesia existe na diversidade. São mulheres “de todas as cores e sexos”, brancas, negras, indígenas, trans, cis, lésbicas e de diferentes regiões do Brasil. Elas são jovens, mas não inexperientes, suas vivências são profundas e revelam dor e descoberta. Porque o feminismo pode falar de particularidades, mas se fizer somente isso, ele esquece dos 99%, como afirma a organizadora, retomando os estudos de Nancy Fraser, teórica crítica feminista norte-americana e uma das autoras do livro Feminismo para os 99%: Um manifesto.

São elas, na ordem do livro: Adelaide Ivánova; Maria Isabel Iorio; Ana Carolina Assis; Elizandra Souza; Renata Machado Tupinambá; Bruna Mitrano; Rita Isadora Pessoa; Ana Fainguelernt; Luz Ribeiro; Danielle Magalhães; Catarina Lins; Érica Zíngano; Jarid Arraes; Luna Vitrolira; Mel Duarte; Liv Lagerblad; Marília Floôr Kosby; Luiza Romão; Raissa Éris Grimm Cabral; Cecília Floresta; Natasha Felix; Nina Rizzi; Stephanie Borges; Regina Azevedo; Valeska Torres; Bell Puã; Yasmin Nigri; Dinha; Marcia Mura.

As poesias de As 29 Poetas Hoje

Dentre as poesias, “Urubu”, de Adelaide Ivánova, perpassa pela violência estrutural que transforma as mulheres em coisas diante da normalização absurda do outro, sempre controlando o corpo feminino. Em “Matriarcal cunhã”, de Renata Machado Tupinambá, a natureza se mistura com o corpo, alma e passado, o mesmo passado que o outro quer enterrar, mas não vai conseguir. “Menimelimetros” de Luz Ribeiro, denuncia uma visão academicista da pobreza e coloca a infância em xeque, a infância vista por esse outro. E Jarid Arraes traz em “vocação” o fato de que para o patriarcado, este outro, a mulher tem uma função: gerar seres.

Trecho do poema “Urubu”

“(…)deitada numa maca com

quatro médicos ao meu redor

conversando ao mesmo tempo

sobre mucosas a greve

a falta de copos descartáveis

e decidindo diante de minhas pernas

abertas se depois do

expediente iam todos pro bar

o doutor do instituto

de medicina legal escreveu seu laudo

sem olhar pra minha cara

e falando no celular(…)”

Ou seja, é possível perceber que, em muitos textos, a denúncia é justamente mostrar que o problema nunca foi a mulher e sim, os “outros” que tentam defini-la e controlá-la. Em uma live organizada pela Biblioteca Mário de Andrade sobre o lançamento do livro, a poeta Luz Ribeiro reitera a importância da troca no livro. Ela diz que As 29 Poetas Hoje vem como um fôlego diante desses tempos sombrios, pois é possível projetar um futuro diante da unidade de fôlegos encontrados em cada poeta que compõe a obra.

Poesia viva com tecnologia

Outro diferencial do livro é que ele não é somente escrito. No final de cada coletânea das poetas, é possível acessar um QRCode em que é vista a performance de cada uma. Isso é de uma inovação tão incrível que transforma a experiência da leitura. A poesia tem vida e ela se materializa na frente de quem a lê. A ideia, vinda de Heloisa — que hoje tem 81 anos — só mostra que a tecnologia atravessou todas as gerações e de que é preciso usá-la também na arte.

As 29 Poetas Hoje é um livro para entender que o corpo é uma luta. É transformar as costas, que recebem todos os tipos de pesos injustamente, em pontes — usando o pensamento de Gloria Anzaldúa ( estudiosa norte-americana da teoria cultural chicana, teoria feminista e teoria queer) — e escutar, através da leitura, de que o feminismo é o contrário de solidão.

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Natália Sanches
Lado M
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é Natit. Professora especializada em Estudos Brasileiros, paulistana de nascença, mas catarinense de coração. 17 tatuagens e cabelo curtinho. Gosta de tulipas.