Photo by Elza Shimpf on Unsplash

As novas protagonistas: sobrancelhas e a beleza natural

Carolina Pulice
Lado M
Published in
5 min readJul 9, 2020

--

Vez ou outra, os nossos olhos são usados como objeto central de temas como a honestidade, o amor ou o mistério. Machado de Assis, em “Dom Casmurro”, utilizou dos “olhos de cigana oblíquos e dissimulados” da personagem Capitu para estabelecer uma das maiores dúvidas da literatura brasileira: Bentinho era um ciumento possessivo retratando o machismo da época, ou sua desconfiança estava correta?

Mas, ao tratar dos olhos, falamos invariavelmente daquelas que os acompanham. As sobrancelhas são marcas da personalidade e têm sido objeto de padrões de beleza ao longo dos séculos. Afinal, quem não se lembra de sobrancelhas finas como as da personagem de animação Betty Boop, da sobrancelha extremamente arqueada da marca de roupas femininas Sexy Machine, ou até mesmo o extremo oposto, a monocelha da pintora Frida Kahlo?

Falar de desenho das sobrancelhas nos leva a falar de padrões de beleza e em como esses padrões são modificados ao longo do tempo. Nos anos 50, a sobrancelha fina e desenhada com lápis era sinônimo de beleza. A finura das sobrancelhas perdurou por muito tempo e em muitos cantos do mundo, mas chegou a disputar espaço com sobrancelhas mais grossas nos anos 80, por exemplo.

Junto com os diferentes desenhos e as diferentes espessuras das sobrancelhas, vieram novas técnicas de tratamento e desenho (ou design, termo que foi adotado por muitos no Brasil). Foi mais ou menos há dez anos que vimos nascer a técnica de micropigmentação, que utiliza tinta para preencher e desenhar as sobrancelhas. A técnica, embora ainda seja muito utilizada aqui no país, gerou certo receio por parte de algumas consumidoras, uma vez que é invasiva e pode, se mal aplicada, chegar a parecer uma tatuagem, ou a ficar com uma coloração estranha.

Pedro Kachy nasceu em um ambiente em que tudo girava em torno de sobrancelha. Sua mãe, que trabalha há mais de 20 anos com design de sobrancelha, chegou a lançar uma franquia de cuidados com esta parte do corpo.

Em 2012, começou na área de vendas, e foi progredindo até chegar ao design com micropigmentação. Mas aprender a técnica o levou a pensar que os “modelos” de sobrancelhas vendidos no mercado muitas vezes não condiziam com o desenho do rosto de suas clientes. “Eu entendi desde cedo que um rosto não é uma folha de papel”.

Imagem: Pedro Kachy/Divulgação

Quando decidiu trabalhar por conta própria, em 2018, Pedro viu que era a hora de propor algo que podia até parecer estar na contramão do mercado: a beleza natural.

“Fui trabalhar por conta própria por não conseguir trabalhar com uma visão muito comercial da micropigmentação. Eu queria explorá-la de um outro lado, o de preservar o que você tem de natural”, afirma.

Entre perdas de clientes que não acreditavam na ideia da beleza natural e a conquista de um espaço no mercado justamente por isso, Pedro conheceu clientes que entrariam nesse processo de entender que beleza natural também pode ser belo (com redundância mesmo).

“Eu comecei a fazer sobrancelha com 14 anos. Nessa coisa de moda, comecei a ver que meus pelos não ficavam tão certinhos, e por isso queria arrumá-las. Eu deixava elas bem fininhas”, conta a atriz e vendedora Natália Jorge, de 24 anos.

Maria Fernanda Rasquinho também optava por sobrancelhas finas.

“Eu vim de uma época que a gente faz um momento de ‘burrada’ na nossa cara, eu tirava muito a sobrancelha. Eu quase não tinha sobrancelha, era um risco muito fino”, afirma.

A soma de uma sobrancelha que não a agradava mais com um ambiente de trabalho que exigia uma mulher impecável (leia-se impecável como a mulher bem vestida, preferencialmente com um sapato de salto alto, maquiada, com cabelos cuidados e sobrancelhas feitas) a levaram a tomar a decisão de experimentar a micropigmentação.

“Como eu usava muita maquiagem, demandava muito tempo para arrumar a sobrancelha, a minha designer de sobrancelha sugeriu a micropigmentação”, disse.

Só que, no caso de Maria Fernanda, o retoque de seu processo não deu certo. Com isso, a advogada de 27 anos teve que passar pelo procedimento de despigmentação. E com isso a sobrancelha, que é muitas vezes a coadjuvante de uma longa história sobre beleza e padrões, passou a tomar a cena.

“Eu fiz umas 4 sessões com laser e ácido até conseguir passar pela micropigmentação de novo”, disse. “Tudo foi muito traumático. Desde a primeiro micro até hoje foi bem difícil. Quando você passa ácido você não pode tomar sol, porque mancha. Além disso, o laser em si foi bem difícil, porque dói, machuca. Eu fazia remoção e saia com a sobrancelha sangrando”, conta.

E o que Maria Fernanda e Natália têm em comum? As duas, além de serem clientes do Pedro, passaram pelo processo de reconhecer o desenho natural de suas sobrancelhas.

“O processo começou quando eu olhava que toda vez que eu voltava da sessão de sobrancelha, eu não me sentia bem. E eu comecei a aceitar a forma como minha sobrancelha realmente era, que eu consigo me ver ali, mesmo com uma sobrancelha não tão marcada”, diz Natália, e ressalta que a pandemia tem sido um momento para deixar os “pelinhos a mais” nascerem em seu rosto.

“Na pandemia eu nem mexo. Eu olho no espelho e me incomodo com os pelinhos a mais, com a forma que não está 100%. Mas eu também não quero ficar mexendo, porque sei que vou perder o processo”, afirma.

Maria Fernanda também está aproveitando a pandemia para deixar sua sobrancelha crescer e, mais do que isso, se conhecer de novo.

“Estou aproveitando para tentar usar o menos de maquiagem possível, para tentar desapegar um pouco, porque eu era das pessoas que não ia na portaria sem estar com o ‘reboco’ completo. Estou tentando diminuir, não é de agora. Fui abandonando aos poucos. Já consigo ir praticamente com a cara lavada pro escritório”, conta.

A noção de beleza natural pode até parecer uma moda passageira, como tantas outras que já vieram e foram embora. Porém, como todo conceito, sua repercussão pode gerar outras ideias que podem se fixar em nossas mentes, e não escapar mais. Talvez existam muito mais Natálias e Fernandas por aí, que conseguiram conciliar vaidade com autoconfiança e amor próprio. Que deveria ser, afinal, o objetivo maior do mercado de beleza.

E se ainda estamos engatinhando em tal discussão, profissionais como o Pedro podem ajudar a enxergar nas técnicas de beleza, quem diria, nós mesmas. Está sendo assim com a Fernanda e com a Natália.

“Hoje eu me olho no espelho e me sinto realmente bem. Se eu vejo uma foto antiga, não me reconheço. Ainda me incomoda ter algumas falhas, alguns pelos a mais. Mas agora eu olho no espelho e às vezes eu gosto da minha sobrancelha, outras vezes eu não gosto, mas eu não mexo”, afirma Natália.

“Agora é o momento em que minha sobrancelha está mais a ver comigo”.

--

--

Carolina Pulice
Lado M
Writer for

Jornalista que adora discutir sobre tudo com todo mundo, e de escrever sobre todas essas coisas que se tem pra se discutir